COLUNA TIRO LIVRE

Maguila: o ‘homenzarrão’ cativante que fez muita gente gostar de boxe

Maguila carregava uma doçura que parecia incompatível com o esporte que abraçara; ele morreu nesta quinta-feira (24/10), aos 66 anos

Adílson “Maguila” Rodrigues. A voz inconfundível de Luciano do Valle anunciava a subida ao ringue daquele homenzarrão, cujo carisma era proporcional ao tamanho. Não é exagero dizer que o Brasil parava. Mesmo quem não gostava tanto de boxe acabava cooptado pelo carisma e talento – dos dois. Foi assim que muita gente, nos anos 1980 e 1990, se familiarizou com termos como nocaute, cruzado, jabs, diretos. Golpes que determinariam o presente e o futuro do pugilista sergipano, morto nesta quinta-feira (24/10), aos 66 anos.

Quem não acompanhou essa fase da tevê brasileira e hoje o vê apenas por fotos talvez não compreenda esse sentimento de conexão que Maguila alimentou em quem o viu no auge. É um daqueles personagens que transcendem o âmbito esportivo.

O porte físico, a cara fechada e a sede em derrubar adversários se desfaziam em questão de segundos em quase todas as entrevistas. Ele começava a falar e exalava simpatia. Carregava uma doçura que parecia incompatível com o esporte que abraçara. O sotaque, forte, era marca registrada.

Hoje, na internet, é possível assistir, a qualquer tempo, a momentos marcantes da carreira dele, que venceu 61 de suas 85 lutas por nocaute. No cartel estão 77 vitórias, sete derrotas e um empate técnico. Confrontos com astros do boxe mundial como Evander Holyfield e George Foreman. São imagens que ajudam a entender como ele se tornou uma lenda dos ringues.

Também é fácil encontrar registros de entrevistas que expressam como era Maguila na essência. Essa é a parte que explica a comoção que a morte dele causou. Essa junção do atleta e do homem ajuda a mostrar por que ele era tão cativante.

Era difícil que não arrancasse risadas de quem o entrevistava e o assistia. Não que Maguila forçasse ser engraçado. Longe disso. Ele não era piadista. Era, contudo, genuíno, sem filtros, ingênuo até.

Uma dessas passagens é a participação dele no programa Provocações, do também saudoso Antônio Abujamra. Maguila conta sobre o dia em que se encontrou com aquele que apontava como o maior ídolo, Muhammad Ali.

“Sempre fui fã do Cassius Clay, o Muhammad. Quando eu o encontrei nos EUA, que o abracei, ele me abraçou, a alegria foi tanta que deu uma ‘caganeira’, uma disenteria. Foi de emoção, nunca esperava ver um homem daquele”, disse.

Em outra entrevista, ao ser perguntado sobre homossexualidade, surpreendeu quem esperava uma resposta machista. A seu modo, deu exemplo de sabedoria quando a palavra inclusão ainda não aparecia como bandeira da diversidade, pregando o respeito e discordando de um pastor que se posicionara contra: “Quando Deus põe o filho dele na Terra, todos nós temos um destino, Deus que fez ele assim. A gente não pode ser contra”.

Os dois trechos estão, entre outros, presentes na página oficial de Maguila que a família mantém no Instagram.

Os golpes em Maguila

Maguila foi forjado na dificuldade. Foi ajudante de pedreiro antes de encontrar a redenção no esporte. Volta e meia falava de quando passou fome. Desde novo, aprendeu o que era lutar. E levou isso para a vida profissional.

Em 2000, aos 41 anos, pendurou as luvas, após ser nocauteado por Daniel Frank. Em 2013, os golpes que levou nos ringues cobraram seu preço. Ele foi diagnosticado com encefalopatia traumática crônica, também chamada de demência pugilística. É uma doença neurodegenerativa e irreversível, causada por pancadas na cabeça.

Em 2018, ele anunciou que, ao lado da família, havia tomado a decisão de doar o cérebro para a Universidade de São Paulo (USP), depois que morresse. O órgão será estudado por uma equipe da instituição, que avalia as consequências de impactos repetidos na cabeça de esportistas de modo a buscar medidas de prevenção.

Maguila era assim, um gigante em vida. E continuará sendo depois de sua partida.

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