Cabelos claros e lisos. Pernas muito grossas dentro de um short azul celeste, com o número 2 estampado no cantinho. O corpo rechonchudo envolto por uma camisa da mesma cor, tendo ao centro um círculo branco com cinco estrelas onde se lia “Cruzeiro Esporte Clube”.
Amparado pela Ló, eu era só um garotinho de 1 ano, sorrindo, tentando engatinha sobre a cama ensolarada. Essa é uma das minhas primeiras fotos. Foi meu pai quem me deu aquele mantinho sagrado? A ideia de me vestir assim nos dias de festa, era dele? Não sei e nunca lhe perguntei.
Certeza mesmo, tenho do quanto meu pai era ruim de bola. Já me contou algumas vezes e outras pouquíssimas, tentou dar uns chutinhos comigo quando eu era criança. Esporte para ele, era peteca e competitividade desportiva, o xadrez. Nesse, era um fenômeno desde os seus tempos de estudante na república Pulgatório, que fundou com colegas, em Ouro Preto.
Vencer as pelejas no tabuleiro era também uma forma de espantar as mazelas dos tempos de muita dificuldade financeira até conquistar o sonho de se formar geólogo.
Vi meu pai jogar xadrez e morria de orgulho quando ele ensinava meus amigos a mexer o bispo ou o cavalo e dar o xeque-mate. Mas ele nunca se interessou em ver jogar bola.
Meu pai nunca havia pensando em me levar ao Mineirão, mesmo eu já sendo apaixonado pelo combalido time do Cruzeiro da década de 1980. Acabou me levando a primeira vez só porque eu implorei e porque Belo Horizonte era passagem entre Mariana e a casa de minha avó, em Itaúna, onde passávamos os finais de semana.
Quando me viu sentando no cimento das arquibancadas, com as mãozinhas espalmadas em oração, prensada entre as pernas, tamanho era meu nervosismo em assistir ao Cruzeiro, não ficou orgulhoso; ao contrário, me deu um pito, dizendo que eu não deveria ser tão fanático.
Meu pai nunca soube (antes de ler esses rabiscos aqui) que, ainda molequinhos, eu e Gargamel fugimos de Mariana, escondidos e fomos sozinhos até Belo Horizonte para ver o Cruzeiro ganhar da Portuguesa por 1 a 0.
Nosso time, comandado pelo Celinho, havia conseguido o impossível na história do futebol de salão de Mariana: chegamos favoritos à final do campeonato contra o quase imbatível escrete do Colégio Estadual, treinado pelo Luís Soldado. Venceríamos, éramos muito melhores.
Nosso time, comandado pelo Celinho, havia conseguido o impossível na história do futebol de salão de Mariana: chegamos favoritos à final do campeonato contra o quase imbatível escrete do Colégio Estadual, treinado pelo Luís Soldado. Venceríamos, éramos muito melhores.
Aos sábados, quando a molecada ia jogar bola no campinho de terra do seminário ou pulava o muro do campo do Guarany, meu pai me obrigava a ir ao sítio em Barro Branco para fazer cerca ou lavar a camionete toda suja de barro das estradas de Sumidouro.
Meu pai nunca me viu jogar bola. Mas, quando tomei bomba na Escola Técnica de Ouro Preto, aos 14 anos, ele viu – e chorou.
Quando meu nome foi para a lista suja do Banco Central, por ter estourado o limite do meu primeiro cartão de crédito, aos 18 anos, meu pai correu para me acudir; pagou minha dívida sem me xingar e me disse: “A coisa mais valiosa que você tem na vida é seu nome, sua honestidade. Não esquece isso”.
Desde a minha primeira internação por crise de asma, quando ainda tinha poucos meses de vida, até as últimas tantas, já quarentão, meu pai esteve ao meu lado no hospital, sem se desgrudar de mim, acariciando minha mão enquanto eu pedia para morrer por falta de ar. Ele era o meu fôlego.
Vieram do meu pais os ensinamentos, entre eles, o de que o futebol não é a coisa mais importante da vida. Mas veio desse mesmo pai o maior presente da minha vida. Ele me deu algo para amar incondicionalmente, todos os dias e para sempre: o seu próprio time de futebol. Meu pai é Cruzeiro.
(*) Dedico essa crônica a todos os papais e a todas as mamães-papais cruzeirenses, atleticanos, americanos e aos que nem gostam de futebol, mas que fazem das suas próprias vidas uma eterna arquibancada onde torcem por seus filhos e filhas. Vocês venceram o jogo do amor.