O início do Campeonato Mineiro de 2024, que se aproxima, expõe um cenário de discrepância financeira entre os gigantes da capital e os times do interior. A comparação entre os salários de estrelas de Atlético e Cruzeiro e a média salarial dos clubes do interior revela números surpreendentes.
Hulk, ídolo atleticano, ostenta salário mensal de cerca de R$ 1,5 milhão, enquanto Matheus Pereira, que foi emprestado ao time celeste pelo Al Hilal, da Árabia Saudita, em julho do ano passado, recebe R$ 1,1 milhão por mês. Esses valores levam a uma pergunta inevitável: qual o peso financeiro desses jogadores em comparação à média salarial dos times de fora de Belo Horizonte?
Os números
Entre os nove clubes do interior que estão na elite do futebol mineiro, cinco divulgaram à reportagem de No Ataque os gastos com salários de jogadores para a disputa do Estadual. O montante pago a Hulk e a Matheus Pereira é significativamente superior à folha de Athletic, Ipatinga, Itabirito, Patrocinense e Tombense. Considerando essas equipes, a média dos vencimentos totais dos times do interior gira em torno de R$ 590 mil.
Dessa forma, o salário combinado de Hulk e Matheus Pereira (o que totaliza R$ 2,6 milhões) é suficiente para custear as despesas com os vencimentos de quatro desses times do interior juntos.
O Athletic é o clube com maior folha salarial entre aqueles que divulgaram os dados. As despesas variam entre R$ 700 mil e R$ 1 milhão. Mesmo considerando o teto salarial da equipe da Região do Campo das Vertentes, apenas os vencimentos de Hulk ou de Matheus Pereira ultrapassam com sobras o montante necessário para cobrir os salários de toda a equipe de São João del-Rei.
O abismo financeiro é ainda mais notável levando-se em consideração a folha de clubes como o Ipatinga, no Vale do Aço – entre R$ 350 mil e R$ 500 mil -, e o Tombense, na Zona da Mata, que informa média de R$ 600 mil.
A remuneração de um jogador do time de Tombos, inclusive, equivale a 1,3% do salário de Hulk. “Temos média de R$ 20 mil por atleta, o que dá cerca de R$ 600 mil de folha salarial”, disse Lane Gaviolle, presidente do clube.
Competitividade
Esse desequilíbrio reflete a realidade financeira e também coloca em xeque a competitividade do campeonato. A disparidade traz à tona questões cruciais sobre a sustentabilidade financeira dos clubes do interior e a capacidade de se manterem competitivos. Não à toa, o interior não tem um campeão mineiro desde 2005, quando o Ipatinga venceu o Cruzeiro na final.
Entretanto, o fascínio pelo futebol muitas vezes reside na imprevisibilidade dos resultados. Clubes com orçamentos mais modestos volta e meia surpreendem, desafiando as probabilidades. Em 2020, por exemplo, o Tombense chegou à decisão contra o Atlético.
Ainda assim, a análise dos salários de Hulk e Matheus Pereira lança luz sobre a situação dos clubes mineiros, ainda mais com o advento da Sociedade Anônima do Futebol (SAF).
O sigilo mantido por alguns clubes do interior em relação às folhas salariais pode ser estratégico, mas também levanta questões sobre transparência e prestação de contas. Em um cenário em que a gestão financeira é crucial para a sobrevivência dos clubes, a opacidade pode ser uma barreira para o desenvolvimento sustentável do futebol local.
A busca por patrocínios, parcerias e uma gestão financeira eficiente torna-se imperativa para os clubes do interior que desejam não apenas participar do Estadual, mas também garantir sua própria sobrevivência em um ambiente dominado pelos grandes da capital.
A grande lacuna: clubes que não divulgaram dados
A ausência de informações sobre Democrata, Pouso Alegre, Uberlândia e Villa Nova abre espaço para conjecturas. Seria uma estratégia para despistar rivais e manter o foco apenas no aspecto esportivo? Ou seria um reflexo de uma realidade financeira mais delicada?
Segundo Jânio Cabral, presidente do Uberlândia, o clube do Triângulo Mineiro não divulga a folha salarial por exigências dos patrocinadores.
“Prefiro não dar números, até porque os patrocinadores pedem para que não divulguemos valores. Mas é um valor considerável, bom, e com esse investimento conseguimos montar uma boa equipe”, afirmou.
Folhas salariais dos clubes do interior:
- Ipatinga
- Entre R$ 350 e R$ 500 mil
- Itabirito
- Acima dos R$ 500 mil (clube não deu estimativa mais precisa)
- Tombense
- Em média, R$ 600 mil
- Pouso Alegre
- Não quis informar
- Uberlândia
- Não quis informar
- Villa Nova
- Não quis informar
- Athletic
- Entre R$ 700 mil e R$ 1 milhão
- Democrata
- Não quis informar
- Patrocinense
- Acima de R$ 350 mil (clube não deu estimativa mais precisa)
*A reportagem contou com apurações de Pedro Tanure, Rafael Cyrne e Sofia Cunha