A expectativa da participação brasileira na Copa do Mundo da Austrália e Nova Zelândia não era alta. Falar em título entrava mais na seara da torcida do que da análise técnica, na visão de quem acompanha de perto o ciclo de Pia Sundhage no comando da Seleção.
Não que o trabalho fosse de todo ruim, mas ainda não era condizente com a realidade apostar alto na competição na Oceania. Por uma série de circunstâncias.
Ainda assim, o empate por 0 a 0 com a Jamaica, nessa quarta-feira (2/8), em Melbourne, estava fora do script. Mais que isso: a eliminação no Mundial ainda na fase de grupos. Para os dois lados, foi histórico – a façanha das jamaicanas, que estavam apenas em sua segunda Copa, teve a proporção da decepção brasileira.
Foi o ponto mais baixo de uma trajetória que começou em 2019, quando a treinadora sueca assumiu o comando do Brasil com o objetivo de renovar o grupo. Ela chegou com a missão de fazer a transição de uma geração que se despediria de ícones como Formiga, Marta e Cristiane e, mais do que isso, de estruturar o futebol feminino de forma integral para que fosse possível estabelecer um padrão de jogo.
Tarefa nada fácil, é preciso reconhecer. Ainda mais em um país em que o apoio ao futebol feminino é tão incipiente. Era sabido que esse trabalho, em toda a sua profundidade, precisaria de tempo. Isso, contudo, não serve de escudo contra a frustração.
Esse sentimento existe e é compreensível, até porque muito dele tem a ver com escolhas de Pia no jogo contra a Jamaica. Mas é injusto (e a saída mais fácil) colocar o fracasso só na conta da treinadora sueca, como tem sido visto desde o fim da partida em Melbourne.
E aqui vale fazer o papel de “advogado do diabo”, contrariando a maré.
Algumas críticas dizem respeito à disciplina tática que ela tenta implementar na Seleção, que quase forçaria um “estilo europeu”. Isso não deixaria o talento natural das jogadoras aflorar, dizem.
Esse tipo de análise, porém, parece muito atrelado a parâmetros herdados do masculino – se entre os homens são argumentos que funcionam bem, no feminino talvez não seriam tão adequados.
Afinal, a construção do jogador brasileiro se difere muito do lastro das mulheres. Se no masculino foi criada uma linhagem de décadas baseada nessa habilidade individual, no feminino não existe esse indicador justamente por não haver uma cultura da prática desse esporte na infância. Até os anos 1980, era proibido que mulheres o jogassem.
O futebol masculino do Brasil foi referência para muitas escolas mundo afora, especialmente europeias. No feminino, essa lógica se inverte: somos nós que temos a aprender com as potências estrangeiras.
O futebol feminino existe no Brasil mais pela persistência e pela resistência de quem o pratica e apenas muito recentemente passou a atrair preocupações básicas, como estrutura, incentivo e investimento. Nesse cenário, ele se manteve praticamente de forma intuitiva no país.
Daí a importância de uma treinadora que, como Pia, que tem a visão de quem conhece o lado de lá. Esse movimento foi feito em outros esportes, que buscaram a excelência no exterior para aprimorar a modalidade no Brasil – a ginástica artística, por exemplo.
O momento é de tristeza e de críticas. Mas é preciso atenção para não invalidar a passagem de Pia Sundhage pela Seleção Brasileira.
Há etapas que precisam ser cumpridas para que a equipe chegue ao patamar esperado de forma consistente. A sueca pode ser um caminho importante ainda nessa jornada. Resta saber se terá apoio para isso.