Apresentado no Atlético nesta segunda-feira (13/1), o técnico Cuca relembrou o que disse no Athletico-PR em 2023, quando comentou sobre a condenação por coação e ato sexual com uma adolescente de 13 anos, ocorridos em 1987, na Suíça.
“Eu gostaria de começar falando a respeito da minha apresentação no Athletico-PR. É um tema sensível, delicado e muito importante, que é o tema do caso da Suíça. Quando eu li a carta no Athletico eu me prontifiquei dentro de mim a ser um homem melhor. Confesso que tenho aprendido muita coisa com muita gente, minha família, que é quase toda feminina, as meninas, filhas e netas”, iniciou o treinador.
Em março de 2023, Cuca assumiu o comando do Athletico-PR. Aquele foi o primeiro trabalho do treinador desde que a condenação na Suíça foi anulada – ação que se deu porque a audiência, em 1989, não contou com representante legal do então jogador do Grêmio. Contudo, o mérito (a ocorrência ou não dos crimes) não foi julgado novamente, já que o caso prescreveu.
Em sua estreia pelo Furacão, o treinador leu uma carta em que se desculpou sobre o silêncio durante anos a respeito do caso na Suíça e se comprometeu a “melhorar” como pessoa.
“Tenho entendido muita coisa que não entendia como ser humano. Eu demorei a falar do tema e hoje abro falando dele é porque consigo falar, consigo ver os meus defeitos, consigo entender que eu tentava falar do Cuca, explicar o Cuca, e não era isso que a sociedade queria. A sociedade queria do tema, da causa, do que eu, como homem, poderia fazer pela causa, pelo tema. Tenho trabalhado incessantemente desde aquele dia em busca de ser uma pessoa melhor em busca de ser um pessoa melhor, que entenda melhor o tema, não só pelas minhas filhas, minha mãe e minha irmã, mas pelas mulheres, pelo respeito que elas têm e merecem, pela igualdade que a gente busca, e eu estou aliado a isso.”
Cuca, técnico do Atlético
Leia o pronunciamento completo de Cuca ao fim da matéria.
O caso em Berna
Após conquistar o Campeonato Gaúcho de 1987, o Grêmio foi para a Europa para disputar a Copa Phillips, também conhecida como Torneio de Berna. Na estreia, em 29 de julho, o Tricolor venceu o Benfica por 2 a 1. Porém, no dia seguinte, um episódio extracampo abalou a delegação.
Naquele 30 de julho, Alexi Stival, conhecido como Cuca, de 24 anos, Eduardo Hamester, 20, Fernando Castoldi, 22, e Henrique Etges, 21, receberam Sandra Pfäffli no quarto 204 do Hotel Metropole, em Berna, na Suíça. Após o ocorrido, a adolescente de 13 anos acusou os jogadores de estupro. Então, a polícia suíça foi ao local deter os quatro atletas, presos no mesmo dia.
Durante o mês de agosto de 1987, os jogadores ficaram em diferentes prisões e foram mantidos sem comunicação. Eles prestaram depoimento mais de uma vez, inclusive com declarações de Eduardo e Henrique assumindo que tiveram relação sexual com a adolescente. A questão se tornou um caso diplomático entre Brasil e Suíça.
Depois de 28 dias preso, em 27 de agosto de 1987, Fernando foi liberado. Segundo a investigação, o ponta teria tido uma menor participação no crime, atuando como vigia do quarto enquanto os outros estavam com a vítima. No dia seguinte, em 28 de agosto, Eduardo, Henrique e Cuca foram liberados, retornando ao Brasil imediatamente. Para deixar a prisão em Berna, eles pagaram 1,5 mil dólares cada – R$ 20 mil atualmente, em valores corrigidos pela inflação americana – como fiança.
Além do pagamento da fiança, os atletas se comprometeram que atenderiam eventuais solicitações posteriores da Justiça suíça, segundo informaram jornais da época. Porém, isso não ocorreu. Eles nem sequer retornaram para o julgamento, que ocorreu entre 14 e 15 de agosto de 1989, em Berna.
A condenação de Cuca e os outros jogadores
Sem a presença dos jogadores, o julgamento do caso ocorreu dois anos e 16 dias depois do primeiro capítulo do Escândalo de Berna e acarretou a decisão final da Justiça. Os atletas foram enquadrados no artigo 187 do Código Penal da Suíça, que fala sobre “atos sexuais com pessoas dependentes” e prevê prisão de até cinco anos.
Portanto, em 15 de agosto de 1989, eles foram condenados por ter “ato sexual com uma pessoa menor de 16 anos”. No julgamento, a Justiça entendeu que não houve violência por parte dos jogadores devido à ausência de provas de atos violentos. Por isso, eles não foram enquadrados no artigo 191, que poderia gerar uma pena de até 10 anos.
Desta forma, Cuca, Henrique e Eduardo foram condenados a 15 meses de prisão e uma multa de 8 mil dólares por coação e ato sexual com uma menor de idade. Já Fernando foi condenado apenas por coação, já que não foi provada a presença deste atleta no ato sexual, com a pena de três meses de prisão e 4 mil dólares.
Os atletas, contudo, nunca retornaram à Suíça para cumprir a pena, já que o Brasil não extradita os seus cidadãos natos. Eles, assim, seguiram a carreira normalmente. Em 2004, ou seja, 15 anos depois, a condenação foi prescrita, como prevê a atual legislação suíça.
A presença de sêmen
Cuca, Henrique e Eduardo foram condenados por ato sexual, e isso foi provado pela Justiça da Suíça a partir de um laudo médico que apontou a existência de sêmen no corpo da vítima. Em 7 de agosto de 1987, ou seja, enquanto eles ainda estavam presos, o jornal O Globo falou sobre este exame e a presença do esperma.
Já em 2023, o ge teve acesso a um processo judicial, que estava em segredo de Justiça por 110 anos, que confirmou que havia sêmen de Cuca na adolescente. Outro detalhe descoberto é o registro policial de que Sandra reconheceu o atual treinador em uma das ocasiões em Berna.
Na entrevista ao No Ataque, Cuca negou que os autos do processo da Justiça da Suíça contem com a informação da presença de sêmen. “Exames não apontam [presença do sêmen]. Nada disso. Não aponta nada disso porque eu paguei peritos e está agora nos autos. Isso é folclore”, disse.
Por que a condenação de Cuca foi anulada?
O não cumprimento da pena e o desconhecimento de parte da sociedade sobre o caso pressionaram treinador. Desde então, Cuca conviveu com protestos de torcedores dos clubes nos quais trabalhou. O principal momento foi no Corinthians, em abril de 2023, quando foi contratado, mas ficou por apenas sete dias até pedir demissão.
Foi quando a defesa de Cuca acionou a Justiça da Suíça com contestações sobre a condução do caso em 1989, alegando que o então jogador não estava presente e não tinha nenhum representante. Logo, pelo “julgamento à revelia”, ele não teria tido possibilidade de questionar a decisão ou qualquer versão apresentada na condenação.
Em 22 de novembro de 2023, Bettina Bochsler, juíza do Tribunal Regional de Berna-Mittelland, anulou a condenação ao acatar a argumentação da defesa de Cuca sobre a sentença à revelia e ainda o indenizou com 13 mil francos suíços (R$ 75 mil). O valor baixou para 9,5 mil francos suíços (R$ 55,2 mil) pelos custos processuais do julgamento em 1989.
A falta de um representante legal fez a condenação ser invalidada e possibilitaria um novo julgamento, mas não foi possível porque o caso já estava prescrito. Pela morte de Sandra 15 anos após o caso, um filho da vítima foi procurado, mas ele decidiu não reabrir o processo.
Desta forma, a condenação de Cuca – os outros jogadores não procuraram a Justiça e, com isso, não tiveram os casos revertidos – foi invalidada pela forma com que foi feito o júri em 1989. Contudo, não foi julgado o mérito. Ou seja, a anulação não fala sobre a culpa, pois apenas foi discutida a forma equivocada que a sentença foi feita. Logo, o único momento que o mérito foi julgado foi em 1989, e o resultado foi a condenação dos atletas.
Pronunciamento de Cuca na apresentação no Atlético
“Eu gostaria de começar falando a respeito da minha apresentação no Athletico-PR. É um tema sensível, delicado e muito importante, que é o tema do caso da Suíça.”
“Quando eu li a carta no Athletico eu me prontifiquei dentro de mim a ser um homem melhor. Confesso que tenho aprendido muita coisa com muita gente, minha família, que é quase toda feminina, as meninas, filhas e netas.”
“Tenho entendido muita coisa que não entendia como ser humano. Eu demorei a falar do tema e hoje abro falando dele é porque consigo falar, consigo ver os meus defeitos, consigo entender que eu tentava falar do Cuca, explica o Cuca, e não era isso que a sociedade queria. A sociedade queria do tema, da causa, do que eu, como homem, poderia fazer pela causa, pelo tema.”
“Eu tenho trabalhado incessantemente desde aquele dia em busca de ser uma pessoa melhor em busca de ser um pessoa melhor, que entenda melhor o tema, não só pelas minhas filhas, minha mãe e minha irmã, mas pelas mulheres, pelo respeito que elas têm e merecem, pela igualdade que a gente busca, e eu estou aliado a isso.”
“Hoje eu estive falando com o pessoal do futebol, tenho participado de palestras em que conseguimos reunir meninos de Coritiba, Athletico-PR e Paraná e discutir o tema de peito aberto. O menino questionando a menina, do por que, o que incomodava, e acho que esse tema é muito importante para todos nós.”
“Eu busco um mundo mais justo para mim, para minhas filhas, netas e todas as mulheres. A gente vive muito em um mundo machista, o futebol é um mundo machista. Hoje se a gente olhar o auditório, tem 70%, 80% do masculino. Mas já foi pior, um tempo atrás foi muito pior.”
“Hoje, olhando o treino das meninas, levei o Arana porque tinha uma menina que queria conhecê-lo, e vi como o futebol feminino evoluiu, coisa que eu não via antes. Elas têm que lutar mais do que a gente, que o homem, para poder vencer. A começar pelo horário, elas começam 7h30, têm que acordar 5h da manhã. Essas coisas eu prometi e tenho feito, dentro do possível, com ações, no meu instituto, com três núcleos em Curitiba, e quero transportar para o Galo, que tem o Instituto Galo, e vamos poder fazer coisas importantes também pelo respeito as mulheres. É uma coisa minha, que está dentro de mim. Não sou de ficar fazendo propaganda do que já fiz, mas faço minhas coisas de forma bem discreta e vou continuar fazendo. Isso é uma bandeira que eu levantei e vou empunhá-la para sempre como eu puder.”