TIRO LIVRE

A SAF do Atlético despertou um monstro que passou 20 anos adormecido

A dívida, antes milionária, ganhou contornos bilionários. De assustar até os próprios bilionários que ajudaram a majorá-la

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Dívida assustadora, salários atrasados, falta de capital para investimento, preocupação concreta com a subsistência do clube. Esse cenário que descreve o Atlético atual poderia ser mero retrato na parede. Tão somente lembranças de tempos sombrios, vividos pelo alvinegro lá pelo final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Um fantasma que, muitos acreditavam, estava exorcizado.

As novas gerações de torcedores talvez tenham ouvido pouco sobre aquela época. Afinal, cresceram vendo o time campeão da Copa Libertadores, batendo arquirrivais em sequência na Copa do Brasil, contratando jogadores do naipe de Hulk e empilhando conquistas em uma única temporada.

De 2013 até 2021, o Atlético viveu uma espécie de realidade paralela, quase uma fábula – se comparado ao passado. Aquela paixão forjada no sofrimento mudou de cara: o atleticano, que antes torcia contra o vento, viu o tempo virar. O vento se transformou até em aliado.

As conquistas traziam otimismo, autoestima e, supunha-se, dinheiro. Vislumbrou-se um círculo virtuoso: conquistas trariam receitas, que poderiam ser revertidas em reforços de peso, que serviriam de alicerce para mais títulos e, a reboque, mais premiações. Essa conta, idílica, fechava.

Mas a dívida já era grande e nunca foi gerida de forma a ser resolvida. Sempre foi empurrada. Anos a fio. Sob o argumento da reorganização monetária, um importante ativo foi vendido: o shopping Diamond Mall. Não chegou nem perto de resolver a vida financeira do Galo.

Em julho de 2023, veio a transformação em Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e com ela promessas. De gestão eficiente, receitas, reforços de peso, conquistas, estádio… Bem, dessa lista, só esse último se confirmou até agora.

Pior: a dívida, antes milionária, ganhou contornos bilionários. De assustar até os próprios bilionários que ajudaram a majorá-la. Não é por acaso: quem está à frente do clube agora tem, por lei, de se responsabilizar administrativamente por seus atos. Aqui está a grande diferença para aquele passado tenebroso, de dívidas e atrasos de salários citados no início desta coluna.

Naquela época, os clubes se enquadravam como associações sem fins lucrativos. Os gestores iam e vinham sem que pagassem pelo rombo deixado para trás.

Foi num momento desses que testemunhei uma das cenas mais tristes da carreira de jornalista. Lá pelos idos de 2003, funcionários catavam mangas das árvores na Cidade do Galo para levar para casa. Sem salários, tinham dificuldade até para garantir a alimentação de seus familiares. Vez por outra alguns jogadores, de melhor condição financeira, se reuniam e compravam cestas básicas para distribuir entre os empregados do CT.

A fase, terrível, perdurou por muito tempo. Em 2005, com o time alvinegro às voltas com a ameaça de rebaixamento (que acabou por se concretizar ao final da temporada), os jogadores anunciaram greve pelo atraso de dois meses nos salários. Eles treinaram pela manhã e decidiram abandonar a atividade da tarde, como protesto.

A decisão foi comunicada por uma comissão formada pelos atacantes Marques e Euller, o armador Rodrigo Fabri e o goleiro Danrlei. No dia seguinte, com a quitação dos vencimentos, todos retomaram os trabalhos.

Duas décadas depois, o Atlético se vê encarcerado novamente nesse cenário ameaçador. Como se os ponteiros do relógio tivessem retrocedido e despertado monstros antes adormecidos. Com a SAF, o clube não só não resolveu seus problemas como parece ter se transformado em um buraco sem fundo.


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