Nada como o tempo para clarear as ideias, mudar caminhos – ou mostrar que é melhor mantê-los. De alguma forma, acaba colocando as coisas no lugar. Há pouco mais de quatro meses, o atacante Hulk falava em deixar o Brasil e, por tabela, o Atlético. Nesta quinta-feira (22/2), o clube anunciou a renovação antecipada de contrato com o atacante, que ficará no Galo por mais três anos.
O vínculo do capitão alvinegro, que ia até dezembro, agora vai até o fim de 2026. Hoje, aos 37 anos, Hulk é um jogador com relação custo x benefício favorável ao clube. Da maneira como se cuida (e o fato de ser um dos que menos desfalcam o time mostra isso), deve chegar aos 40 com fôlego e físico mais em dia que muito jovem na casa dos 20.
A razão para isso está no profissionalismo. É nítido que Hulk sabe que o trabalho dele depende do bom funcionamento do corpo. E jogadores assim, que levam o ofício de atleta a sério, prolongam a carreira mais do que outros, que são até mais craques, mas abdicam da disciplina para curtir a vida. São escolhas, e cada qual sabe de seu cada um.
Há alguns dias, o belga Hazard, em entrevista ao jornal francês L’Equipe, disse que nunca poderia ter tido uma carreira como a Cristiano Ronaldo. “Ficar uma hora em banho gelado depois de um treino? Não. (Preferia) ficar em paz, com os meus amigos, jogando cartas e bebendo uma cerveja. A minha recuperação era brincar com os meus filhos no jardim durante duas horas. Se tivesse sido como o Cristiano Ronaldo, que é o exemplo de um bom futebolista, teria ‘burnout’”, afirmou.
Ele pendurou as chuteiras com apenas 32 anos e muito talento. E se justificou: “Não digo que abusava da comida. Não ia ao McDonald’s todos os dias. Ninguém aguenta 16 anos como profissional assim. Não dei importância, simplesmente. Gostava de comer e de beber com os amigos. As dietas são inúteis a não ser que queira jogar até aos 40 anos. Sabia que não seria o meu caso”.
É justamente a determinação em cuidar do corpo que faz Hulk ter vida tão longeva nos campos e se destacar no futebol brasileiro. Arrancar com a bola e deixar zagueiros para trás. Enxergar o jogo antes dos adversários. Ter potência no chute e também técnica para lances mais refinados. Nessa relação, faz da bola parceira.
Decerto exige sacrifícios – que jogadores como Hazard não estão dispostos a seguir. Quando alguém deixa de sentir prazer, orgulho no que faz, o menor esforço se torna maçante. Já quando a pessoa faz o que gosta, algumas renúncias não a incomodam. E ao que parece o futebol ainda confere satisfação a Hulk.
A renovação de Hulk
Isso não quer dizer que ele não viva seus dissabores com a profissão. E foi num desses dias que acenou com uma despedida ao Atlético. Em 4 de novembro de 2023, não aceitou a expulsão no empate por 1 a 1 com o América, pelo Campeonato Brasileiro. Ao sair de campo, reclamou da arbitragem e completou: “Eu estou cansado. Do Brasil, eu estou cansado. Mais um mês aqui e vou embora”.
Pois o salto no tempo nos traz a 22 de fevereiro de 2024. Exatos 110 dias depois, o tom de adeus virou juras de amor (eterno?).
“Deus me colocou no clube certo, na cidade certa, no momento certo. Só tenho que agradecer. Hoje, não sou um jogador do Galo. Eu me sinto membro da família, torcedor. Foi uma das melhores decisões que tomei. Muito feliz no Atlético, muito bem recebido. Hoje, sou atleticano doente. Torço mesmo. Mesmo quando não estou jogando, torço, visto a camisa, porque é um clube que me recebeu muito bem e a toda a minha família. Sou muito grato por todo esse carinho”, disse, ao comentar a prorrogação do contrato.
Com 99 gols em 178 jogos pelo clube, é o segundo maior artilheiro alvinegro no século e o 20º na história. Tem seis títulos com a camisa preto e branca: três Campeonatos Mineiros (2021, 2022 e 2023), uma Copa do Brasil (2021), um Campeonato Brasileiro (2021) e uma Supercopa do Brasil. Currículo de fazer inveja.
Neste sábado, contra o América, Hulk pode marcar seu centésimo gol pelo clube. Na história do Atlético ele já está, nem precisava de mais esse carimbo para atestar. Ainda há mais capítulos a serem escritos, contudo. A verdade é que o que vier, daqui pra frente, é lucro – inclusive o financeiro. E que seja assim para os dois lados.