
Por Julio Gomes, Bruno Braz e Igor Siqueira – Raios que param jogos em Orlando. Um sol para cada um em outras partes do país, gerando irritação principalmente dos clubes europeus. E, para piorar tudo, uma onda de calor que chega junto ao início do verão, fazendo as temperaturas subirem a 35 ou até mesmo 40 graus em cidades como Nova York e Filadélfia. O clima virou uma questão importante no Mundial de Clubes da Fifa, assim como já havia sido 31 anos atrás, quando os Estados Unidos receberam a Copa do Mundo pela última vez.
Uma reportagem da Folha de São Paulo, de 6 de julho de 1994, falava sobre as altíssimas temperaturas que afetavam Dallas, no Texas. Um jogo da Alemanha chegou a ter 48 graus ao nível do campo. Dias depois, a partida de quartas de final entre Brasil e Holanda, disputada às 14h30 locais, registraria 40 graus. Tempos diferentes, mesmos problemas. Muitas partidas daquela Copa, inclusive a final, foram disputadas no meio do dia, com sol a pino e em pleno verão.
Em 94, o Rose Bowl, em Pasadena, recebeu a decisão entre Brasil e Itália às 12h30 locais. Nesta próxima segunda-feira, Botafogo e Atlético de Madrid jogarão pela Copa do Mundo de Clubes no mesmo local, só que às 12h, meia hora mais cedo. A previsão do tempo indica 27 graus no momento da partida, com sensação térmica de 31 – a temperatura será ainda mais alta no gramado. Algo parecido aconteceu com o Flamengo, que jogou sexta contra o Chelsea sob um calor de 30 graus na Filadélfia. Dos 15 jogos que serão disputados a partir do início do mata-mata, só 3 serão em horário noturno, outros 3 serão às 12h locais e os restantes no início da tarde (15h ou 16h), quando ainda pode ser bem quente nesta época do ano.
“É evidente que é difícil conseguir concatenar tudo, para que as televisões na Europa consigam colocar publicidade e esta seja uma competição de referência. Teria que se tentar, não sei de que maneira, que os jogadores consigam atuar em suas melhores condições, porque no fim o espetáculo quem dá são os jogadores dentro do campo. Quanto melhor for o espetáculo, melhor para todos. Às vezes é difícil mesmo”, falou o técnico Luís Enrique, do PSG. O time dele já jogou às 12h neste torneio, batendo o Atlético de Madrid na estreia por 4 a 0.
A questão principal de um torneio de futebol nos Estados Unidos, seja a Copa do Mundo de Clubes ou a tradicional, de seleções, que será disputada por essas bandas no ano que vem, é fazer com que as partidas ocorram em um horário “decente” na Europa. Em relação à costa leste dos EUA, onde ficam cidades como Nova York e Miami, a maior parte da Europa está a seis horas de diferença (Inglaterra e Portugal estão um pouquinho mais “perto”, a cinco horas). Em relação à costa oeste, são nove horas na frente (oito para Londres). É muita coisa.
Questionada pela reportagem do UOL, a Fifa nega a questão comercial e diz que “a principal prioridade é a saúde de todos os envolvidos no futebol, e os especialistas médicos da entidade têm mantido contato regular com os clubes participantes da Copa do Mundo de Clubes da Fifa 2025 para tratar do gerenciamento do calor e da aclimatação. A Fifa também destacou oficiais médicos nos estádios que atuam em estreita cooperação com as autoridades médicas locais para lidar com questões de saúde importantes, incluindo o controle das altas temperaturas.”
A maior parte das partidas têm tido um curto intervalo para hidratação, por volta dos 30 minutos do primeiro e do segundo tempos. Mas foram registradas até agora poucas ações de combate ao calor dentro ou fora dos estádios, como distribuição de água ou coisas do tipo. E a Fifa se apoia na regra recente das cinco substituições, que na realidade entrou em jogo em função da pandemia, como se fosse uma ação de combate ao desgaste físico gerado pelas altas temperaturas.
“Os torcedores podem levar garrafas plásticas reutilizáveis, vazias e transparentes, com capacidade de até um litro para dentro dos estádios. Em locais onde as temperaturas forem extremas, as autoridades locais poderão implementar medidas adicionais, como alertas de hidratação por meio dos alto-falantes do estádio, ônibus climatizados e estações de água. Além disso, em coordenação com a Organização Mundial da Saúde, dicas para “enfrentar o calor” serão compartilhadas com todos os portadores de ingressos”, afirma a Fifa.
A reportagem do UOL presenciou antes do jogo do Palmeiras contra o Al Ahly, às 12h locais em Nova Jersey, a ativação de sprays de água do lado de fora do estádio para refrescar o público. Acessórios como protetor solar e chapéus ou bonés têm se tornado obrigatórios nas partidas. E algumas cenas curiosas têm se dado, como o esvaziamento de determinados setores de arquibancadas durante o intervalo, com o público se deslocando para fugir do sol.
“Obviamente está muito difícil com o calor, as condições, os treinamentos foram bem secos depois de um tempo, então, sim, você tem que se adaptar para o clima”, comentou Phil Foden, do Manchester City. “Tem que jogar em todos os horários. Aqui o torneio é assim, mo horário que for para jogar, é fazer o melhor e nada mais”, conformou-se Facundo Torres, uruguaio do Palmeiras.
O técnico do Chelsea, o italiano Enzo Maresca, usou o calor como desculpa para mexer no time que enfrentou e perdeu do Flamengo nesta sexta, na Filadélfia. Depois da partida, disse que aproveitou para fazer testes no time pensando na temporada que vem.
Alguns outros jogadores tentam ver o lado bom da situação. “Estamos acostumados com o calor. É um fator sim, eu tive dificuldades quando voltei ao Brasil, mas agora me adaptei. Espero que seja um fator a favor da gente”, falou o lateral Vitinho, do Botafogo.
“Pelo lado dos atletas, obviamente um jogo ao meio-dia ou com calor extremo, fisicamente a gente sente mais e talvez o espetáculo não seja da forma como todo mundo espera. Sempre é bom ter atenção a isso, porque os jogadores são a coisa mais importante do futebol e precisamos estar bem fisicamente para fazer um bom espetáculo. Uma vez ou outra, jogar meio-dia, não vejo problema. Mas que não seja recorrente”, opinou Alex Telles.
Flávia Magalhães, médica do esporte com passagens pela seleção brasileira e que trabalha com futebol há mais de 20 anos, falou ao UOL que “a atuação de jogadores de futebol em ambientes de altas temperaturas, geralmente acima de 30°C, impõe um estresse fisiológico e metabólico significativo, que pode comprometer tanto a performance quanto a segurança deles. Sob essas condições, o organismo passa a enfrentar múltiplas alterações adaptativas com o objetivo de manter a homeostase térmica e funcional.”
“Há um aumento progressivo da temperatura corporal central, que pode atingir valores superiores a 39°C durante partidas intensas. Para compensar esse aumento térmico, o corpo promove vasodilatação periférica, redirecionando o fluxo sanguíneo para a pele, com o objetivo de dissipar calor por meio da sudorese e da convecção. No entanto, esse mecanismo reduz o fluxo sanguíneo destinado à musculatura esquelética ativa, o que pode comprometer a oxigenação tecidual e a capacidade de produção de força muscular”, complementou.