FUTEBOL FEMININO

Jogadoras de futebol feminino no Brasil têm saúde em risco, alertam especialistas

Mudanças climáticas pioram cenário ao qual jogadoras do futebol feminino estão expostas; câncer de pele é uma das preocupações

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No fim de novembro, enquanto líderes mundiais e especialistas de diferentes áreas se reuniam na COP30, em Belém, para discutir formas de combater as mudanças climáticas que ameaçam o futuro do planeta, Cruzeiro e América entraram em campo, na Arena Gregorão, em Contagem, para a disputa da finalíssima do Campeonato Mineiro Feminino. A decisão, assim como a maioria dos jogos do Estadual, ocorreu às 15h.

Em um cenário no qual ondas de calor e seca têm sido cada vez mais frequentes, médicos, meteorologistas e jogadoras apontam em uma mesma direção: as mulheres jogam em horários prejudiciais à saúde e ao alto rendimento. A seguir, o No Ataque detalha o cenário.

No Mineiro, jogos às 15h foram maioria

O Campeonato Mineiro Feminino, vencido pelo Cruzeiro, foi disputado entre setembro e novembro deste ano. Das 21 partidas, 17 começaram às 15h.

Houve ainda dois jogos às 10h, um às 11h e somente um à noite: às 21h40.

Quais são os problemas?

Rafaella Costa, mestre em infectologia e medicina tropical pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora de dermatologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), aponta os diferentes riscos aos quais as jogadoras estão expostas.

“Quando pensamos em índice de radiação ultravioleta, temos dois tipos: UVB e UVA. Ambas são danosas à pele. A UVB tem uma piora das 10h às 15h, quando ela está no auge – o índice é aumentado ainda mais às 12h. E temos a UVA, que é uma radiação constante. Ela começa desde o início do dia e vai até o fim da tarde. Seria das 9h às 16h. Nos jogos às 15h, pegamos o final do pico do UVB e ainda estamos com bastante radiação UVA. São horários ruins do ponto de vista de saúde da pele”, afirma.

“A curto prazo, pensamos no sentido de queimadura solar, desidratação e bronzeamento muito intenso. Doenças como o melasma podem piorar muito com essa exposição solar intensa. A longo prazo, temos de lembrar do câncer de pele. Essa exposição aumenta o risco de carcinoma basocelular (CBC), de carcinoma espinocelular (CEC) e de melanoma, que é um câncer de pele muito grave”

Rafaella Costa, médica

Há formas de minimizar os riscos, aponta a dermatologista: “O ideal é usar protetor solar todos os dias, mesmo que pensemos que não estamos tão expostos ao sol, porque a radiação atravessa nuvens. Pensando nas jogadoras, que têm essa exposição direta, tem de haver uma reaplicação da proteção no intervalo das partidas”.

“Pacientes que vão praticar esportes têm que usar protetores solares sensíveis ao suor. O Fator de Proteção Solar (FPS) diminui por causa da transpiração, e as gotículas de suor podem piorar a questão de dermatites. Há desidratação da pele por causa da perda de água no suor. A hidratação de fora para dentro é superimportante. (Tem que) tomar muita água. E após os jogos hidratar bastante a pele – por ter uma perda transepidérmica de água, a pele se torna mais ressecada”, acrescentou.

Qual seria o horário ideal?

“Se os jogos pudessem ser pelo menos após às 16h, lá para às 18h (seria o ideal). Ou à noite, quando a radiação ultravioleta é zero. Elas não teriam a preocupação de ter um câncer de pele ou piora de algumas condições que causam hiperpigmentação da pele. Os demais cuidados, como hidratação – passar hidratante na pele e se hidratar oralmente -, também são recomendados.”

Rafaella Costa

O que pensam as jogadoras?

A análise científica de Rafaella não se distancia do conhecimento empírico das jogadoras de futebol feminino. Ao No Ataque e outros veículos, a goleira Camila Alves, do Cruzeiro, e a atacante Gabi Zanotti, do Corinthians, expuseram o desejo de jogar em horários nos quais a exposição solar é baixa ou inexistente.

“É uma coisa que pode ser conversada e melhor alinhada futuramente, porque jogar em um horário de 10h ou 14h nos cansa ainda mais. Futuramente pode ser melhor alinhado para que tenhamos um desempenho melhor”, pontuou Camila.

Já Gabi Zanotti afirmou que esse é um problema discutido de forma recorrente dentro do Corinthians e pediu união entre as equipes que disputam o Campeonato Brasileiro para que a situação seja solucionada.

“Estou há alguns anos no Corinthians e sempre lutamos por melhores horários, mas a resposta que sempre recebemos é que os horários dos jogos são definidos de acordo com a grade de transmissão da TV, das emissoras que têm o direito de transmissão. Não sei onde mais podemos recorrer”, mencionou.

Na Série A1 do Campeonato Brasileiro, vencida pelas Brabas, o horário em que as jogadoras entraram em campo mais vezes foi às 15h: 37 de 134 jogos. O número corresponde a 27,61% dos duelos do torneio.

O time que mais disputou partidas no meio da tarde foi o Cruzeiro, que entrou em campo às 15h em nove ocasiões.

Ao todo, 54 das 134 partidas (40,29%) começaram antes das 16h, ou seja, justamente no período prejudicial à saúde, segundo os especialistas.

“Se pensamos em melhorias e desenvolvimento, é humanamente impossível desempenhar e entregar um futebol melhor jogado às 10 ou 11 horas da manhã – ou às 15h. Os clubes precisam, não só o Corinthians, mas o Cruzeiro e todas as outras equipes, brigar juntos por isso”

Gabi Zanotti, jogadora do Corinthians

Lance do jogo entre Corinthians e Cruzeiro, em 14 de setembro, pela final do Brasileiro Feminino - (foto: Gustavo Martins/ Cruzeiro - 14/9/2025)
Final do Brasileiro Feminino, entre Corinthians e Cruzeiro, foi disputada às 10h30 de um domingo (14/9)(foto: Gustavo Martins/ Cruzeiro – 14/9/2025)

Crise climática

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) teve como um dos objetivos avançar nas discussões em torno da diminuição do uso de combustíveis fósseis, como o petróleo, que geram emissões de gases do efeito estufa. Devido à importância para o futuro do planeta, o tema está no centro dos debates mundiais.

Doutor em meteorologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e meteorologista no Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Lizandro Gemiacki explica como o fenômeno natural, potencializado pelas fontes de energia não renováveis, gera o aquecimento global.

“O efeito estufa é um efeito natural da atmosfera do planeta Terra. Se ele não existisse, a temperatura seria bem menor. Só que dentro da composição da atmosfera têm gases que o potencializam – o vapor d’água é um exemplo. Ao longo dos anos, foi-se percebendo outros gases que potencializam esse efeito estufa. Gases que se acumulam, não como o vapor d’água que se transforma. Os gases emitidos pelos combustíveis fósseis, como o gás carbônico, que está lá no fundo do oceano, ele permanece atuando na atmosfera e é um dos potencializadores do efeito estufa, que vai causar o aquecimento global”, iniciou, ao NA.

“O aquecimento global significa que teremos mais energia na atmosfera, ela vai absorver mais radiação do sol. Essa energia que sobra no planeta Terra vai ser transformada em fenômenos extremos. Já estamos experimentando vários fenômenos como secas, chuvas muito intensas, ondas de frio e calor muito intensas.”

Lizandro Gemiacki, meteorologista no Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet)

Em 2015, na COP21, os países firmaram um tratado que ficou conhecido como Acordo de Paris – em razão de a capital francesa ter sido a sede de evento. Nele, líderes globais assumiram o compromisso de limitar o aumento da temperatura média global em 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais. Lizandro vê o cenário como improvável.

“Já houve alguns anos em que a temperatura passou de 1,5ºC. O ano passado foi bem acima (15,10ºC). Estamos até procurando alguma explicação para esse forte aquecimento (…) O Acordo de Paris foi para tentar diminuir o uso de combustíveis fósseis para que o aquecimento ficasse restrito a 1,5ºC. Só que acho que ninguém vai conseguir, né? Muito difícil reduzirem esse consumo”, pontuou.

“A nossa economia é baseada em combustíveis fósseis, em derivados do petróleo, que gera o aumento da concentração de gás carbônico (CO2). Então, mesmo que a gente pare hoje, ainda tem uma inércia, continuidade do aquecimento por algum tempo, que deve causar alguns efeitos ao longo dos próximos 50 anos”, disse o meteorologista.

Enquanto são – ou não – feitos esforços para controlar o aumento da temperatura do planeta, diversos fenômenos naturais tomam conta do cotidiano. Além dos citados por Lizandro, há o derretimento de geleiras, que eleva o nível do mar, e a intensificação de incêndios florestais, resultando em desertificação, perda de biodiversidade e crises hídricas e alimentares.

A situação em Minas Gerais

Minas Gerais sente na pele as consequências do aquecimento global. Dados do Inmet indicam que o estado foi um dos cinco que mais esquentaram no país nos últimos 20 anos: aumento de 1,1ºC. Em um recorte de 10 anos, só fica atrás do Mato Grosso e do Amazonas.

A capital Belo Horizonte foi a que mais esquentou desde 2023, tendo registrado 4,23ºC acima da média. Aliadas ao aquecimento global, a expansão urbana desordenada e a redução de áreas permeáveis explicam os números.

“Temos tido muitas ondas de calor. Lembro que em 2012 foi o recorde desde os anos 1980. Em 2015 teve um que quebrou o de 2012. Em 2020 quebrou o de 2015 e 2023 quebrou o de 2020. Tivemos três ou quatro períodos muitos quentes nessa última queda”.

Lizandro Gemiacki

Reportagem publicada pelo Estado de Minas em junho deste ano aponta que Minas Gerais foi palco de 3.401 desastres naturais entre 2015 e 2024, o que gerou prejuízo de 4,2 bilhões ao estado. Os eventos que mais se repetiram foram chuvas intensas, secas e estiagem.

“Temos notado no nosso acompanhamento diário que os períodos de seca têm ficado mais intensos e frequentes. Tivemos dois ou três eventos de seca bem extemos nos últimos 10 anos dentro do período chuvoso (…) A capital mineira ficou com índices bem baixos de precipitação”, incrementou.

Quando postos diante desse cenário de aquecimento global, os horários em que os jogos de futebol feminino são disputados tornam-se ainda mais questionáveis.

“Esse horário de 15h, em que começam os jogos, é muito próximo dos horários de temperatura máxima que observamos. Dependendo da situação climatológica, teremos variáveis complicadas: índices críticos de umidade relativa do ar, se for no período de seca. Podemos ter umidade relativa de ar abaixo dos 30 ou 20%, principalmente no período entre abril e setembro. As temperaturas nem são tão elevadas, mas a umidade relativa do ar fica muito baixa. Pode causar ressecamento da boca, do nariz”, adverte o especialista.

“E no período chuvoso (outubro a março), geralmente é o horário em que temos o maior índice de tempestades. E no período mais quente, de setembro a outubro – e eventualmente novembro -, quando estamos na transição entre o período seco e chuvoso, são as maiores temperaturas”, concluiu.

Os posicionamentos da CBF, FMF e dos clubes de Belo Horizonte

A reportagem procurou a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a Federação Mineira de Futebol (FMF), a Rede Globo, o América, o Atlético e o Cruzeiro e os questionou sobre os jogos em horários prejudicais à saúde das atletas. Veja as respostas:

CBF

A entidade máxima do futebol brasileiro não respondeu aos questionamentos de No Ataque.

FMF

“A definição dos horários das partidas é de responsabilidade do clube mandante. No Conselho Técnico, cada clube apresenta seus horários de preferência. O clube também solicita ajustes nos horários durante a competição, se assim entender. A Federação Mineira de Futebol acata os pedidos conforme as solicitações apresentadas, observando sempre as normas vigentes e as condições operacionais necessárias.

A respeito da estrutura médica para a avaliação das atletas, isso é de responsabilidade do clube. E não compete à Federação.”

Globo

A detentora dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro Feminino não respondeu aos questionamentos de No Ataque.

América

O América não respondeu aos questionamentos de No Ataque.

Atlético

Procurado via assessoria de imprensa, o Atlético decidiu não enviar nota oficial. No entanto, justificou que os jogos do clube como mandante no Campeonato Mineiro começaram às 15h pelo fato de a Arena Gregorão, onde as partidas ocorreram, não contar com iluminação artificial – o que impede os duelos de serem disputados à noite.

Cruzeiro

O Cruzeiro não respondeu aos questionamentos de No Ataque.

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