ATLÉTICO

Atlético: Paulinho atinge auge em Salvador, que tem o candomblé como símbolo

Atacante do Galo marcou um gol e sagrou artilheiro do Campeonato Brasileiro justamente na “terra do Axé”, que tem forte influência da religião de matriz africana

Compartilhe
google-news-logo

Enviado especial a Salvador – A conexão entre Paulinho, Salvador e o candomblé ganhou ainda mais força na noite de quarta-feira (6/12). Foi na capital baiana, que tem a religião de matriz africana como símbolo, que o atacante do Atlético marcou o 20º gol na edição de 2023 do Campeonato Brasileiro e se sagrou o artilheiro da competição – consagração de uma curta carreira que atinge o auge nesta temporada. Para quem tem fé, tudo isso está conectado.

O camisa 10 foi responsável pelo gol de honra do Galo na goleada por 4 a 1 para o Bahia, no encerramento do Brasileirão e da temporada de 2023. Mesmo com o resultado negativo, a equipe mineira terminou o ano satisfeita com o terceiro lugar na Série A – que garantiu vaga na fase de grupos da Libertadores -, e Paulinho encerrou a temporada como goleador do Atlético e do torneio de pontos corridos. E justamente na Bahia. 

O estado e, principalmente, a capital Salvador têm o candomblé como um dos seus principais símbolos, e Paulinho garantiu a sua maior premiação individual como jogador de futebol após um compromisso na “terra do Axé”. Alvo de postagens preconceituosas em novembro, após partidas por Atlético e Seleção Brasileira, o atacante não se deixa abalar pelo racismo religioso e quer continuar falando sobre a sua fé.

“Hoje, eu e minha família nos falamos por telefone e até conversamos sobre isso. Eu sabia que ia terminar a temporada aqui na terra do Axé, onde a minha religião é muito cultuada. Eu fico feliz de estar terminando aqui, de ter feito um gol, de estar terminando a temporada de uma forma honrosa. É isso, fico feliz. Vou continuar cultuando da forma que sempre cultuo, porque é motivo de muito orgulho estar levando a minha religião para todos verem quão bonito é”

Paulinho, atacante do Atlético

A importância de Paulinho falar sobre o candomblé

A religião é uma das pautas em que Paulinho se envolve, algo raro para jogadores de futebol, que costumam se eximir de assuntos que provocam discussões extracampo. O atacante do Galo faz questão de comemorar todos os gols simulando a flecha de Oxóssi, o orixá caçador, e fez isso 20 vezes no Campeonato Brasileiro – ninguém celebrou mais bolas na rede do que ele no torneio.

Até por isso, Luciana Duccini, professora do Departamento de Sociologia, do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e pesquisadora do candomblé e outras formas de religiosidade popular, exaltou as atitudes do atacante do Galo e comentou a importância do atleta se posicionar sobre a religião de inspiração africana.

“Paulinho é de uma importância ímpar para a religião, porque a gente sabe de muitos jogadores, de artistas que às vezes frequentam o candomblé, mas que não publicizam por receio da intolerância religiosa. Então, quando o Paulinho comemora agradecendo ao Oxóssi ou diz aquela frase famosa ‘nunca foi sorte, sempre foi Exú’, isso, para quem é de candomblé, é uma coisa linda, pois reconhece que Exú está ali abrindo os caminhos para a pessoa”

Luciana Duccini, especialista em candomblé

pesquisadora e professora ainda destacou o impacto para os praticantes da religião da fala de um atleta que chegou à Seleção Brasileira em novembro e terminou o Campeonato Brasileiro como um dos grandes destaques.

“Quando um jogador internacionalmente conhecido se assume e diz que, se ele vai sofrer racismo, ele vai lutar contra isso, olha o significado que isso tem na representatividade das pessoas negras do candomblé, que são pessoas que sofrem isso no seu cotidiano e não tem o mesmo espaço que o Paulinho tem para falar, para denunciar. É de extrema importância  para todas as pessoas que são de candomblé ter o Paulinho”, afirmou Luciana Duccini.

A ligação entre o candomblé e a Bahia

As “coincidências” colocaram o jogador que tem voz ativa na luta contra o racismo religioso para encerrar a sua temporada na Bahia, local que tem o candomblé como símbolo, mesmo que a religião também esteja presente em outros estados, como explicou a professora Luciana Duccini. 

“O candomblé é uma vertente das religiões de inspiração africana que se desenvolve principalmente na Bahia, em geral, se espalhando para o Rio de Janeiro, São Paulo, Sergipe e Alagoas. São religiões minoritárias no Brasil, contudo, a gente vê que em Salvador o candomblé tem uma marca extremamente forte”, ressaltou a pesquisadora.

Presente até na atualidade como um problema estrutural, o racismo era ainda mais forte até meados do século 20, quando algumas manifestações africanas eram criminalizadas. A professora Luciana Duccini explicou que, na sequência, movimentações políticas melhoraram um pouco a situação, o que popularizou o samba, a feijoada e a capoeira, por exemplo, e facilitou o início de um estudo maior acerca do candomblé. A partir disso, a capital da Bahia se destaca no assunto.

“Salvador atraiu muitos pesquisadores estrangeiros a partir da década de 40 com interesse em estudar o candomblé. Isso começa a dar uma força para promoção de Salvador como a cidade do candomblé. E aí vai se formando aqueles conceitos como: a Bahia tem Axé. Axé é o quê? Axé é a força vital do candomblé. E o Axé viria de onde? O Axé viria dessa presença do candomblé na cidade”

Luciana Duccini, professora da UFBA

Compreendida como cidade do Axé, Salvador começou a receber turistas que buscavam estar mais próximos da religião. Mesmo assim, a discriminação em torno do candomblé seguem fazendo parte da vida dos praticantes.

“O candomblé foi se tornando a característica distintiva da cidade de Salvador, como se fosse a marca, a tal ponto que isso começa a ser vendido para o turismo. Isso é o resultado de um processo histórico longo, lento, com muitas idas e vindas, momentos muito contraditórios, porque, ao mesmo tempo que temos toda essa valorização do candomblé como uma marca de Salvador, não deixamos de ter atos de intolerância religiosa. Salvador é uma das cidades, talvez, onde a gente tenha mais casos de registros de denúncias de intolerância religiosa contra praticantes de candomblé”, afirmou a pesquisadora.

Intolerância religiosa ou racismo religioso?

Craque do Atlético e artilheiro do Brasileiro, Paulinho foi alvo nas últimas semanas de racismo religioso. Após entrar no segundo tempo diante da Colômbia, em 16 de novembro, e a Seleção Brasileira sofrer dois gols na sequência, o atacante foi alvo de postagens preconceituosas nas redes sociais. Duas semanas depois, depois de abrir o placar contra o Flamengo, em 29 de novembro, o camisa 10 foi novamente vítima de discriminação por causa da religião. 

E qual é o termo certo para essa situação? Mesmo que algumas pessoas usem intolerância religiosa para descrever o ato em que Paulinho foi alvo, a professora Luciana Duccini afirmou que esse preconceito passa necessariamente pela questão da raça que faz parte da religião. 

“O pesquisador Sidney Nogueira fala que não deveríamos falar exatamente de intolerância religiosa, mas sim de racismo religioso. Por que racismo religioso? Porque mesmo que o candomblé e outras religiões tenham pessoas brancas hoje em dia, como praticantes,é um modo de ser que é próprio e que, por mais que tenha se misturado aqui, isso veio como um modo de ser das pessoas africanas que foram trazidas à força para cá. Então, a gente não está falando só de uma intolerância religiosa, a gente está falando de um racismo religioso, porque envolve todo o modo de ser de povos negros”

Luciana Duccini, especialista em candomblé

Compartilhe
google-news-logo