TIRO LIVRE

De Gamarra ao presidente da Conmebol: por que o racismo persiste

Foi especialmente constrangedor – mais do que isso, perturbador – ver a reação do ex-zagueiro Gamarra à situação vivida por Luigi

A Conmebol convocou, para uma reunião na próxima quinta-feira (27/3), representantes de governos e confederações de futebol dos países associados. Segundo a entidade que comanda o futebol sul-americano, será um encontro para debater os últimos casos de racismo, discriminação e violência nos campos. Difícil acreditar que sairá de lá algo que de fato puna, severamente, quem comete atos preconceituosos. Uma medida radical, que tenha efeito didático. O que tem sido feito é inócuo – mas não é difícil entender o motivo.

O racismo está introjetado na mente de muitas pessoas. É naturalizado e justificado ora como mera brincadeira, ora como frase mal colocada ou mal-interpretada. No meio do futebol, a relação é nociva. Para o negro, para o homossexual, para as mulheres. Um ambiente tóxico, cruel, que brinca com a dor alheia.

É impossível ficar indiferente ao choro e às palavras de Luighi, jogador do Palmeiras alvo de racismo em jogo da Copa Libertadores Sub-20 há pouco mais de 10 dias. Mas houve quem relativizasse, ironizasse até, a angústia dele.

Foi especialmente constrangedor – mais do que isso, perturbador – ver a reação do ex-zagueiro Gamarra à situação vivida por Luighi. Um dos maiores jogadores da história do futebol paraguaio, líder de uma geração que encantou, Gamarra foi referência nos campos nos anos 1990/2000.

Ídolo do Corinthians, pelo qual foi campeão brasileiro em 1998, e eleito o melhor defensor da Copa do Mundo de 1998, na França, ele provou, aos 54 anos, que a admiração deve se limitar ao talento que mostrava com a bola nos pés.

Ao repercutir o caso de racismo sofrido por Luighi com comentaristas na Rádio Ñandutí, de Assunção, nesta semana, Gamarra desdenhou do choro de Luighi. Disse que o jovem representa uma “geração muito sensível” e ainda questionou o caráter do brasileiro: “Eu vi as imagens, houve uma provocação do jogador e uma reação lógica do torcedor. Para jogar futebol, você tem que ter caráter. Não dá para chorar porque fizeram um gesto para você. É uma geração muito sensível”.

Ele ainda recorreu aos tempos em que atuou no futebol brasileiro para justificar: “Sempre tive companheiros de equipe negros no Brasil e eles nunca saíam do campo chorando porque eram xingados. Nós mesmos os chamávamos de ‘negão’ e não acontecia nada, era normal”.

Gamarra não falou tudo isso brincando. Não havia tom de deboche na opinião dele. Nem tampouco foi mal-interpretado. O ex-zagueiro realmente pensa dessa forma, normaliza situações de racismo no futebol. Não é o único.

A comparar uma Libertadores sem clubes brasileiros a “Tarzan sem Chita”, o presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, seguiu o mesmo caminho, da naturalização. Não tivesse a declaração repercutido tanto no Brasil, ele certamente não se daria ao trabalho de pedir desculpas.

Paraguaio como Gamarra, Domínguez apenas expressou algo que, para ele, é inofensivo – e assim é construído um pensamento racista, menosprezando a forma como aquilo atinge alguém.

O presidente do uruguaio Peñarol, Ignacio Ruglio, foi mais um. Em entrevista ao programa ‘Minuto 1‘, revelou que clubes de Paraguai, Uruguai e Argentina vão se unir para cobrar da entidade sul-americana melhores condições de segurança para os jogos contra times do Brasil.

E ainda chamou as reclamações de brasileiros contra atos racistas de “drama”: “O que acontece é que eles (os brasileiros) te matam, fazem o que querem com você, e aí acontece isso. Fazem um gesto e já é um drama. Um mínimo gesto, que não deveria ser feito, mas um pequeno gesto feito no Brasil vira um drama. Mas eles te espancam, te deixam preso por quatro meses e nada acontece. Depois, se um torcedor está lá e faz um gesto racial, o que é errado, é um drama total”.

Há muita gente pensando como Gamarra, como Domínguez, como Ruglio. Tendo a certeza de que estão do lado certo da história. Torcedores, dirigentes, jogadores, jornalistas… Na América do Sul, do Norte, na Europa… Não são casos isolados. Por isso é tão difícil esperar alguma ação concreta do encontro que a Conmebol organizará na semana que vem para tratar desse tipo de fato. Deverá ser mais uma leva de pronunciamentos (falsa e) politicamente corretos e nenhuma medida efetiva.

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