COLUNA TIRO LIVRE

Stock car em BH: herança não pode ser destruição

A prova de stock car até poderia ser disputada na Pampulha, mas ciente de que é coadjuvante daquele cenário, não protagonista

Esporte, geralmente, é associado a saúde, práticas positivas para a vida em geral. Até que uma linha é cruzada: aquela que separa o espírito de fato esportivo da insensibilidade comercial. E isso é visto em várias vertentes, dentro e fora de quadras, campos, piscinas, etc. Quando um esporte, qualquer que seja ele, extrapola as seções esportivas na imprensa e rompe os limites da relação com o torcedor/espectador, pode saber que boa coisa não é. Um desses exemplos são as cenas opressivas de cortes das árvores na Pampulha, para abrir caminho para uma prova de Stock car, que será sediada em Belo Horizonte, em agosto.

As chocantes imagens de árvores jogadas ao chão, no entorno do Mineirão, geraram uma reação da sociedade em geral. Ambientalistas, políticos, moradores da região se mobilizando para tentar evitar um mal maior. E as vozes do esporte não podem se calar neste momento.

São sempre muito bem-vindos eventos de toda e qualquer modalidade a BH. Trazem receita, mexem com o público, dão visibilidade à capital mineira e aos profissionais envolvidos. Obviamente, demandam investimento, e parte desse montante acaba saindo de cofres públicos.

Contudo, é preciso que tudo isso seja feito de tal forma que traga benefícios à cidade e seus cidadãos. Não um rastro de destruição. É necessário haver uma simbiose, um acerto que seja bom para os dois lados.

O esporte, por essência, precisa ser complementar a boas condutas. Espera-se isso dele – e não se aplica apenas ao que ocorre durante uma disputa. O antes e o depois são igualmente (ou por vezes até mais) importantes. Em competições de grande porte, como Jogos Olímpicos e Copa do Mundo, o legado é tão relevante quanto os ganhadores de medalhas. O que fica depois de findada a festa vale tanto quanto a emoção dos vencedores.

No Brasil, sabemos que foram poucas as boas lembranças que se traduziram em infraestrutura para a população após o Mundial de futebol, em 2014, e a Olimpíada do Rio, em 2016. Os dois eventos deixaram recordações de momentos lindos, marcaram a vida de muitos atletas. Quem viveu aquilo tem registrado na memória lances que despertam satisfação. Porém, a contrapartida não esteve exatamente à altura.

É justamente nessa contramão que está a organização da Stock car em Belo Horizonte. Destruir árvores não se justifica em hipótese alguma, ainda que sob o argumento de que tantas outras serão plantadas. Deixa de ser uma discussão esportiva e entra na seara da coletividade.

Em tempos de tanto debate sobre os efeitos do aquecimento global, de tantas consequências já nefastas vividas no planeta, é inadmissível que qualquer estrutura para a disputa da Stock car envolva descaso com o meio ambiente.

Fotos da Pampulha

Não por acaso, uma montagem de fotos com um antes e depois daquela região da Pampulha, especificamente, viralizou nas redes sociais. Imagens aéreas mostram o antigo Mineirão, com seu entorno arborizado, e o atual estádio, cercado de concreto por todo lado. Quem viveu o Gigante da Pampulha pré-reforma para a Copa de 2014 não consegue passar indiferente.

A modernização das arenas não deveria vir com projetos áridos. Além de qualquer discussão ambiental, é esteticamente deplorável. Não tem como não olhar para as fotos do Mineirão antigo e não ser saudosista. Quem desfrutou daquele ambiente sabe o que isso significa, sente o tamanho da perda ao ver um estádio monocromático, dominado pelo cinza.

E é nesse contexto já desfavorável que entra a Stock car. Ela até poderia ser disputada na Pampulha, mas ciente de que é coadjuvante daquele cenário, não protagonista. As prioridades não podem ser invertidas. É a corrida que tem de se adaptar à cidade, não o contrário. Afinal, após a bandeirada na linha de chegada, eles se vão, e nós ficaremos.

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