
A esplanada do Parque Ecológico da Pampulha, em Belo Horizonte, propicia a prática de atividades esportivas e de lazer. Foi nesse sentido que Rafael Estevam, ex-lateral-esquerdo de América, Caldense, Uberlândia e outros clubes, começou a usar a experiência no futebol para auxiliar jogadores a melhorar o desempenho. Desde 2022, ele está à frente do projeto “CT R6”, que atende tanto atletas profissionais que estão sem time quanto quem apenas deseja aprimorar os aspectos físicos e técnicos para se destacar nas peladas com os amigos.
Os treinos no Parque Ecológico da Pampulha ocorrem duas vezes na semana, às terças e quintas-feiras, das 9h às 10h30. Nos encontros, os jogadores trabalham primeiramente a parte física e depois vão para o coletivo. Além das diversas bolas, equipamentos como pratos, cones, elásticos, hastes e uma fita para delimitar as linhas do campo são utilizados nas sessões. Rafael desafia os participantes a irem ao limite, dentro das condições de cada um. O suor e o cansaço no apito final mostram que todos tentaram dar o seu melhor.
O No Ataque acompanhou uma manhã de treinos coordenados por Rafael Estevam, que encerrou a carreira no Uberlândia, em 2018, e cursou educação física na Unopar de 2019 a 2022 por influência da esposa, Thyara Lana, que também tem formação na área e é professora em escolas. Aos 36 anos – completará 37 em 26 de abril –, o ex-lateral ainda tem uma escolinha de futebol para crianças e segue ativo no mundo da bola disputando torneios amadores, como a Copa Itatiaia. À reportagem, ele contou como surgiu a ideia de transmitir seu conhecimento para quem vive do esporte ou o enxerga como recreação.

“Estou fazendo esse trabalho desde 2022. Começamos meu filho e eu. Fiz um treino com meu filho de cinco anos e filmei. A partir disso, amigos começaram a me procurar interessados no treino, foi crescendo e tomou uma proporção muito grande. Começamos com quatro a seis atletas. Hoje há treinos com 25, 28 a 30 atletas treinando simultaneamente no parque”
“Minha esposa é professora de educação física. Antes mesmo de eu parar de jogar, ela já me incentivava e me motivava a estudar também. Ela sempre falava comigo: ‘Rafa, sua mente vai abrir ainda mais quando você fizer o curso de educação física’. Então, iniciei a faculdade de educação física em 2019. Foram quatro anos estudando e aprimorando ainda mais a parte teórica. A prática já tinha vivenciado com meu tempo de carreira de futebol. Agregando as duas coisas, ficou perfeito. Comecei esse projeto aqui no parque e graças a Deus vem dando certo. Atendo atletas profissionais que estão sem clube e atletas amadores. Estou muito feliz por esse trabalho que tem dado resultado. Temos um atleta que está no Ituano e treinava aqui há pouco tempo”.
Rafael Estevam, em entrevista ao No Ataque
Parceria entre jogadores profissionais e amadores
No Parque Ecológico da Pampulha, atletas amadores têm a oportunidade de dividir espaço e trocar ideias com os profissionais. Inclusive, alguns ex-jogadores de grande relevância treinam com Rafael Estevam. São os casos de Geovanni, autor do gol do Cruzeiro na final da Copa do Brasil de 2000, contra o São Paulo; Euller “Filho do Vento”, ídolo de América, Atlético, Palmeiras e Vasco; e Ramon, que surgiu no Coelho e teve boas passagens por Grêmio e Goiás.
Na leva de ex-jogadores está o ex-meio-campista Samuel Alves, de 33 anos, que começou na base do Atlético, profissionalizou-se no Araxá e atuou por Goiás, Ceará, Atlético-GO e times da terceira e quarta divisões de Portugal e do Japão. Aposentado do futebol desde 2021, ele se dedica à gestão de carreiras de jogadores em parceria com dois empresários de renome em Minas Gerais: Ehler Pessoa e o ex-volante Sandro Duarte, que defendeu o Cruzeiro de 2003 a 2008 e foi campeão da Tríplice Coroa.
“Quando parei de jogar, vim fazer esse trabalho com o Rafa. É sensacional para quem quer manter a forma. Às vezes o cara está um pouco mais ‘cheinho’, quer perder e ter um condicionamento legal. Agrega em vários fatores: no físico, na técnica. É bem interessante”.
Samuel Alves, ex-jogador de futebol

Com relação aos jogadores em atividade, o CT R6 recebeu Patrick Vieira, cria da base do América que passou por times de Portugal, entre os quais Marítimo, Vitória de Setúbal e Santa Clara. O lateral-direito de 34 anos fez parte do elenco do Betim no Campeonato Mineiro de 2025. Outro atleta é Gustavo Souza, de 23 anos, contratado pelo Ituano para disputar o Paulistão A2 e a Série C do Campeonato Brasileiro. Revelado no Internacional, o meia representou o FK Valmiera, da Letônia, em 2023 e 2024.
Dos jogadores de várzea, os mais conhecidos no time de Rafael Estevam são Macapá, figurinha carimbada na Copa Itatiaia e no Torneio Classista de Betim, e Victor Rafael, que fez parte de equipes profissionais de Minas Gerais, entre as quais Democrata-SL, Athletic e Patrocinense.
“Esses caras conseguem treinar com os atletas profissionais e até mesmo com ex-atletas. Um exemplo muito bacana é o Geovanni. Campeão da Copa do Brasil com o Cruzeiro fazendo gol na final, Barcelona, Benfica, Manchester City e treina com essa galera que tem a perspectiva de apenas melhorar o condicionamento físico e a saúde. Isso é muito interessante e importante”, destacou Rafael.
“Claro que em algumas sessões de treinamento eu consigo dividir para aumentar o nível dos atletas que vêm com um potencial maior e mais capacidade física. Mas, num todo, conseguimos agregar todos, principalmente na parte coletiva, de jogos de seis contra seis, oito contra oito. Tenho certeza que os atletas profissionais, os amadores e os que querem melhorar a parte física, têm espaço aqui no parque ecológico”, completou o ex-jogador.

Futebol de várzea também é fonte de renda
Nos últimos anos, o futebol amador elevou o nível de competitividade devido ao envolvimento de ex-jogadores profissionais. A presença desses atletas nos campos atrai as comunidades e, consequentemente, mobiliza o apoio financeiro. A reportagem soube por diferentes fontes que um atleta de bom nível chega a receber de R$ 8 mil a R$ 10 mil por mês na várzea – cifras que superam grande parte dos salários pagos por times da Série D do Campeonato Brasileiro.
“O futebol amador evoluiu em todos os aspectos. Financeiro e de treino. Antigamente, o jogador de futebol amador não treinava durante a semana. Normalmente, ele pegava a chuteira no fim de semana e ia jogar. Hoje, há a consciência de que se o cara não se preparar bem durante a semana, não será valorizado financeiramente e esportivamente. Não conseguirá jogar se não estiver preparado”, disse Estevam, que apontou a necessidade de o atleta de várzea manter uma vida regrada.
“O futebol amador exige isso hoje, pois está proporcionando retorno financeiro aos jogadores. Os donos dos clubes cobram esse profissionalismo dentro do futebol amador. O que fazemos dentro dos treinamentos reflete no fim de semana. Não apenas os treinamentos aqui no CT, mas com academia, alimentação e sono. Quem cuida de tudo isso, tem resultado”.

Rafael jogou a Copa Itatiaia de 2024/2025 pelo Morro Velho, de Nova Lima. Contudo, ele se limita a uma partida por semana e a três torneios por ano, já que concilia com as atividades profissionais e o convívio familiar. “Dou aula como personal, tenho uma escola de futebol também, sou casado e pai de três filhos. Temos que priorizar algumas coisas, não dá para abraçar tudo”.
Samuel Alves, por sua vez, classificou como uma espécie de “semiprofissional”. “Vários atletas de 20, 21 anos veem que continuar tentando no profissional talvez vai ser um murro em ponta de faca. Aí ele pensa: ‘Eu vou para a várzea, porque talvez vou ganhar mais’. Clubes do interior têm que fazer de tudo para continuar existindo, pagar um salário e não conseguem cumprir com o que foi combinado. Na várzea, tem sido um atrativo a mais, porque se não cumprir, o cara vai jogar em outro time”.
Jovens sonham com o sucesso
No “elenco” do CT R6 há jovens que sonham alto. Um deles é Kauan Pereira, de 20 anos, sem clube desde a saída do América, em janeiro deste ano. O jovem tomou conhecimento dos treinos no parque por intermédio do pai, Manoel Fonseca, que caminhava no local e se interessou pela metodologia. Manter a forma física sob as orientações de Rafael Estevam se tornou uma boa opção enquanto o meio-campista, que defendeu o Vasco de 2018 a 2022, aguarda a transferência para o futebol europeu.
“Caminhando pelo parque, meu pai ficou observando o nível de treino e viu um potencial enorme para me ajudar a manter o preparo físico para chegar bem ao próximo clube. Ele chegou em casa falando da oportunidade de treinar com ele. Há mais de um mês estou com o Rafael. Estou me sentindo bem fisicamente. Quando cheguei, estava um pouco abaixo, devido ao tempo em que fiquei em uma mini férias. Fui ao Rio de Janeiro aproveitar e ver minha namorada, que é nutricionista e está me ajudando nesse processo. São minha base de incentivo e ensinamento. Tenho que agradecer a Deus e aos meus pais, que correm bastante atrás.”

Natural de São Gonçalo do Amarante, a 21 quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte, Kauan saiu de casa cedo, aos 13 anos, para jogar no Vasco. Passados sete meses, os pais e o irmão do atleta deixaram o Nordeste e foram morar no Rio de Janeiro. Quando o meia se mudou para Belo Horizonte, onde vestiu a camisa do América, a família veio junto.
“Deixou de ser um sonho só meu e passou a ser o sonho da minha família. Sou muito grato pelos pais que tenho, porque poucos têm a coragem de largar tudo que têm e correr atrás do sonho do filho. Meu pai tinha empresa em Natal, minha mãe também trabalhava. Eles largaram tudo para me oferecer o suporte que eu precisava naquele momento. Se não fosse por eles, não estaria mais no futebol. Eles me deram a estrutura necessária para que eu continuasse.”.
Kauan Pereira, ex-meia de Vasco e América
Por ter assinado o primeiro contrato profissional aos 16 anos, Kauan pôde ajudar a família a adquirir um carro mais novo. O pai, que tinha uma empresa de jardinagem em Natal, trabalha como motorista de aplicativo em BH e treina com o filho no CT R6. A mãe é auxiliar de cozinha em um restaurante.
Já Gabriel Felipe, volante de 18 anos, mudou-se ainda bebê de Várzea da Palma, no Norte de Minas Gerais, para Belo Horizonte. Morador do bairro São José, próximo à Avenida Tancredo Neves e ao Anel Rodoviário, o garoto deu seus primeiros toques na bola em um projeto social. Aos 15 anos, foi jogar no Santa Cruz, clube formador da capital, e disputou vários torneios de base.

Em dezembro de 2023, Gabriel lidou com a morte do pai, porém se apegou à fé em Deus para não desanimar do futebol. No ano seguinte, o atleta treinou em três times do Rio de Janeiro – Sampaio Corrêa, Boavista e Campo Grande. Por causa de uma lesão, retornou a Belo Horizonte, mas já se recuperou e está novamente em condições de jogo. Tanto que participou de uma partida do CT R6 contra o sub-20 do Betim Futebol, na Arena Vera Cruz.
Ao falar da perda do pai, Gabriel citou o apoio de um profissional da comissão técnica do América, o massagista Silvio Nunes, que se tornou seu grande incentivador no futebol. “Meu maior sonho era que meu pai pudesse me ver jogar. Tenho certeza de que ele não gostaria que eu parasse agora. Minha família me deu total apoio, minha mãe sempre esteve comigo. E Deus colocou o Sílvio na minha vida, justamente por causa disso. Tenho como um pai agora”.
Trajetória de Rafael Estevam

Formado na base do América, Rafael Estevam jogou sete partidas pelo time principal em 2009. Posteriormente, passou por Tupi, Francana (SP), Uberaba, Guarani, Caldense, Nova Iguaçu, América de Natal, Sampaio Corrêa, Cuiabá e Uberlândia. O lateral-esquerdo tinha como pontos fortes o chute de fora da área e a precisão nos cruzamentos.
À frente do CT R6 – alusivo à letra inicial do nome de Rafael e ao número geralmente utilizado por quem joga como lateral-esquerdo -, o ex-atleta fez um convite para quem quer evoluir no futebol.
“Tenho o Instagram do Centro de Treinamento R6. Fica o convite para quem joga futebol amador ou profissional, está sem clube e quer melhorar fisicamente e tecnicamente. O pessoal que cuida do parque ecológico está de parabéns. Nos oferece uma oportunidade incrível de, no meio de uma cidade grande, como Belo Horizonte, ter esse espaço para fazer os nossos treinos”.