A história de amor entre Jürgen Klopp e Liverpool chegou ao fim nesse domingo (19/5), após quase nove anos. A vitória por 2 a 0 sobre o Wolverhampton, pela 38ª rodada da Premier League, em Anfield Road, na cidade de Liverpool, Inglaterra, marcou a última partida do técnico alemão à frente dos Reds.
A era Klopp se iniciou em outubro de 2015. O treinador assumiu o time em momento bem diferente: era apenas o 10º colocado do Campeonato Inglês, após oito rodadas, e estava há mais de 10 anos sem vencer um título de expressão. O último havia sido o da Champions League, na temporada 2004/2005.
Ao alemão, foi dada a difícil missão de reconstruir uma equipe gigante que vivia tempos de desventura. Oito anos e nove meses depois, Jürgen deixa o clube com a sensação de dever cumprido: encerrou dolorosas secas de troféus, conquistou oito títulos e tornou-se uma lenda do Liverpool.
Klopp se consagrou como um dos maiores técnicos da história dos Reds – não só pelos troféus e pelo envolvente futebol, mas também pela forte identificação com a torcida e a cidade, graças ao jeito carismático e vibrante e à forma como valoriza a comunidade em torno do clube. Ganhou até o posto de “Scouser honorário”.
Scouser é um gentílico informal que designa quem nasceu na região de Liverpool. Grande parte dos torcedores que moram no município adotam o termo com orgulho para se diferenciar de outros ingleses – a cidade tem forte tradição operária, sindical, imigrante e antimonarquista, por isso, muitos habitantes não nutrem bons sentimentos pelo Estado inglês.
Klopp e Liverpool: o início
Klopp chegou ao Liverpool no início da temporada 2015/2016. O clube anunciou o alemão quatro dias depois de demitir o escocês Brendan Rodgers, que estava no comando desde 2012.
Jürgen vinha de grande trabalho à frente do Borussia Dortmund: em sete anos, conquistou duas vezes o Campeonato Alemão, três vezes a Supercopa da Alemanha, uma Copa da Alemanha e chegou à final da Champions League 2012/2013, vencida pelo Bayern de Munique.
A primeira temporada
Na primeira entrevista coletiva nos Reds, Jürgen disse uma frase que tornou-se mantra: “Precisamos parar de duvidar e começar a acreditar”.
Na temporada inicial, mostrou que isso era possível – a equipe conseguiu chegar à final de duas competições: a Copa da Liga Inglesa e a Liga Europa. O Liverpool saiu derrotado em ambas, para Manchester City e Sevilla, respectivamente, mas as boas campanhas mostraram que, com tempo, o treinador poderia mudar a mentalidade do time e reconduzi-lo às glórias.
Segunda temporada
O alemão comandava uma grande reformulação. Entre a primeira e a segunda temporada, quase 20 jogadores deixaram os Reds, e muitos chegaram – destaque para o atacante senegalês Sadio Mané, que se tornou um grande ídolo; para o meio-campista holandês Giorginio Wijnaldum e para o zagueiro camaronês Joel Matip. O lateral-direito Trent-Alexander Arnold, de 17 anos, subiu da base. Esses quatro nomes viriam a se tornar pilares do mais emblemático time do Liverpool nos últimos anos.
O Liverpool de Klopp começava a ganhar identidade tendo como estrela o meia brasileiro Phillipe Coutinho. O outro brasileiro do grupo, o atacante Roberto Firmino, também era importante.
Na segunda temporada (2016/2017), o desempenho melhorou: os Reds terminaram a Premier League em quarto lugar e garantiram vaga na Champions League seguinte, após dois anos longe da maior competição de clubes da Europa.
Terceira temporada
A temporada 2017/2018 marcou a virada de chave definitiva rumo à disputa de títulos de peso. Embalada pelo desempenho fulminante do egípcio Mohamed Salah, atacante que havia chegado da Roma, da Itália, o time chegou à final da Champions League – a primeira em 13 anos. Perdeu para o Real Madrid numa noite em que quase tudo deu errado: Salah se machucou no início da partida, e o goleiro alemão Loris Karius falhou feio em dois gols da equipe espanhola, que venceu por 3 a 1.
Klopp e Liverpool: o auge
Na primeira entrevista como treinador do Liverpool, em 2015, Jürgen fez profecia: “Quando estiver aqui sentado daqui a quatro anos, tenho quase certeza de que teremos conquistado um título”.
Dito e feito. Pouco menos de quatro anos após chegar ao clube, veio o primeiro título. E foi logo o troféu de maior peso da Europa: a Champions League. Era o fim de um jejum de 14 anos sem vencer a competição.
A conquista foi memorável. O Liverpool passou da fase de grupos em segundo lugar, atrás do Paris Saint-Germain. A classificação quase escapou no último minuto do último jogo da Chave C, contra o Napoli, mas o goleiro Alisson fez milagre – considerado pelo técnico a defesa mais especial de sua passagem pelo clube – em chute do atacante polonês Milik. A equipe inglesa vencia por 1 a 0 em Anfield e, se levasse o empate, seria eliminada.
Embalado pela grande temporada do trio Salah, Firmino e Mané, o Liverpool superou o poderoso Bayern nas oitavas de final e o bicampeão europeu Porto nas quartas.
Na semifinal, o desafio mais difícil: vencer o Barcelona de Lionel Messi. Após a goleada por 3 a 0 aplicada pelo time catalão no Camp Nou,a missão de chegar à final parecia impossível. Mas, desde que Klopp chegou e disse que o Liverpool teria que “deixar de duvidar e passar a acreditar”, nada mais era impossível.
Em Anfield, mesmo sem Salah e Firmino, o Liverpool protagonizou uma das viradas mais inesperadas da história da Champions. Venceu por 4 a 0, com dois heróis improváveis: Wijnaldum, meio-campista que não era artilheiro, e Origi, atacante reserva, marcaram dois gols cada. O quarto, especialmente, foi um dos mais marcantes da era Klopp: Alexander-Arnold bateu escanteio rapidamente, enquanto a defesa barcelonista estava desprevenida, e achou Origi livre, no meio da área. O atacante chutou de primeira, acertou o ângulo e levou Anfield à loucura.
Após o apito final, vários jogadores não contiveram o choro, e o estádio entoou a música “You’ll Never Walk Alone” (Você nunca caminhará sozinho, em tradução literal) em uníssono com Klopp e os atletas.
A final foi contra o compatriota Tottenham, no Estádio Wanda Metropolitano, em Madri. O Liverpool venceu por 2 a 0, com gols de Salah (de pênalti, no início do jogo) e Origi, no fim da partida, conquistando a sexta Champions League de sua história.
Fim dos 30 anos de seca: a Premier League de 2019/2020
O torcedor do Liverpool ainda tinha um grito entalado na garganta: o do título inglês. O clube amargava seca de 30 anos, sem nunca ter conquistado a Premier League – campeonato da era moderna, que começou em 1994/1995 -, já que o último troféu havia sido em 1989/1990. Nesse tempo, viu o Manchester United, principal rival nacional, ultrapassá-lo no número total de conquistas: hoje o placar está em 20 a 19 para os Red Devils.
Cabia a Klopp e seus comandos, então, devolver o time ao topo da Inglaterra. Missão nada fácil. Para atingir a glória, o Liverpool teria de superar o poderosíssimo Manchester City. Na temporada anterior, a equipe de Pep Guardiola havia sido campeã com 98 pontos, um a mais em relação aos Reds.
Mas, na temporada 2019/20, a história foi diferente. Dominante nas 38 rodadas, mesmo após a paralisação em função da pandemia de COVID-19, o Liverpool somou 99 pontos. A diferença para o vice-colocado City foi de 18.
Jürgen Klopp desbancou Guardiola, sendo eleito o melhor treinador da Premier League depois de o prêmio ter ido, por dois anos, para o espanhol. Desde que Pep chegou à liga, somente Klopp e o italiano Antonio Conte foram capazes de superá-lo.
O gol salvador de Alisson e o sonho frustado: 2020/21 e 2021/22
Na temporada seguinte ao título inglês, uma maré de azar passou por Anfield. Klopp sofreu com lesões de seus jogadores, o que limitou o elenco e fez com o que o time não alcançasse grandes voos.
Eliminado pelo Real Madrid nas quartas de final da Liga dos Campeões e por Manchester United e Arsenal, na Copa da Inglaterra e Copa da Liga Inglesa, respectivamente, os Reds passaram por apuros também na Premier League.
Até encerrou o primeiro turno como líder, mas os problemas físicos dos jogadores se intensificaram na segunda metade da competição, impactando nos resultados. Por isso, os comandados de Klopp chegaram às rodadas finais brigando ponto a ponto não mais pelo título, mas por vaga na Champions.
No antepenúltimo jogo do Inglês, o Liverpool enfrentou o West Bromwich fora de casa. Aos 50min do segundo tempo, o placar marcava 1 a 1, resultado que complicaria muito a luta vermelha pela vaga na competição europeia. Foi aí que o goleiro brasileiro Alisson decidiu ir para área adversária em uma cobrança de escanteio e marcou o gol da vitória por 2 a 1 – em recente entrevista, Klopp elegeu esse como o gol preferido do período em que esteve no clube.
A temporada 2021/22 tinha tudo para ser diferente. O Liverpool voltou a ser dominante. Com novas peças, o time chegou a sonhar com a conquista dos quatro principais títulos possíveis para um clube da elite inglesa: Premier League, Copa da Inglaterra, Copa da Liga e Champions League.
Nas copas domésticas, o dever foi cumprido. Já na Premier League, o Manchester City foi novamente algoz – venceu com 99 pontos, enquanto o Liverpool chegou a 98. Apesar de vice, Klopp foi eleito o melhor técnico da competição.
Velho conhecido também foi o rival na final da Champions.
Como na temporada 2017/18, o Real Madrid freou o sonho inglês de conquistar o principal troféu de clubes do mundo. Na decisão, o time de Klopp foi superior, mas não capaz de vazar o gol do belga Thibaut Courtois. O brasileiro Vinícius Júnior foi quem marcou o gol do título dos espanhóis.
Klopp e Liverpool: o fim
A frustração da temporada 2021/22 parece ter mudado os rumos da “era Klopp”. O Liverpool deixou de figurar no top 2 da Premier League e de ser um dos candidatos ao título da Champions League.
A temporada 2022/23 ficou marcada por desempenho ruim e resultados negativos. Mesmo tendo vencido a Supercopa da Inglaterra diante do City no início da temporada, o Liverpool não foi capaz de deter as principais equipes inglesas nas demais competições nacionais.
O desempenho foi tão abaixo que a sequer foi à Champions League seguinte. Os comandados de Klopp terminaram a Premier League na quinta posição, com 67 pontos – a segunda pior campanha com o alemão, abaixo apenas da primeira temporada com ele.
Na Liga dos Campeões, os ingleses encararam o Real Madrid nas oitavas de final. Na ida, em pleno Anfield, vitória espanhola por 5 a 2. Na volta, eliminação confirmada com nova derrota dos Reds (1 a 0).
A última dança: 2023/24
O Liverpool iniciou a temporada 2023/24 com o objetivo de reformular o elenco. Vários pilares do time de Klopp no auge deixaram o clube – foi o caso do atacante brasileiro Roberto Firmino, do volante brasileiro Fabinho e dos meio-campistas ingleses James Milner e Jordan Henderson.
Mesmo com a renovação e apesar dos vários problemas de lesões de atletas, o desempenho foi bom. Em certo momento, parecia que a equipe brigaria pelos títulos das quatro competições que disputava: a Copa da Liga, a Copa da Inglaterra, a Liga Europa e a Premier League.
Em meio à boa fase, veio a notícia “bombástica”: o anúncio de saída de Jürgen Klopp. Em 26 de janeiro, o técnico disse que deixaria o clube após o fim da temporada, mesmo tendo contrato até 2026.
“Entendo que é um choque para muitas pessoas, mas posso tentar explicar. Amo absolutamente tudo sobre este clube, amo tudo da cidade, amo tudo dos nossos torcedores, amo o time, amo o estafe. Amo tudo. Mas estou convencido de que é a decisão que tenho que tomar. Estou ficando sem energia. Não posso fazer o trabalho de novo, de novo, de novo e de novo”
Jürgen Klopp, durante o anúncio de saída do clube
Foi o momento mais marcante da temporada. Depois do anúncio, time e torcida se uniram ainda mais, buscando coroar a era Klopp com títulos. Mesmo com desfalques, menos de um mês depois o time foi campeão da Copa da Liga Inglesa de forma heroica sobre o Chelsea, na prorrogação.
Durante grande parte da Premier League, os Reds disputaram a ponta da tabela com Arsenal e Manchester City. Mas não mantiveram o fôlego e deram adeus ao sonho do título pouco antes do fim – como ocorreu na FA CUP e na Europa League. Assim, a Copa da Liga conquistada em fevereiro foi o último título com Jürgen.
Klopp e Liverpool: o sentimento
Muito mais que os títulos conquistados, os grandes jogadores e as goleadas históricas, a era Klopp no Liverpool ficará marcada pelo sentimento. Um treinador apaixonado, que encontrou uma torcida obcecada pelo clube: o casamento perfeito.
Ao Liverpool, restará a gratidão ao treinador que o colocou novamente no topo, que o fez temido e respeitado novamente. A Klopp, ficará a certeza de que ele nunca mais vai caminhar sozinho.
Jürgen Klopp no Liverpool: os números
- Jogos: 489
- Vitórias: 298
- Empates: 109
- Derrotas: 82
- Títulos: Campeonato Inglês (2019/20), Copa da Inglaterra (2020/21), Copa da Liga Inglesa (2021/22 e 2023/24), Supercopa da Inglaterra (2022), Liga dos Campeões (2018/19), Supercopa da UEFA (2019) e Mundial de Clubes (2019).
- Principais jogadores da “era Klopp”: Alisson (goleiro); Alexander-Arnold e Robertson (laterais); Virgil Van Dijk e Joel Matip (zagueiros); Fabinho, Jordan Henderson, Wijnaldum e James Milner (meio-campistas); Roberto Firmino, Sadio Mane e Salah (atacantes).