A racionalidade costuma passar longe dos gramados de futebol. Muitas vezes, isso rende histórias bacanas. A paixão é ingrediente importante da essência do esporte, dentro e fora de campo. Mas não é o único. Esse mesmo sentimento também pode ser cruel. A face mais perturbadora dele é aquela que reside na crucificação após derrotas. Como se em um indivíduo se concentrassem todos os males do universo. Ao focar tanto em uma só pessoa, perde-se a visão do todo.
A mais recente vítima é o atacante Paulinho, alçado à condição de vilão por muitos depois da eliminação do Atlético para o Palmeiras, na Copa Libertadores. O único vilão.
Colocaram nos ombros do camisa 10 alvinegro todos os problemas de um time que tem, estruturalmente, muitos defeitos. Sobretudo coletivos. Esse reducionismo soa, mais do que injusto – sob a ótica do jogo coletivo que é o futebol -, conveniente.
Apontando o dedo para um único jogador esconde-se o que realmente precisa ser discutido diante do momento do Galo. Desvia-se o questionamento de escolhas que estão custando caro. E olha que não foi por falta de aviso, inclusive de pessoas que estavam dentro do clube até bem pouco tempo. Mas elas também (convenientemente) ganharam a alcunha de vilãs.
Concentrar as críticas de um esporte como o futebol em um único personagem é a saída mais fácil. No calor da emoção, muitos torcedores optam por esse caminho. A eles, até é permitido. O compromisso que têm é com o que estão sentindo no momento em que o árbitro apita.
A quem se propõe analisar futebol é esperado um olhar que ultrapasse a pura e simples passionalidade. Por mais ingrato que isso possa ser.
A queda do Atlético para o Palmeiras não se deu porque Paulinho errou uma das sete conclusões atleticanas na partida. A finalização errada do atacante foi uma de sete, importante frisar. Mas foi sobre ele que muitos depositaram sua frustração.
Mais do que mirar o chute errado de Paulinho, é preciso entender o contexto que levou a esse desfecho. E tem muito mais gente responsável antes de Paulinho nessa lista.
Para início de conversa, o Galo tem um problema crônico na temporada: a armação das jogadas. A transição da defesa para o ataque é lenta, descoordenada, parece mais resultado de intuição que de treinamento.
A saída de Nacho, no fim do ano passado, deixou um abismo no meio. E nada foi feito pela diretoria para preenchê-lo. Pelo menos, nada de bom.
Eduardo Coudet custou a conseguir uma engrenagem que funcionasse e, quando estava conseguindo… Foi abatido pelo “sincericídio”. Naquela entrevista que ainda está atravessada na garganta de muita gente, o treinador argentino fez um favor a quem queria enxergar o que estava errado. Colocou uma lupa, ao modo dele. Só faltou desenhar.
Coudet sentia, naquele momento, que o time não tinha consistência para brigar por títulos expressivos, como prometera quem o contratara. E estava certo. O alvinegro não tem.
Felipão no lugar de Coudet
Saiu Coudet e entrou Luiz Felipe Scolari, com o aval da estrela da companhia, Hulk, que cobriu o novo comandante de elogios e deu-lhe um afetuoso abraço na chegada. Um gesto de aprovação com a mudança.
Felipão tinha anunciado há algum tempo sua aposentadoria como técnico, dias antes dera entrevista dizendo que não treinaria equipe brasileira, mas subitamente mudou de ideia.
Decerto, Hulk não poderia imaginar que ele mesmo seria um dos mais afetados pelo Atlético que nascia com aquela decisão de Felipão.
O gaúcho é o contraponto de Coudet em muitos sentidos. Paizão, estilo protetor, para jogadores e diretoria. Chegou dizendo que o grupo era forte, não precisava de reforços.
Em sua reta inicial, 10 jogos sem vitória – e sem cobrança, segundo ele próprio afirmou.
Mesmo assim, Felipão fazia questão de exalar confiança no time, o que é até compreensível. Quem acompanhava o Galo (realisticamente) no entanto, sabia que o horizonte não estava tão bonito assim.
A profecia de Coudet, então, se concretizou. Nos dois jogos contra o Palmeiras, o Atlético foi dominado. Em nenhum momento, tanto no Mineirão quanto no Allianz Parque, deu impressão de que venceria. Não ameaçou, efetivamente, e foi efetivamente ameaçado. Contou com defesas de Everson, como sempre, para não sofrer derrotas elásticas, tanto em BH quanto em SP.
Aquele abismo no meio-campo está aberto novamente. Falta o cérebro do time. Foi nesse setor do campo que o Galo perdeu para o Palmeiras. Sem poder de criação, restou defender. Hulk e Paulinho isolados, distantes um do outro, dependendo de lances esporádicos para chegar perto do gol de Weverton.
É isso: os dois estão pagando um alto preço. Mas há olhos apenas para Paulinho.
Ao Atlético falta compactação. Criação. Troca de passes em velocidade, para abrir defesas. As chances criadas muitas vezes não passam de número. Chutes a gol que não fazem cócegas nos goleiros. O Galo é presa fácil.
Culpa só de Felipão? Claro que não. Muito menos de Paulinho. Apenas o limite do Atlético que está mais baixo do que o pregado por quem comanda o clube.
Coudet enxergou que seria assim. Fez muita gente enxergar. Não viu quem não quis.