DA ARQUIBANCADA

Fred Melo Paiva: A SAF do Galo é um ‘case’ para o futuro

Se bem executado, é golpe de mestre. Você quebra e, de quebra, vira ídolo e ganha musculatura como força política

Pode pesquisar: eu cantei a bola, pelo óbvio ululante que o cenário estava a demonstrar. Primeiro vão sucatear, depois vão comprar na baixa – o clássico modelo de privatização da coisa pública pela força da grana que a tudo abocanha.

A nova SAF do Galo, a se confirmar a composição de sua propriedade, é a mais nova atualização da cartilha de compra e venda dos liberais sem nenhum pudor. Ela se inscreverá como “case” a ser estudado no futuro quando se quiser compreender a voracidade e a sagacidade dos operadores do dinheiro farto. Sucateia, bota pra vender – e você mesmo que fez o preço vai lá e compra.

Antes, ao sucatear uma empresa pública de energia elétrica, por exemplo, o pobre do consumidor ficava sem luz – e passava maus bocados até que se apresentasse o salvador da pátria capaz de arrematá-la no leilão. No caso do Galo, redescobriu-se a pólvora: era possível sucatear fazendo um estádio novo e um time campeão.

Quando o próprio processo de sucateamento leva a se atingir metas pra lá de vitoriosas, não há ônus pessoal ao sucateador, o que na antiga cartilha talvez servisse de freio e contrapeso ao tamanho da destruição. Agora, pelo contrário, o destruidor pode usufruir das benesses pessoais, sociais e políticas advindas do aniquilamento. Se bem executado, é golpe de mestre. Você quebra e, de quebra, vira ídolo e ganha musculatura como força política, um círculo virtuoso que torna ainda mais viável seu objetivo final.

A nova SAF do Galo, se concretizada, não deixa ponto sem nó. Veja o caso do estádio. Seu terreno seria inviável para o simples loteamento e construção de prédios de apartamentos. Liberar uma área verde daquele tamanho, com nascente de água e pássaros em extinção, só seria possível graças ao interesse social da obra. Tal terreno foi “doado” ao estádio do time da cidade. Concluído, será agora entregue ao doador, ao mesmo tempo o vendedor e o comprador do clube do qual se era tão somente “mecenas”. Se os mecenas de Michelangelo fossem os mecenas do Galo, teriam terminado donos do Vaticano e da Igreja Católica.

O estádio foi vendido ao Conselho Deliberativo como obra assegurada contra quaisquer contratempos que pudessem encarecê-la. Quando encareceu não havia seguro – e nem Conselho, aparelhado que foi. Aproveitou-se para mais uma jogada de mestre: jogou-se a conta no colo do desafeto político, cuja política não era a mais vantajosa para os negócios diversos dos futuros donos do time, também donos, agora, de parte da imprensa. Não há fio que se tenha deixado desencapado nessa história. É um plano perfeito, executado com maestria.

O jornalista Rodrigo Capelo, especialista em finanças de clubes, cunhou a melhor imagem sobre a SAF do Galo. O vendedor sentou-se à mesa com números e papéis. Fez sua propaganda, botou o preço, apresentou a proposta. Tendo terminado a exposição, levantou-se, deu a volta na mesa e sentou-se de novo, agora na condição de comprador: “Eu aceito”. Podia estar no XVideos, de tão obsceno.

É um filme pornográfico em que, ao final, a gente levanta e aplaude, como se fosse uma ópera: “Pelo menos são atleticanos, melhor assim”. De fato. Peter Grave, o Peter Túmulo, sempre me pareceu uma opção um tanto funesta, ainda mais que o sujeito só tinha uma única foto, e era impossível saber se aquilo era o avatar de alguém mais ou apenas a estranha figura do homem de uma foto só.

É melhor aplaudir, ou o que faremos? Torcer para a Fórmula 1? Basquete? Pular do viaduto de cabeça lá embaixo? Melhor que sejam atleticanos! Foi um plano tão perfeito, que eu sou capaz de escrever essa coluna e ao final dizer, de coração: muito obrigado, pessoal, vocês salvaram a pátria.

A bem da verdade, tamanha maestria me faz pensar que não será de todo inesperado se daqui 30 ou 50 anos tivermos nos transformado numa incrível holding internacional. Não haverá mais Flamengo nem Corinthians, mas o Clube de Regatas do Galo e o Sport Clube Atlético Paulista, nossas filiais. “O mineiro vende queijos e possui bancos”, como diz o outro.

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