COLUNA TIRO LIVRE

Manual para o Dia da Mulher no esporte

Tão importante quanto destruir rótulos é oferecer às mulheres as mesmas oportunidades concedidas aos homens, inclusive no meio esportivo

O título desta coluna pode parecer pretensioso demais. E de fato o é. Ditar regras não costuma ser o objeto deste espaço e, sim, analisá-las. Por vezes, contestá-las. Mas calhou de a coluna Tiro Livre ser publicada justamente neste 8 de março, e toda vez que o calendário alcança essa data, já sabe. Felicitações de todo lado e pouca ação para que, realmente, as mulheres tenham um bom dia. No esporte, isso é gritante.

Então, vamos trazer aqui um serviço de utilidade pública. Indicar caminhos que poderiam ser seguidos, no meio esportivo, para demonstrar que existe uma intenção genuína quando se deseja um feliz dia a todas.

Para começo de conversa, é preciso parar de objetificar mulheres. Isso é a raiz de vários problemas, e muitos deles desembocam na violência. É primordial tratar o assunto com a seriedade que ele merece, cobrar que agentes esportivos que cometam crimes contra mulheres sejam punidos por seus atos. Parar de protegê-los, dando-lhes a salvaguarda da idolatria.

Lembrem-se também: mulheres não querem ser definidas sob a ótica da aparência. Em vez disso, direcionem o olhar para a função que desempenham. Sabe aquele papo de musa? Esquece! Características físicas são secundárias, e isso vale para dirigentes, atletas, treinadoras, jornalistas e todas mais envolvidas nesse meio.

Por trás de cada uma delas há um caminho de intensa luta pela legitimação de sua voz. Há muito preparo, muito estudo, muita resiliência. Para se fazer presente, é necessário batalhar dobrado pelo espaço, podem acreditar.

Basta acompanhar as redes sociais de quem trabalha com esporte para ver como as críticas se vestem de preconceito nas referências às mulheres. A elas não é dado o direito de errar. E mesmo quando não erram, mas fazem algo diferente da expectativa criada sobre elas, são depreciadas pelo fato de serem mulheres. Como se não merecessem estar ali.

É premente também parar de atrelar mulheres a homens para atestar a capacidade delas. Muitas vezes, isso aparece na forma de pretenso elogio. Quantas vezes já qualificaram Marta como ‘a Pelé de saias’, sendo que Marta já se basta pelo que ela é? Marta não precisa (não deveria, pelo menos) ter seu talento validado por nenhuma comparação. Precisa é ser reconhecida por seus feitos – e são muitos.

Presidente do Palmeiras, Leila Pereira é outro exemplo na atualidade. Caso raro de dirigente no machista meio do futebol, volta e meia é desafiada (geralmente por homens) a comprovar que tem capacidade de ocupar aquela cadeira. E o faz com elegância, diga-se de passagem, além da firmeza que o contexto exige.

Desigualdade no meio esportivo

Tão importante quanto destruir rótulos é oferecer às mulheres as mesmas oportunidades concedidas aos homens. Equiparação de tratamento e de direitos. No universo do esporte, ainda há um abismo a separar os gêneros. A desigualdade grita em forma de estrutura, remuneração, visibilidade e por aí vai.

Na última edição da Copa do Mundo feminina, a Fifa distribuiu US$ 150 milhões de premiação entre as seleções, menos da metade do que foi pago no Mundial masculino: US$ 440 milhões. E não adianta vir com o papo de que comercialmente o futebol masculino é mais lucrativo. Esse debate raso assim só serve para alimentar mais um ciclo vicioso que tem de ser quebrado.

Tal diferença precisa ser analisada como consequência de fatores históricos, culturais e sociológicos. Mulheres já foram proibidas de praticar esporte, frequentar estádios. Para fazer valer o simples direito de ir e vir, tiveram de enfrentar tudo e todos.

Há mais de duas décadas trabalhando com jornalismo esportivo, já percebi algumas mudanças. Poucas, é verdade. O processo é lento, mas vem caminhando. O principal efeito é a forma como as mulheres, hoje, conseguem ser um pouco mais ouvidas. Isso não é fortuito. Vem da possibilidade cada vez maior de mobilização. Uma se torna muitas. Aquilo que chamam de “mimimi” nada mais é que reação em cadeia para a defesa da causa.

Ainda é pouco. É preciso falar mais. Reclamar mais. Cobrar mais. Contar também com homens nessa jornada. Ter consciência de que ela é longa, contudo, cada passo é determinante para se alcançar uma conscientização que será benéfica para todos.

A briga pela conquista de respeito exige coragem. Não é fácil e, por vezes, cansa. Mas é válida, e para se chegar a essa conclusão, basta olharmos tudo o que já foi superado. Cada pequeno avanço é gratificante. Até que o horizonte aponte um Dia das Mulheres que não tenha de simbolizar apenas luta.

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