Não é a primeira vez e, certamente, não será a última. Nesta quinta-feira (9/11), integrantes de uma torcida organizada do Cruzeiro foram até a Toca da Raposa II, segundo eles, “cobrar” melhor desempenho do time. Os protestos, no entanto, vieram na forma de ameaças. “Se não ganhar, isso aqui vai virar um inferno. E não é caô”, disse um deles.
Depois, em uma carta nas redes sociais, essa torcida disse que foi para a porta do CT celeste para tentar ter “um diálogo com alguns atletas e o treinador”. Se começou errado, com a abordagem agressiva na porta da Toca, as palavras deram dimensão ainda pior ao episódio.
Em outro trecho, escreveu que inúmeros protestos e movimentos de apoio ao longo do ano não surtiram efeito. Com tom mais intimidador, avisou que de agora em diante será “diferente”. “Sábado é ganhar ou ganhar! A cobrança agora será pessoal… Não tem essa de protesto em porta de CT, vamos cobrar na porta de casa, na saída do filho na escola, no passeio no shopping ou restaurante, a cada um que em campo não honrar as cores do Cruzeiro Esporte Clube!”.
É aterrorizante para alguém que não está ligado diretamente ao dia a dia do clube ler isso e imaginar tais cenas. Agora, pensa como devem estar se sentindo os atletas envolvidos e a família deles. Que forma de incentivo é essa? De que maneira esses integrantes de organizada acreditam que estão motivando o time? De onde tiraram que esse terror psicológico será estímulo para o Cruzeiro derrotar o Coritiba neste sábado, no Couto Pereira? De manuais da Ditadura?
A tática de “ou joga por amor, ou joga por terror” nunca resolveu nada em tempo algum. Nunca salvou time de rebaixamento, nem garantiu título.
É absurdo que essas pessoas se sintam no direito de chantagear, dizendo com a maior naturalidade do mundo que vão a escolas dos filhos dos jogadores, a shoppings e restaurantes, para acuar atletas e suas famílias. Como se o posto de torcedores lhes garantisse algum tipo de licença para aplicar toda sorte de corretivo em quem não faz o que eles esperam.
Quem instiga essa violência, com discursos inflamados – sejam dirigentes, representantes da imprensa ou influenciadores –, também tem parcela de culpa. É preciso saber analisar futebol, criticar equipes por fases ruins, sem que a passionalidade descambe para a irracionalidade, ou imbecilidade até. Opiniões bélicas, que pregam o ódio, ajudam a gerar esse clima, que as organizadas levam às últimas consequências. Palavras hostis só colocam gasolina na fogueira.
Nada justifica tal atitude. Nenhum resultado ruim em campo. Nenhum risco de descenso. Não é direito de torcedor ameaçar partir para a agressão com nenhum personagem do futebol.
Porta aberta pelos clubes
Muito disso vem, ironicamente, de anos de conivência dos próprios clubes. Foram eles que levaram para dentro dos CTs integrantes das organizadas. Até de apresentação de jogadores eles já participaram, sem contar festividades, entrevistas coletivas, viagens, entre outras regalias que não são concedidas a torcedores, digamos assim, comuns.
Esse limite foi ultrapassado há muito tempo. Por isso, volta e meia essas pessoas se investem de representantes de uma nação – sem receber aval dos principais interessados – para engrossar a voz e ameaçar.
Torcedor, de nenhuma “patente”, solo ou associado, não tem de cobrar a entrada em CT para “dialogar” com jogador ou treinador em momento algum.
Lugar de cobrar time é no estádio. Na arquibancada. Em qualquer clube, qualquer esporte. Ameaça é crime previsto no Código Penal, e quem a comete deve ser responsabilizado. Aviso aos navegantes: pode levar até a detenção, de um a seis meses.