ENTREVISTA EXCLUSIVA

Inspirado em Tarantino, diretor revive ‘A Máfia do Apito’ e dor de torcedores do Internacional

Bruno Maia dirigiu série de três episódios que reconta história da Máfia de Apito, esquema de manipulação de resultados exposto em 2005

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A trilha sonora que inaugura a série “A Máfia do Apito” dá ao telespectador a sensação de estar prestar a ver um filme clássico de faroeste, enquanto o grafismo que apresenta os personagens demonstra toques do western contemporâneo do diretor Quentin Tarantino. E o sentimento não passa ao longo dos três episódios. Foi justamente essa a intenção do diretor e produtor Bruno Maia ao recontar o maior esquema de manipulação de resultados do futebol brasileiro, que culminou na conquista da Série A pelo Corinthians em 2005 e 20 anos depois segue como um trauma no coração de torcedores do Internacional, vice-campeão naquela temporada.

Em entrevista exclusiva ao No Ataque, Bruno deu detalhes da produção que foi lançada pela própria agência, a Feel The Match, em parceria com o canal SporTV. Idealizador de “A Máfia do Apito”, ele revelou os motivos que o fizeram reviver, de maneira inovadora, o escândalo que tem como um dos protagonistas o ex-árbitro Edílson Pereira de Carvalho. 

“Meu interesse é porque a história é sensacional. É também por ser o maior crime do futebol brasileiro, mas isso estava contado, o crime já tinha sido contado pelo jornalismo. Pela matéria do André Rizek e da Thais Oyama, que são jornalistas brilhantes. Depois deles, veio uma cobertura massiva sobre o que aconteceu. O que nos pareceu foi que a história era fascinante porque são pessoas muito comuns, que não estão no destaque no dia a dia”, iniciou.

Em 23 de setembro de 2005, a capa da revista Veja estampou a denúncia de um esquema de manipulação envolvendo apostadores do interior de São Paulo e os árbitros José Paulo Danelon e Edílson Pereira. A matéria foi assinada pelos jornalistas André Rizek e Thaís Oyama.

Descoberto pelos repórteres meses antes, o esquema só se tornou público após conversas telefônicas gravadas pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e pela Polícia Federal (PF) comprovarem as ações do grupo. Tendo como líderes o empresário Nagib Fayad, o Gibão, os apostadores atuavam em conluio com os árbitros em partidas do Campeonato Paulista, Campeonato Brasileiro, Série B e Copa Libertadores.

Danelon foi o primeiro árbitro comprado pelo grupo e indicou Edílson como forma de se redimir após não cumprir com o combinado: garantir a vitória do time escolhido pelos apostadores em determinada partida. Logo de cara, o então juiz do quadro da Fifa caiu graças de Gibão, um apaixonado por jogos de azar. Pereira de Carvalho carregava consigo uma história de trambiques e viu, naquele esquema, a oportunidade de ganhar muito mais dinheiro do que ganhava nos campos de futebol.

“Como diretor, essas histórias são incríveis no sentido literal: parecem poucos críveis mas são reais. A Máfia do Apito junta uma super história com personagens comuns, um escândalo de um grande repercussão e um crime. E sabemos que as séries de crime no Brasil são um fenômeno comercial, algo que as plataformas se interessam muito. As plataformas diziam que não teria nada de novo, perguntavam o que iríamos contar, e eu tinha que provar que, exatamente por não ter nada de novo, por ela ser trivial, que a história por trás da série é sensacional”

Bruno Maia, diretor e produtor de “A Máfia do Apito”

A Máfia do Apito

Edílson Pereira de Carvalho, ex-árbitro - (foto: Andre Porto/Folha Imagem - 29/9/2005)
Edílson Pereira de Carvalho foi um dos árbitros envolvidos nos esquemas da Máfia do Apito em 2005(foto: Andre Porto/Folha Imagem – 29/9/2005)

As investigações dos jornalistas da Veja e dos órgãos públicos causaram enorme crise no futebol nacional. Foi revelado que os árbitros recebiam entre R$ 10 a R$ 20 mil para garantir que o time escolhido pelos apostadores venceriam determinadas partidas.

Ainda que nem sempre desse certo, o esquema colocou em cheque a isonomia dos torneios nos quais Edílson e Danelon tinham apitado jogos. Mas somente uma competição de fato foi impactada: o Campeonato Brasileiro.

Apenas Edílson havia trabalhado no principal torneio do país: 11 jogos ao todo. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) decidiu pela anulação desses duelos, fazendo com que eles fossem realizados novamente.

O Corinthians, que brigava com o Internacional pelo título, teve dois confrontos invalidados: contra Santos e São Paulo. Quando Edílson foi o árbitro, o Timão perdeu ambos.

Na reedição, venceu o Peixe e empatou com o São Paulo. Assim sendo, somou quatro pontos e ultrapassou o Internacional na tabela – o Colorado não teve duelos anulados e terminou o torneio a três de distância do alvinegro.

Envolvidos não foram condenados

Edílson Pereira de Carvalho e Nagib Fayad foram presos na manhã seguinte ao vazamento do esquema. Eles ficaram em cárcere temporário durante cinco dias e depois foram liberados.

Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon foram banidos do futebol. Juntos de outros envolvidos na máfia, eles foram denunciados pelo Ministério Público por estelionato, formação de quadrilha e falsidade ideológica.

Em 2007, o desembargador Fernando Miranda, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspendeu a ação. Em 2009, o magistrado e outros dois colegas decidiram pelo encerramento do caso sob o entendimento de que os fatos apurados não comprovaram a prática dos crimes.

O faroeste pop de “A Máfia do Apito”

Letreiros da série A Máfia do Apito e do filme Pulp Ficiton - (foto: Reprodução )
Série “A Máfia do Apito” tem referências a Pulp Fiction (1994), filme de Quentin Tarantino (foto: Reprodução )

Como dito pro Bruno Maia, a novidade da série não está no conteúdo – embora ela apresente elementos outrora desconhecidos pelo público -, mas sim na forma. O diretor não queria produzir um documentário de Eduardo Coutinho. O que ele buscava era uma série de ação com tons de faroeste. Ou melhor, com tons de um “faroeste pop brasileiro”.

“As minhas maiores referências não necessariamente se materializam nos filmes que faço. São caras que usam linguagens que não servem ainda para as histórias que quero contar (…) De repente você recria, acha outras pessoas. Algo que é muito legal, que não tem nada a ver com documentário, mas que vamos usar.  A Máfia do Apito é muito inspirada em filmes de faroeste. Ela tem uma coisa de ser um crime de interior, uma paisagem mais inocente e de um olhar preconceituoso que vem das capitais Mas é um faroeste brasileiro, muito diferente. Não é um xerife que chega dando tiro na cidade. E como a gente traduziria isso? Para mim eram meio que pequenos crimes que uma hora flertavam com a malandragem, uma malandragem simpática, outra hora são crimes mesmo, não cruzaram uma linha de ser malandragem”, contou.

“(O Edílson) parece aquele cara que trai a mulher, pede desculpa, mas você sabe que vai trair outra vez. Vai para o bordel, e aí fica chorando tomando Dreher com uma música romântica tocando no fundo enquanto faz de novo o que falou que não faria ontem. Achava que tinha um pouco dessa atmosfera, o clima e os personagens tinham essa aura. Então tentamos pegar um pouco dessas histórias dos filmes de faroeste”, prosseguiu.

O faroeste brasileiro de Bruno Maia é inspirado, mas bem diferente dos westerns clássicos de Sergio Leone e John Ford. Na verdade, ele remete mais ao cinema de Quentin Tarantino. E durante os episódios isso fica evidente.

“Na trilha sonora tem referências bem claras do Ennio Morricone, que é um dos maiores trilheiros da história. Tem muita coisa de Tarantino, uma releitura pop dessas histórias de faroeste que o Tarantino fez. Você consegue perceber no grafismo da série algumas referências evidentes a ele. Tarantino não faz documentário e muito menos filme de futebol, mas vários filmes dele são de criminosos ordinários, pessoas que estão ali fazendo as coisas e têm o crime na vida de alguma forma. Achava que a máfia do apito tinha um pouco dessa cara. Em vários filmes do Tarantino têm também essas sequências aceleradas. (Na série tem) sequências que fazem referências a filmes dele.”

Bruno Maia

Torcedores do Internacional revivem dor

Existem torcedores do Internacional que nunca se conformaram com o fim do Campeonato Brasileiro de 2005, e uma frase dita por Edílson Pereira na série reacendeu neles o sentimento de injustiça.

Em um dos episódios, o ex-árbitro afirma que o Colorado só não foi campeão naquele ano por conta dele. A partir dessa declaração, torcedores do clube na gaúcho se movimentaram nas redes sociais a fim de incentivar o Inter a buscar o reconhecimento do título por meio de tribunais.

“Imaginamos, desde o momento da gravação em que o Edilson fala alguma coisa parecida com: ‘Se não fosse eu, o Internacional seria campeão brasileiro’, que aquela frase era muito forte. Vê-lo falando aquilo era muito forte. O Edilson diz isso e eu também acho que o Inter seria campeão se não fosse essa situação. Mas isso não me faz dizer que o título do Corinthians não foi merecido, o Corinthians não tem nada a ver com essa história. Ele foi vítima igual, mas acabou que dada a circunstância, ele teve vantagem na repetição dos jogos”, destaca Bruno Maia.

Reação de torcedores do Internacional:

O erro de Márcio Rezende de Freitas

Na quadragésima e antepenúltima rodada do Brasileirão de 2005, Corinthians e Internacional se enfrentam no Pacaembu em duelo que foi considerado a “final” do torneio por pontos corridos. Àquela altura, o Timão tinha três pontos de vantagem sobre o Colorado.

A partida estava empatada por 1 a 1 quando, aos 28 minutos do segundo tempo, o meio-campista Tinga foi lançado frente a frente com o goleiro Fábio Costa, que saiu de maneira bruta do gol e derrubou o adversário. O árbitro Márcio Rezende de Freitas, entretanto, entendeu o lance como simulação e expulsou o jogador do Internacional.

Márcio Rezende de Freitas durante Corinthians x Internacional em 2005 - (foto:  MARCELO JUSTO/A TRIBUNA DE SANTOS - 20/11/2005)
Márcio Rezende de Freitas durante Corinthians x Internacional em 2005(foto: MARCELO JUSTO/A TRIBUNA DE SANTOS – 20/11/2005)

O campeonato, que já estava manchado em função da máfia do apito, se tornou ainda mais polêmico após a decisão de Márcio. Até hoje há reclamação por parte dos gaúchos. Apesar do possível equívoco do árbitro, nunca houve indícios de que ele estivesse envolvido no esquema de manipulação.

Bruno Maia: vascaíno, diretor e empresário

Bruno Maia, diretor e produtor da série
Bruno Maia, diretor e produtor da série “A Máfia do Apito”(foto: Divulgação/Feel The Match)

Formado em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) em 2004, Bruno Maia divide o senso artístico com a mente empreendedora. Ao longo da carreira, rodou o mundo a fim de se especializar nas áreas de marketing, entretenimento e administração.

Em 2008, fundou a Agência 14, que esteve ativa por mais de 10 anos realizando o trabalho de produção de conteúdo para marcas. Nesse meio tempo, Bruno teve a oportunidade de ser vice-presidente de marketing do clube de coração: o Vasco da Gama.

“A relação com a produção audiovisual é muito antiga. Desde 2005 que produzo coisas. Minha história como diretor é antiga. Só que tenho uma característica pessoal tanto desse lado criativo, de assinar obras, mas também tenho o lado executivo. Fiz Master of Business Administration (MBA) na Alemanha, adoro a parte de tocar negócio e empreender, acho que foi isso que fez o Vasco me convidar”, contou.

A passagem pelo Cruzmaltino se deu entre 2018 e 2019. No ano seguinte à saída do Vasco, uma produção da Netflix chamou a atenção de Bruno para um mercado que poderia ser explorado no Brasil: a produção audiovisual envolvendo o esporte. A partir daí, ele teve a ideia de criar a agência Feel The Match, que além de “A Máfia do Apito”, fez a série “Romário, O Cara”, lançada em parceria com a HBO Max em 2024.

“Gosto de lembrar da série do Michael Jordan (Arremesso Final). Chamou muita atenção pelo potencial que tinha escondido ali no esporte para outros formatos que não fosse só o futebol ao vivo e as reportagens que os jornais já faziam. Usando outro tipo de linguagem, ligada ao cinema e ao fenômeno das séries, que talvez tenha sido um dos maiores fenômenos culturais desse século. Isso chegando ao documentário e ao futebol me pareceu muito interessante, porque foi uma hora em que o lado diretor colou com o lado executivo. Criei a Feel The Match, que é uma produtora especializada nesse tipo de conteúdo. São produtos que levam mais tempo para serem feitos, tanto de negociação quanto produção, você fica mais tempo para que uma coisa dessa saia da ideia e se materialize em plataformas.”

Bruno Maia, criador da agência Feel The Match

A máfia do Apito

Lançada em 5 de setembro, a série “A Máfia do Apito” teve os três episódios transmitidos nos canais SporTV, na TV fechada. Ela também está disponível na plataforma de streaming Globoplay.

  • Nome: A Máfia do Apito
  • Gênero: série
  • Ano de lançamento: 2025
  • Onde assistir: Globoplay
  • Direção: Bruno Maia
  • Roteiro: Bruno Maia e Victor Hugo Fiuza

Imagem de divulgação da série
A Máfia do Apito, série produzida pela Feel The Match em parceria com o Globoplay(foto: Divulgação/Feel The Match)
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