Astro mundial do futebol, um dos nomes mais influentes do esporte neste século, o ex-atacante Ronaldo é visto como referência (não só esportiva) para muitos. Mas também para muitos, ele e outras estrelas pecam por não levantar bandeiras, de forma mais incisiva, de causas importantes para a sociedade. No mais recente dos tópicos, a luta contra o racismo – que tem vitimado na Espanha, de forma frequente, Vinícius Júnior, atacante do Real Madrid e da Seleção Brasileira.
Em entrevista ao rapper Mano Brow, no podcast Mano a Mano, Ronaldo foi instigado a falar profundamente sobre o assunto. Não é exagero dizer que o cantor insistiu no tópico, até que o ex-jogador se manifestasse de forma jamais vista.
Ronaldo fez mea-culpa, reconheceu que se omitiu da luta, confidenciou questões familiares e se posicionou, de forma veemente, sobre o racismo.
Essa postura meio hesitante de um expoente do esporte diante de assunto tão necessário não é restrita a Ronaldo. O caso envolvendo Vinícius Júnior é prova disso. Era momento de jogadores e ex-jogadores, principalmente brasileiros, entrarem na briga de maneira mais efetiva. Usando de influência e prestígio para atuar perante governos, federações esportivas, torcedores e atletas.
Não é fazer post em rede social. É se posicionar na prática, iniciar um movimento mundial que faça barulho. Vinícius Júnior parece sozinho na luta. Apenas uma voz contra um país inteiro, um sistema que o oprime.
Na entrevista a Mano Brown, Ronaldo admitiu já ter se posicionado de forma equivocada quando questionado sobre questões racistas. “Eu já falei besteira, mas é por ignorância. Uma vez, numa entrevista, dei uma resposta ridícula. Falei que minha pele era branca, mas eu me sentia preto”.
Em outro momento, ele contou que a ex-mulher Bia Antony fez uma ação para conscientização sobre racismo na escola das filhas Maria Sofia e Maria Alice. O pai do ex-jogador, Nélio, que está escrevendo um livro sobre as vezes em que sofreu racismo, deu até uma palestra para as crianças, disse Ronaldo.
“Elas têm cabelo crespo, começaram a sentir um pouquinho de preconceito na escola. Automaticamente, tinham relação com os mais oprimidos, quem tinha bolsa, o filho do funcionários, sofriam com isso. A criançada absorve bem, é questão de educar, colocar exemplos práticos, para a criança levar para toda a vida.”
Para Ronaldo, somente penas severas serão capazes de mudar o quadro. “Tem de mexer no bolso do racista. Pagar uma fortuna. E cadeia”, disse, citando multa “de US$ 100 mil” a quem cometer ofensas racistas, com esse dinheiro indo para a vítima. Além de prisão.
O dirigente do Cruzeiro entende que campanhas educativas não têm muito efeito e afirma acreditar na educação de crianças para uma mudança no futuro. Mas, para quem já é adulto, a saída é punição pesada.
Talvez na parte mais reflexiva do bate-papo com Mano Brown, Ronaldo admitiu ter se esquivado de entrar em brigas diretas contra o preconceito.
“Antigamente, eu tinha uma orientação menos conflitiva nesse aspecto. Tinha uma responsabilidade muito maior contra a pobreza, fui muito ativo contra a pobreza no mundo. E não era ativo na luta contra o racismo. Uma vez alguém me perguntou por que eu raspava a cabeça, e eu não encontrava o motivo. No fundo, algo me dizia que era pelo meu cabelo. Muita gente me chamava de ‘sararazinho’, e acho que foi uma defesa minha, de garoto, porque comecei a raspar a cabeça com 18, 19 anos. E cheguei a essa conclusão: de que raspei minha cabeça a vida inteira tentando não entrar nessa briga contra o racismo.”
O próprio Mano Brown disse então a Ronaldo: “Era o que a gente queria ouvir de você há 30 anos, quando estava no Cruzeiro”. E o ex-jogador respondeu, praticamente em tom de confissão: “Com essa consciência quando fui melhor do mundo, com o alcance que poderia ter, se tivesse comprado essa briga de verdade… Carrego essa frustração de não ter levantado esta bandeira antes”.
Faço minhas então as palavras de Mano Brown, em reação a essa declaração de Ronaldo: “Antes tarde do que nunca”.