ENTREVISTA ESPECIAL

Nelinho faz 75 anos: um bate-papo com o grande ídolo em comum de Cruzeiro e Atlético

Um dos maiores batedores de falta da história do futebol, Nelinho revisita carreira por clubes mineiros e Seleção Brasileira

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Se há algo que cruzeirenses e atleticanos hão de concordar é que Nelinho é o maior lateral-direito dos dois clubes. Terror dos goleiros adversários com seus potentes chutes em cobranças de falta nas décadas de 1970 e 1980, Manoel Rezende de Matos Cabral completa 75 anos neste sábado (26/7) e curte uma vida tranquila em Belo Horizonte.

Casado, pai de três filhas e avô de cinco netos, ele administra há quatro décadas uma academia que leva o nome da esposa, Wanda Bambirra, no bairro Sion, Região Centro-Sul de BH. Foi no espaço destinado à prática de musculação, natação, balé, yoga, artes marciais e outras modalidades que o grande ídolo em comum de Raposa e Galo recebeu a reportagem do No Ataque em um bate-papo de quase duas horas.

Filhos de imigrantes portugueses, Nelinho nasceu no Rio de Janeiro em 26 de julho de 1950. Na base, foi volante de Olaria e Fluminense. No profissional, virou lateral e jogou por America-RJ, Bonsucesso, Barreirense (Portugal), Deportivo Anzoátegui (Venezuela) e Remo antes de chegar ao Cruzeiro, em 1973. Foram nove anos na Toca – interrompidos por uma breve passagem pelo Grêmio, em 1980. Em 1982, transferiu-se para o Atlético, onde permaneceu até 1988, quando se aposentou.

Nelinho ajudou a revolucionar a posição numa época em que os laterais iam pouco à linha de fundo. Os treinos para aprimorar a finalização lhe proporcionaram aproximadamente 180 gols em duas décadas. Pelo Cruzeiro, foram 105 em 411 jogos. No Atlético, 52 em 274 partidas. Na Seleção Brasileira, anotou sete tentos em 28 aparições. O defensor também balançou a rede por Grêmio (2), Seleção Mineira (3), Deportivo Anzoátegui e Bonsucesso (sem informações detalhadas).

Nelinho é o maior ídolo em comum de Cruzeiro e Atlético - (foto: Mauro Zallio/EM/D.A Press e Arquivo/EM D.A Press)
Nelinho é o maior ídolo em comum de Cruzeiro e Atlético(foto: Mauro Zallio/EM/D.A Press e Arquivo/EM D.A Press)

ENTREVISTA COM NELINHO

Por que Manoel tem o apelido de Nelinho?

“Por tradição, porque minha família toda é portuguesa. De brasileiro têm eu, minha irmã e um primo. Quando eu nasci, minha mãe escolheu uma amiga que morava aqui, uma portuguesa, para que me batizasse. Por tradição de Portugal, quando você escolhe um padrinho para seu filho, é porque você gosta também do nome dele. Se o nome dele é Joaquim, o seu vai ser Joaquim. E o do meu padrinho era Manoel.”

“A minha madrinha, esposa dele, falou com a Rosa, minha mãe, para botar o meu nome de Manoel. Mas como o meu pai também se chamava Manoel, vai ficar Manoel demais, então a gente já coloca Nelinho”.

“Por que Nelinho? Porque Nelinho é o diminutivo de Manoel lá em Portugal. Já sai batizado como Manoel e apelidado como Nelinho. E assim ficou”.

No Ataque com Nelinho: assista à entrevista

Como foi a vinda da família para o Brasil?

“Meu pai veio na época da Segunda Guerra Mundial para trabalhar aqui e deixou minha mãe lá, eles já namoravam. Ele ficou aqui uns 10 anos trabalhando. Quando deu uma melhorada, ele se casou com minha mãe e trouxe ela. Minha mãe já veio grávida no navio, acabei nascendo aqui”.

“Depois veio uma irmã da minha mãe, dois primos já tinham nascido em Portugal, e o terceiro nasceu aqui e permanecem até hoje. Minha família só tem isso. Meus tios e outros primos continuam no Norte de Portugal. Eu já estive lá, os conheci”.

“Eu joguei em Portugal por seis meses (representou o Barreirense na temporada 1970/71). Nessa época, foi a primeira vez em que tive a oportunidade de conhecer minha avó – meu avô já havia morrido”.

“Tenho três sobrinhos no Rio de Janeiro. Do meu lado, tenho três filhas e cinco netos. O que nos resta é isso, aproveitar a vida e a família”.

Quando tinha 20 anos, Nelinho jogou a Liga Portuguesa pelo Barreirense

Conte-nos como desenvolveu a técnica para chutar bola tão forte…

“Eles costumam dizer que a bola hoje é diferente, mais leve. Não existe isso. A bola pesa a mesma coisa, não sei quantas libras. A verdade é que a bola de antigamente e a atual pesam a mesma coisa. Qual é a diferença? É o material da bola”.

“Quando eu comecei a jogar pelada, era de couro. Então, quando chovia, ficava encharcada e aí sim passava a pesar mais. Era diferente. Hoje, pode chover o que quiser que a bola não muda nada. A bola, o material que ela é feita, a resistência ao ar, são diferentes”.

“Morei em Olaria desde os meus seis anos. Do lado do campo do Olaria tinha uns 10 campos de futebol gramado pela natureza. E cada campo tinha um cara responsável para dar manutenção. Esse cara cobrava uma taxa dos times que iriam jogar no fim de semana uma taxa. Ele sobrevivia assim”.

“Durante a semana, quando estava com tempo livre, ia com os amigos para esses campos. Às vezes não tínhamos o número suficiente para fazer um time contra o outro. Então, a gente ia para a baliza e ficava jogando dupla. Você chuta de fora, se der rebote, dribla e faz o gol. Eu gostava de ficar batendo na bola”.

Nelinho - (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A. Press)
Ex-lateral Nelinho(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A. Press)

“Quando cheguei à base do America-RJ, gostava de ficar batendo na bola quando terminava o treino. Levei isso até chegar no profissional, principalmente no Cruzeiro. Quando acabava o treino, ficava lá uma, duas horas. Eu pegava a bola, colocava no córner do lado direito, afastado uns dois metros para fora do campo. Dali, eu chutava para o gol fazendo curva. Ia entrando para dentro do campo, chegava ao bico da grande área, na intermediária, ia parar lá do outro lado. Aí já estava chutando com o lado interno do pé”.

Nelinho, sobre a técnica para chutar a bola

“Os caras acham que eu sempre bati com o lado de fora do pé. Mas não é. É com o peito do pé, só que eu dava um jeito com o peito do pé de fazer a curva. Isso foi me dando um nível de acerto muito grande. Isso era importante”.

A precisão nas cobranças de falta

Com base no Almanaque do Cruzeiro, no site O Canto do Galo e em vídeos disponíveis no YouTube, o No Ataque catalogou 65 gols de falta de Nelinho (40 pelo Cruzeiro, 18 pelo Atlético, cinco pela Seleção Brasileira e dois pelo combinado Galo/Raposa).

Entretanto, o ex-jogador afirmou ter marcado em tiros livres por Bonsucesso, Deportivo Anzoátegui e Seleção Mineira, o que leva esse número a ser maior. Nelinho também batia pênaltis e arriscava chutes de longe com a bola rolando.

“Não que eu fizesse gol em toda falta, mas o goleiro ficava com uma preocupação muito grande porque ele sabia que a bola iria no gol. Era raríssimo a bola ficar na barreira. Era mais fácil ir para fora, perto do gol, do que bater na barreira. Ele (goleiro) ficava: ‘ele vai chutar onde? Na direita, na esquerda?’. Porque eu batia de todos os jeitos”.

Nelinho em treino de cobranças de falta na Toca da Raposa - (foto: Arquivo EM - 28/02/1975)
Nelinho em treino de cobranças de falta na Toca da Raposa(foto: Arquivo EM – 28/02/1975)

“Meu índice de acerto no gol era tão grande que isso me fez ficar respeitado no meio de grandes batedores de falta do Brasil. E com isso eu fiz muitos gols. Esse índice de acerto nas faltas é pela quantidade de treinamentos que eu fazia”.

“O Cruzeiro às vezes tinha treino pela manhã, todo mundo liberado para o dia seguinte. O diretor que me trouxe, Carmine Furletti, eu falava para ele: ‘estou querendo ficar à tarde para treinar’. Ele falava: ‘pode ficar’. Mandava ficar um cozinheiro e um rapaz para pegar bola para mim.”

“Eu almoçava, descansava e ia para o campo lá para 15h, 16h. O cara ficava pegando bola para mim e eu chutando com e sem barreira, chutando com bola parada e rolando. Treinava tudo. Mandava ele rolar da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, de frente. Eu treinei muito”.

Nelinho

O problema no quadril que pode ter “ajudado”

“Recentemente, eu tive uma notícia que pode esclarecer a forma como eu batia na bola e nunca me deu problema. Eu fiz um exame com um médico especialista em quadril. Quando ele viu minha ressonância magnética, falou: ‘você tem um problema no quadril que talvez explique a maneira como você batia na bola e nunca teve problema’.”

“Ele começou a fazer mais ou menos os movimentos que eu fazia e explicando o porquê. ‘Se você fosse um cara normal, não conseguiria bater na bola como você bateu a vida inteira. Talvez isso explique por que outros jogadores não conseguiam treinar como você treinava’.”

“Então, talvez essa realmente seja essa explicação, porque eu colocava a bola para bater, me posicionava como se eu fosse bater com a parte interna do pé, e quando eu chegava na bola eu virava e batia ao contrário. Como o cara consegue fazer isso se não tem problema de joelho nem nada? Essa foi a explicação mais lógica que eu escutei. Eu pensava que era porque treinava muito e acostumei meu corpo a fazer esse tipo de movimento”.

O golaço anulado em Remo x Atlético

Antes de jogar no Cruzeiro, Nelinho disputou o Campeonato Brasileiro de 1972 pelo Remo. O lateral-direito do time paraense era Aranha, que conquistou a Bola de Prata graças à sua força defensiva.

Em um jogo contra o Atlético, em 26 de novembro, Aranha se machucou. Acionado, Nelinho fez um golaço de rebote de escanteio, mas a arbitragem deu impedimento – deixando espantado até mesmo Dario, icônico centroavante do Galo. A partida terminou empatada por 1 a 1.

“Quando eu fui para o Remo, o Campeonato Carioca havia acabado. Eu jogava no Bonsucesso, fiz dois gols de falta contra o Botafogo. Quando terminou, o Botafogo mandou um recado para eu me apresentar. Só que quando cheguei no vestiário eu tirei minha chuteira e meu pé estava todo ensanguentado.”

“Eu levei um bico no calcanhar que teve uma abertura de uns cinco centímetros. Tive que levar ponto. Mandei um recado avisando que não poderia por causa desse problema, perguntando se poderia me apresentar depois, e eles falaram que não.”

“Nisso, vários jogadores do Bonsucesso foram contratados pelo Remo, o campeonato já estava no meio para o fim. Eles estavam precisando de um jogador, e os meninos falaram, ‘tem um rapaz lá, o Nelinho, que é muito bom, pode trazer. Joga de qualquer coisa que vocês quiserem.”

Nelinho com as camisas de Remo e Cruzeiro - (foto: Revista Placar)
Nelinho com as camisas de Remo e Cruzeiro(foto: Revista Placar)

“Cheguei ao Remo do meio para o fim do ano como ‘curinga’. No antepenúltimo jogo, contra o Atlético, o Aranha se machuca no final do primeiro tempo. Quando chega no meio do vestiário, o treinador fala: ‘e agora, quem vou colocar?’ Os jogadores falavam: ‘pode colocar o Nelinho, já jogou de lateral’. Ele virou para mim e falou: ‘não tem outro, vai você mesmo.”

“No segundo tempo, tivemos um escanteio lá da esquerda. O cara bate, o Mussula sai, dá um soco na bola e ela vem para o meio de campo. Estávamos eu e outro zagueiro com o Dario (centroavante do Atlético). Fui ao encontro da bola e bati. Ela foi na gaveta. Mas o juiz anulou o gol porque o nosso ponta-direita estava caído no escanteio da direita. Deu impedimento. Aí o Dario falou assim: ‘você é louco, rapaz? Como você anula o gol desse menino?’

Nelinho

Quem jogava no Atlético na época era Bibi, filho do histórico meio-campista Didi, lenda da Seleção Brasileira nas Copas do Mundo de 1958 e 1962. Colega de Nelinho na base do Fluminense, ele prometeu que falaria com Telê Santana, treinador alvinegro, para contratá-lo. Porém, a proposta não chegou.

O interesse do Cruzeiro

Já como titular, Nelinho parou o ponta-esquerda Lula no empate do Remo com o Fluminense (0 a 0). Na partida seguinte, diante do Cruzeiro (2 a 2), o lateral voltou a ter grande atuação, despertando o interesse do diretor de futebol celeste Carmine Furletti.

“Quando termina o jogo, o Furletti fala assim para o cara da imprensa do Pará: ‘quem é esse lateral-direito?’. Esse rapaz é carioca e vai ser liberado no final do ano’. ‘Ah não, fala com ele para se apresentar no Cruzeiro no início de janeiro’.”

“O Cruzeiro segue e vai jogar no Maracanã. Quando vai jogar lá, eu ligo para o treinador do Bonsucesso, o Amaro (ex-volante de Corinthians e Juventus, da Itália): ‘Gostaria que você fosse ao hotel do Cruzeiro e perguntasse para o Furletti se é verdade que ele tem interesse em mim’.”

“Ele foi e me deu o retorno: ‘É verdade, falou para você se reapresentar em 9 de janeiro de 1973.’ ‘Então está bom’. Eu não tinha nada, mas comprei a passagem de ônibus e vim. Tinha um supervisor do Cruzeiro me esperando, o Robson, e comecei a treinar.”

Nelinho em seu início no Cruzeiro - (foto: Arquivo EM/D.A Press - 24/06/1973)
Nelinho em seu início no Cruzeiro(foto: Arquivo EM/D.A Press – 24/06/1973)

Chapéu e caneta na saída de bola

Campeão da Taça Brasil de 1966, Pedro Paulo era um dos xodós da torcida do Cruzeiro devido ao grande poder de marcação. Trazer Nelinho, portanto, seria uma “ruptura” na maneira de jogar, já que o clube abriria mão de um lateral defensivo por um atleta da posição com ótima capacidade de finalização. Quando chegou a Belo Horizonte e fez as primeiras amizades, o jogador ouviu do atacante Roberto Batata os bastidores da preleção da Raposa antes daquela partida contra o Remo.

“O Pedro Paulo era um dos ídolos do Cruzeiro porque chegava junto, dava porrada. Mas não era habilidoso. Eu fumava três cigarros por dia, então parei de fumar. Cheguei no Rio, pegava ônibus e ia para zona sul treinar, correr na areia, sem fumar ou beber. Quando cheguei ao Cruzeiro, estava voando, e os caras voltando de férias. Quando começaram os coletivos, arrebentei e fui para o Campeonato Mineiro como titular”.

“Quando eu chego no Cruzeiro, o Roberto Batata me contou a história. Naquele dia, na preleção, o treinador fez o seguinte. O ponta-esquerda era o Lima, um jogador mais de articulação, voltava para compor o meio-campo, não era muito ofensivo. E tinha o Rinaldo, que era driblador. O técnico falou assim: ‘o lateral-direito que vai jogar não é o titular e não é da posição, ele é do meio-campo, então vou colocar um ponta ofensivo em cima dele que vamos ganhar o jogo’.”

“Começa o jogo, a bola sobrava para mim, os caras vinham me marcar, eu ameaçava dar um chutão e rolava devagar debaixo das pernas. Dentro da área, o cruzamento sobrava para mim, Dirceu Lopes vinha, eu dava um lençol nele e saia jogando. No intervalo, o comentário entre eles – isso o Roberto Batata me contando – era que ninguém queria me marcar quando eu estava com a bola. Eu arrebentei, foi por isso que o Cruzeiro quis me contratar.”

Nelinho
Nelinho em treino na Toca da Raposa 1 - (foto: Arquivo EM/D.A Press - 06/11/1973 )
Nelinho em treino na Toca da Raposa 1(foto: Arquivo EM/D.A Press – 06/11/1973 )

Cem mil cruzeiros do Cruzeiro

“Quando eu cheguei a Belo Horizonte, o Furletti, estava de férias. Quem veio falar comigo foi o Edmundo Lambertucci, um cara duro para fazer negócio. Ele quis me enrolar. Eu falei: ‘então não vou ficar, vou embora’. Ele falou: ‘faz o seguinte, espera o Furletti chegar que aí você acerta com ele”.

“Ligaram para o Furletti e ele veio. Fizemos uma reunião. Sei que na época eu assinei o contrato de um ano e falei que no final do ano queria 100 mil cruzeiros. No campeonato nacional eu já estava arrebentando, o Internacional já queria me contratar. Chegou a data, e nada de dinheiro. Aí eles chegaram e falaram, no fim do dia: ‘Nelinho, vem cá’. Em um posto de gasolina, me deram um embrulho com o dinheiro vivo.”

Corrigidos pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), os 100 mil cruzeiros recebidos por Nelinho no fim de 1973 equivaliam a R$ 576 mil em junho de 2025.

As finais do Brasileirão em 1974 e 1975

O Cruzeiro foi vice-campeão brasileiro em duas edições consecutivas. Em 1974, perdeu a final para o Vasco. No ano seguinte, foi derrotado pelo Internacional.

“Cruzeiro x Vasco foi um dos maiores roubos que vi na vida”.

Nelinho
Jorginho Carvoeiro comemora segundo gol do Vasco contra o Cruzeiro - (foto: Arquivo Estado de Minas - 01/08/1974)
Jorginho Carvoeiro comemora segundo gol do Vasco contra o Cruzeiro(foto: Arquivo Estado de Minas – 01/08/1974)

Vasco e Cruzeiro se enfrentaram no Maracanã, no Rio de Janeiro, no dia 1º de agosto de 1974. Tratava-se de um jogo extra, já que as equipes empataram em número de pontos no quadrangular final, à frente de Santos e Internacional.

O Cruzeiro tinha direito de jogar no Mineirão por ter feito melhor campanha na primeira fase. Contudo, houve um episódio em que o técnico celeste, Ilton Chaves, agrediu o árbitro Sebastião Rufino em razão de um suposto pênalti não marcado em Palhinha no duelo do dia 24 de julho. Assim, o mando de campo foi invertido, e o Vasco teve a vantagem de atuar no Maracanã.

O Vasco abriu o placar com Ademir, aos 14 minutos do primeiro tempo. O Cruzeiro empatou aos 19 da etapa final: Perfumo deu o bote em Roberto Dinamite, Eduardo ficou com a bola e escorou para Nelinho, que soltou uma bomba ao seu melhor estilo no ângulo esquerdo do goleiro Andrada. No entanto, o Cruz-maltino passou novamente à frente do placar, em dividida de Jorginho Carvoeiro com o goleiro Vítor.

Vasco 2 x 1 Cruzeiro: os lances da final do Brasileirão de 1974

O Cruzeiro não desistiu e foi em busca do empate. Após um chute mascado de Dirceu Lopes, o volante Baiano buscou a bola quase na linha de fundo e fez o cruzamento. Sozinho na área, mas em posição legal, Zé Carlos correu em direção à redonda e marcou o gol de cabeça aos 44 minutos. Entretanto, o árbitro Armando Marques anulou sem apresentar qualquer justificativa.

“Sei que corri no bandeirinha e falei: ‘você deu impedimento?’. Ele falou: ‘não, corri para o meio-campo, eu dei gol’. ‘Mas o que ele deu?’ ‘Não sei, Nelinho.’ Ele (Armando Marques) nunca explicou isso, porque ele podia. Falar que errou, que deu falta, impedimento, qualquer coisa. Nunca. Se questionaram ele, nunca respondeu.”

Nelinho

Em outubro de 2012, o portal Superesportes entrevistou Armando Marques e perguntou sobre o gol anulado do Cruzeiro na final Brasileiro de 1974. O ex-árbitro disse que não se recordava. “Já apitei mais de mil partidas. Você acha que eu vou lembrar de um jogo em 1974?”. Marques morreu quase dois anos depois, em julho de 2014, aos 84 anos, por insuficiência renal.

Já a final de 1975, contra o Internacional, foi considerada justa por Nelinho. Apesar de o árbitro Wanderley Boschilia ter dado uma falta inexistente de Piazza – que originou o cruzamento de Waldomiro para o gol de Figueroa -, o ex-lateral-direito considerou um erro, e não uma manobra deliberada para prejudicar o Cruzeiro.

Veja o gol de Figueroa em Inter 1 x 0 Cruzeiro

“Nós falamos: ‘não foi nada’. Ele fala: ‘eu vi, foi falta’. Quando vai bater a falta, eu estou posicionado na trave da direita do Raul, o que era normal, para que o goleiro pudesse sair. Só que o Raul falou para eu sair, porque o Waldomiro cruzava forte de curva, e não daria tempo de ele chegar até a bola. Então ele me mandou disputar a bola de cabeça.. Eu saí dali. O Waldomiro realmente bateu daquele jeito, o Figueroa subiu, cabeceou, a bola bateu no pé da trave e entrou onde eu estaria”.

“Logo em seguida, houve um programa de televisão que dava o Bola de Prata para os melhores de cada posição. Eu fui escolhido o melhor dos laterais-direitos. O melhor árbitro da competição foi o Wanderley. Quando ele entrou, falou comigo: ‘eu vi várias vezes, não foi falta. Nunca mais eu dou falta para ele’. E ele era danado mesmo, peitudo. Reconheceu que não foi falta, mas não foi por maldade, ele errou, isso acontece”.

Nelinho, sobre a final do Brasileirão de 1975

Das chances que o Cruzeiro teve para empatar, uma foi em cobrança de falta de Nelinho. O camisa 4 chutou com muito efeito, porém o goleiro Manga, na experiência dos seus 38 anos, acompanhou o trajeto da bola até agarrá-la no canto esquerdo alto.

“Menos mal porque perdemos para um timaço. O Manga era excelente, pegou muito naquele dia. E nosso time fez uma grande partida. Poderia ter sido empate ou termos vencido porque criamos oportunidades”.

Vídeo: a defesa de Manga em chute de Nelinho

A ida à Copa Libertadores

Em meio às lamentações pelos vices no Campeonato Brasileiro, o Cruzeiro disputou três edições consecutivas da Copa Libertadores, dominadas à época por times da Argentina e do Uruguai.

Campeão em 1976 com o gol antológico de Joãozinho na final contra o River Plate, o time celeste foi vice em 1977 – perdeu para o Boca Juniors nos pênaltis – e esteve perto de avançar à decisão em 1975 – o Independiente, que viria a conquistar o título sobre a Unión Española, do Chile, liderou o grupo do quadrangular da semifinal no saldo de gols.

Jogo entre Cruzeiro e River Plate, no Mineirão, pela Libertadores de 1976

Nelinho falou das dificuldades de disputar a Libertadores naquela época. Classificavam-se para a competição apenas dois clubes por cada um dos 10 países filiados à Conmebol, além do campeão do ano anterior.

“Tem uma coisa que as pessoas não sabem. Ganhar a Libertadores hoje é mais fácil porque os grandes jogadores sul-americanos jogam fora. Os brasileiros conseguem, mediante força financeira, montar bons times, como Flamengo e Palmeiras, apesar de venderem jogadores jovens. A diferença técnica hoje é muito grande”.

Nelinho, campeão da Libertadores de 1976 pelo Cruzeiro

“Na nossa época, quando íamos jogar contra o Alianza Lima, era a base da Seleção do Peru; Cerro Porteño e Olimpia, do Paraguai; River e Boca, da Argentina; e assim por diante. E os times daqui não eram a base da Seleção Brasileira. O Cruzeiro tinha eu e o Piazza. Tínhamos bons jogadores, como o Dirceu Lopes, mas que não jogavam na Seleção porque haviam outros melhores que ele ou do mesmo nível.”

“Não tinha televisão, era só rádio. Não tinha exame antidoping. E a pressão quando jogávamos fora de casa? Jogavam bombas em cima de você, no vestiário, pedradas. Hoje não, hoje tem VAR, televisão ao vivo, os nossos times são melhores.”

Jogadores do Cruzeiro na chegada a BH após a conquista da Libertadores

No jogo contra o Sportivo Luqueño, pela fase de grupos da Libertadores de 1976, o árbitro uruguaio Omar Delgado deu pênalti para o time paraguaio depois de muita pressão dos jogadores – inicialmente, havia assinalado escanteio. Nelinho contou essa história para mostrar o quão os juízes eram tendenciosos para as equipes da casa.

“Tem um jogo em 1976, para você entender como era a arbitragem. Era um árbitro uruguaio, roubava demais. Tem uma jogada dentro da área nossa, com o Vanderlei, que ele deu corner. Botou a bola na marca do corner. Os jogadores ferveram com ele, discutindo que foi pênalti. Depois desse tempo ele pegou a bola e colocou na marca do pênalti, e aí nós fervemos com ele.”

O Cruzeiro começou perdendo para o Sportivo Luqueño com gol de pênalti de Benito Sandoval, mas virou para 3 a 1 no segundo tempo – gols de Roberto Batata, Nelinho (de falta) e Jairzinho.

O gol de Joãozinho na visão de Nelinho

Falta para o Cruzeiro aos 42 minutos do segundo tempo. Enquanto Nelinho se preparava para chutar, Piazza queria tocar para Palhinha. Nisto, Joãozinho, um jovem de 22 anos, aproximou-se da bola, apenas observando o movimento. Quando o goleiro do River Plate terminava de arrumar a barreira, o camisa 10 chutou de forma “irresponsável”, na gaveta. Era o terceiro gol celeste na vitória por 3 a 2, no Estádio Nacional de Santiago, no Chile.

Joãozinho em ação pelo Cruzeiro na final da Libertadores de 1976, contra o River Plate - (foto: Arquivo Estado de Minas - 21/07/1976)
Joãozinho em ação pelo Cruzeiro na final da Libertadores de 1976, contra o River Plate(foto: Arquivo Estado de Minas – 21/07/1976)

A história já foi mil vezes contada. Mas os cruzeirenses não se cansam de ouvir. Afinal, trata-se do gol mais importante do clube, que se consolidava como potência internacional. Antes do título da Libertadores de 1976, somente o Santos havia levantado o troféu entre os brasileiros.

“Com certeza (é o mais importante da história), porque foi uma coisa inusitada, que ninguém esperava ele bater a falta, ele bate e acerta daquele jeito. Quando termina o jogo, o Zezé Moreira chamou ele de irresponsável, não queria que ele voltasse com a delegação.”

Nelinho

Autor do primeiro gol do Cruzeiro em cobrança de pênalti – o segundo foi de Eduardo, em chute forte no ângulo direito -, Nelinho contou que o árbitro chileno Alberto Martínez reuniu os capitães antes do jogo e disse que faltas próximas à área só seriam autorizadas após o apito. Contudo, o River marcou o gol de empate no segundo tempo, com Alberto Urquiza, justamente em um passe de Alejandro Sabella enquanto os atletas dos dois times discutiam.

“Estávamos ganhando, e saiu uma falta um pouco longe. Está aquela confusão toda, o cara foi e rolou para o outro, que bateu e fez o gol. Nós corremos em cima dele, ‘mas o senhor não autorizou’. Não teve jeito”.

Lances de Cruzeiro 3 x 2 River Plate na Libertadores de 1976

Joãozinho usou da mesma malandragem dos argentinos para fazer o terceiro gol cruzeirense. Segundo Nelinho, o ponta-esquerda nunca tinha treinado cobranças de falta.

“Quando ele bateu, a bola entrou, o árbitro correu para o meio-campo e eu corri para abraçar ele. O Joãozinho nunca tinha treinado falta. Foi coisa de Deus mesmo. Comigo jogando, ele só bateu essa falta. O time todo ficaria puto se ele errasse, a direção, o torcedor. A falta ali era quase gol para mim, que batia muito bem. Ele foi o irresponsável que deu certo.”

“E o juiz ficou sem moral de voltar atrás porque ele permitiu o gol deles em uma falta que ele não autorizou e nós reclamamos muito. Agora, se ele anula porque não apitou, era demais. Mas a Libertadores era desse jeito. Quem ganhou antes de nós? Santos do Pelé, Coutinho, Pepe, era um timaço. E mesmo assim olha a dificuldade que foi para eles ganharem.”

A campanha do Cruzeiro na Libertadores de 1976 foi de 11 vitórias, um empate e uma derrota em 13 jogos. Dos 46 gols da equipe, 13 foram do artilheiro Palhinha. Nelinho marcou seis vezes.

O elenco chorou a perda de Roberto Batata, que morreu aos 26 anos, em 13 de maio, um dia depois da vitória sobre o Alianza Lima por 4 a 0. O atacante bateu o carro enquanto dirigia pela Rodovia Fernão Dias (BR-381) de Belo Horizonte para Três Corações, onde estavam a mulher e o filho pequeno.

A trajetória na Seleção Brasileira

O sucesso no Cruzeiro levou Nelinho a duas Copas do Mundo em sequência: 1974 e 1978. No primeiro torneio, ele foi convocado após ter disputado apenas dois jogos oficiais pelo Brasil e acabou sendo reserva de Zé Maria, que atuava no Corinthians.

O ex-lateral da Raposa entende que a decisão do técnico Zagallo foi justa. Ele citou a força de vontade do concorrente pela posição e as boas atuações pelo time.

Nelinho (centro) ao lado de Toninho Cerezo (esquerda) e Isidoro (direita) na Copa do Mundo de 1978 - (foto: Arquivo Estado de Minas)
Nelinho pela Seleção Brasileira ao lado de Paulo Isidoro, Toninho Cerezo, Amaral e Zé Sérgio(foto: Arquivo Estado de Minas)

“Quando o Zé Maria machucou, teve uma distensão na virilha, ele era o titular. Eu fui convocado só depois, estava na lista dos 40 e entrei. Logicamente, o reserva do Carlos Alberto seria o titular, que era o Zé Maria. Mas ele se machuca, e eu entro na primeira fase. O Brasil se classificou”, disse Nelinho, que disputou os três primeiros jogos como titular.

“Nisso, o Zé Maria fazia um tratamento na época que era de toalha quente, dentro de um balde de água fervendo, dá uma torcida e fica batendo em cima da contusão. A coxa dele estava em carne viva, toda vermelha. Eu pensei: ‘esse cara vai curar a distensão, mas vai queimar a perna e não jogará’”, prosseguiu.

“Mas ele fazia isso de madrugada. Era o dia inteiro. O esforço dele foi tão grande para poder jogar a Copa do Mundo que ele tinha que jogar mesmo. A atitude foi corretíssima. Mesmo porque ele voltou a jogar e foi muito bem”, completou.

Brasil ficou no quase duas vezes

Sem Nelinho, o Brasil venceu a Alemanha Oriental e a Argentina, mas foi eliminado na segunda fase com a derrota por 2 a 0 para a Holanda na última rodada daquela etapa. Um dos times mais icônicos de todos os tempos, o ‘Carrossel Holandês’ não contou só com a técnica naquele dia, conforme conta o ex-lateral.

“Veio esse jogo contra a Holanda, o Brasil teve duas chances claras, em que os caras tentaram fazer linha de impedimento e não conseguiram. O Paulo Cézar Caju e o Jairzinho chutaram, o goleiro ficou só olhando e a bola passou raspando a trave. Se faz 1 a 0 ali, podia ser”.

“Se vocês pegarem o vídeo do jogo, foi uma pancadaria. Os caras estavam dando no meio. Pancada, mas muito forte. Não sei como não machucou ninguém naquele jogo. No segundo tempo, eles fizeram 2 a 0. Esse jogo nos tirou da final. Nosso time não estava muito bem. A Holanda tinha um time melhor que o nosso”.

Lances de Holanda 2 x 0 Brasil na Copa do Mundo de 1974

Nelinho assistiu à derrota da arquibancada. Depois, ainda viu o Brasil perder por 1 a 0 para a Polônia na disputa do terceiro lugar. 

Em 1978, Nelinho ficou no banco para Toninho Baiano, que já havia trabalhado com o técnico Cláudio Coutinho, comandante da Seleção naquela Copa. Dessa vez, o ex-lateral de Cruzeiro e Atlético entendia que poderia ter sido mais utilizado. 

“E o jogo contra a Argentina, eu sempre classifico que foi um divisor de águas. A Argentina temia muito mais o Brasil do que qualquer outra seleção. Nesse dia, o treinador Cláudio Coutinho, achando que o jogo seria na pancadaria, tirou o Cerezo e colocou o Chicão. Tudo na pancada”. 

“Eu devia ser um dos jogadores daquela Seleção que os argentinos mais temiam. O meu passado na Libertadores contra os times argentinos eu cansei de fazer gols neles. Eles tremiam com o negócio de fazer falta. Eu entrando, eles iam parar de fazer falta. Nosso time teria condições de jogar mais. ‘Pô, se fizer falta, esse Nelinho vai bater. Não vamos fazer falta. Mas ele não me colocou”. 

Nelinho

Sem Nelinho, o Brasil empatou por 0 a 0 com a Argentina. Além dele, outros craques viram o resultado do banco de reservas, como os ex-meio-campistas Zico e Rivellino, que não estavam nas melhores condições físicas.

Na terceira rodada, Nelinho foi titular. E marcou um belo gol de falta na vitória por 3 a 1 sobre a Polônia. No entanto, o resultado não foi suficiente, pois a Argentina goleou o Peru por 6 a 0 e avançou à decisão pelo saldo de gols.

O golaço contra a Itália

Apesar da eliminação, Nelinho guarda uma lembrança especial daquela Copa do Mundo. Na disputa do terceiro lugar, contra a Itália, ele foi escalado novamente como titular e não decepcionou. 

Aos 19 minutos do segundo tempo, o camisa 13 da Seleção recebeu na direita, ajeitou e logo no segundo toque disparou uma bomba para vencer o goleiro Dino Zoff e empatar a partida. Depois, o Brasil virou para 2 a 1, com Dirceu, e ficou em terceiro.

Vídeo: o gol de Nelinho contra a Itália

“Eu gostava muito de chutar dali. Na linha de fundo, todo mundo cruzava. Eu gostava de chutar desse jeito. Houve outros gols de laterais-direitos que fizeram gols assim. O Maicon fez um gol em 2010. O Josimar fez dois gols na Copa de 1986.”

“O gol mais bonito que fiz foi esse. É Copa do Mundo. Não tem jeito. Eu fazia gol assim no Campeonato Mineiro, sem televisão, nem nada, aí não adianta (risos)”. 

Nelinho, sobre o gol contra a Itália

Rápida passagem pelo Grêmio

Depois desse jogo, Nelinho chegou a ser convocado em algumas oportunidades em 1980, mas encerrou a trajetória pela Seleção naquele ano mesmo.

Essa também foi a temporada em que o lateral trocou o Cruzeiro pelo Grêmio, ainda que de forma momentânea. A saída por empréstimo ao time gaúcho se deu por um desentendimento com o técnico Ilton Chaves na Toca da Raposa. 

“O Ilton Chaves reuniu todo mundo e começou a chamar atenção de várias coisas. Todo mundo calado escutando. Nisso o Marquinhos, beque central de Uberaba, fala não sei o quê com ele. Quando retrucou, ele (Ilton) falou: ‘pode levantar e sair’. O Marquinhos levantou e saiu. O que eu fiz? Levantei e saí junto. Sem falar nada. Não concordei. Saí sem falar nada”. 

“Quando estou indo embora para casa, no meu carro, liguei na rádio. Está o Ilton dando entrevista. ‘Não sei o quê, é um absurdo o que o Nelinho fez. A partir de agora, sou eu ou ele’. Falou isso na entrevista. Quando escutei aquilo, peguei meu carro, desviei e fui direto para a Cidade Industrial, onde o presidente do Cruzeiro, Felício Brandi, tinha uma indústria de macarrão”. 

Nelinho pelo Grêmio (primeiro à esquerda, em pé)

Insatisfeito com as declarações do técnico, Nelinho não deu tempo para que Felício Brandi escolhesse um dos dois e logo pediu para ser negociado. 

“Ele me perguntou: ‘o que houve, Nelinho?’. Eu respondi: ‘aconteceu isso, isso e isso. E ele deu entrevista agora dizendo que era eu ou ele’. Então, estou te falando que quero que seja eu a sair, e não ele. Se o senhor mandá-lo embora, eu ficarei com uma responsabilidade muito grande. ‘Pô, o Nelinho manda no time, faz o que quer’. Não quero isso não. Então o senhor me empresta”.

A passagem pelo Grêmio foi rápida. Nelinho disputou apenas 16 jogos oficiais e marcou dois gols. Neste período, ajudou o Tricolor Gaúcho a conquistar o estadual daquele ano. 

Troca pelo rival

A saída em definitivo do Cruzeiro aconteceria dois anos depois, mais uma vez por um atrito com um treinador. Dessa vez, a rusga já era antiga. 

Nelinho havia se incomodado com a postura de Yustrich após a final da Libertadores de 1977 e não quis permanecer no clube celeste com a volta do comandante, no início de 1982. 

Yustrich, ex-técnico do Cruzeiro - (foto: Arquivo/Estado de Minas)
Yustrich teve desentendimento com Nelinho(foto: Arquivo/Estado de Minas)

“O Yustrich era o treinador da final que perdemos nos pênaltis. Quando ele saiu, chutou o balde. Disse que quem o tinha colocado para fora eram Joãozinho, Raul e eu. Que o Joãozinho e eu éramos maconheiros, que eu era laranja podre no grupo, falou um monte de besteiras”. 

“Quando foi contratado, ele reuniu o time todo na Toca 1. Um círculo grande, com todos os jogadores sentados, e a imprensa atrás dos jogadores. Quando terminou, disse assim: ‘bom, agora, daqui só vão sair somente os jogadores e eu. Vamos para dentro do vestiário ter outra preleção’”. 

“Ele levantou e falou: ‘todo mundo de pé’. Ele saiu pela direita apertando a mão de jogador por jogador. Quando ele começou a andar aqui, eu andei lá. Ele foi andando, andando. Quando ele chegou ao lugar dele de origem, eu cheguei ao meu. Não dei a mão para ele. Todo mundo viu isso”.

Nelinho

Sem clima para permanecer no Cruzeiro, Nelinho recebeu uma proposta inimaginável da época para defender o maior rival, o Atlético. E a diretoria celeste, por entender que o então jogador poderia “contaminar” o ambiente alvinegro, decidiu vendê-lo. 

“Aí veio o Atlético, com o Ivo Melo (dirigente), que mais gostava de mim. Quando chegaram para fazer a oferta, aí tinha um diretor da época, junto com o Felício Brandi, que falou: ‘não, vamos vender, ele é líder negativo hoje. Vamos mandar para lá, pois ele vai acabar com o ambiente do Atlético’. Me venderam por 20 milhões de cruzeiros para pagar em 10 vezes, uma coisa assim”.

Chegada ao Atlético

Nelinho superou qualquer receio e assinou com o Atlético. Segundo ele, o clube o deu motivação para continuar no futebol. 

“Se eu não tivesse ido para o Atlético, minha carreira teria praticamente encerrado. O Atlético me deu uma motivação a mais para continuar jogando. Se eu tivesse ido para São Paulo ou Rio de Janeiro, não seria a mesma coisa”.

Nelinho durante clássico pelo Atlético - (foto:  Arquivo / EM/D.A Press)
Nelinho durante clássico pelo Atlético(foto: Arquivo / EM/D.A Press)

Mas o início não foi fácil. Acostumado a ser rival, Nelinho viu os companheiros o ignorarem durante alguns treinos. Tudo mudou quando ele se cansou e decidiu subir o tom na Vila Olímpica. 

“Nos treinos, quando começou, os caras não davam a bola para mim. Aí houve um treino em que eu apelei feio. E os torcedores disseram: ‘é isso mesmo, Nelinho! Põe ordem nessa casa!’. Rapidamente, fiz amizade com todo mundo. Paulo Isidoro, Cerezo, o Reinaldo então, pô, é uma dama. Éder, Luizinho… já me enturmei. E aí comecei a jogar bem e a fazer gol. Aí acabou. Foi a minha sorte”.

A amizade com os novos colegas fluiu tão bem que, ao passar do tempo, Nelinho e Éder “discutiam” para decidir quem iria cobrar as faltas. 

“A gente brigava, mas era para o outro bater. Já viu isso? Ele falava: ‘bate aí’. Eu dizia: “não, bate você”. Houve uma ocasião em que foi pênalti. Quando saiu o pênalti, eu não fui, fiquei quieto atrás. Aí o Eder foi. Bateu e perdeu. O jogo estava 0 a 0. No segundo tempo, outro pênalti a nosso favor. Ele disse: ‘mas não vou mesmo, de jeito nenhum. Você vai lá’. Daí bati e fiz o gol. E ganhamos o jogo”.

Nelinho sobre amizade com Éder
Éder Aleixo ao lado de Nelinho em evento em 2002 - (foto: Arquivo/Estado de Minas)
Éder e Nelinho durante evento em 2002(foto: Arquivo/Estado de Minas)

Nelinho supera barreiras e vira ídolo do Galo

O ex-lateral superou qualquer desconfiança que poderia ter tido por parte da torcida e logo se tornou ídolo do Atlético. No primeiro ano, já ajudou o time a conquistar o último dos seis Campeonatos Mineiros em sequência. 

As campanhas no Brasileiro também foram boas. Ainda que sem títulos, o Galo chegou às semifinais em três anos com Nelinho no time.

Em 1983, caiu para o Santos após derrota por 2 a 1, na ida, e empate sem gols, na volta. Duas temporadas adiante, foi eliminado pelo Coritiba: revés por 1 a 0, no primeiro jogo, e empate por 0 a 0, no segundo. 

“Dentro do Mineirão, era ganhar de 1 a 0 e ir para a final contra o Bangu. Fizemos um gol, o juiz anulou, ninguém sabe o porquê, terminou 0 a 0. Aí o Coritiba ganhou, foi para a final e conquistou o título contra o Bangu”.

Nelinho disputou 274 jogos pelo Atlético - (foto: Divulgação/Atlético)
Nelinho disputou 274 jogos pelo Atlético(foto: Divulgação/Atlético)

Na temporada seguinte, o Atlético não conseguiu superar o Guarani na mesma fase da competição. “Jogamos aqui dentro, empatamos por 0 a 0. Fomos lá, tínhamos que ganhar. A gente vai e faz 1 a 0. Depois, o Rinaldo, um brancão, dentro da pequena área, com a bola dominada, chuta e o goleiro pega. Aí eles viraram o jogo para 2 a 1 e fizeram a final contra o São Paulo (que se sagrou campeão)”, relembrou Nelinho.

“Três semifinais que eram para ser decididas no Mineirão e não conseguimos. Era um timaço. Nunes, Zenon, Renato Pé Murcho, era um timaço. São coisas do futebol. Tem hora que não tem jeito”. 

Nelinho

Apesar de bater na trave nas competições nacionais, Nelinho se tornou ídolo do Atlético e ainda conquistou os títulos do Mineiro de 1985 e 1986.

O pós-carreira

Nelinho encerrou a carreira em 1988, aos 37 anos. O jogo de despedida foi em grande estilo. No Mineirão, ele marcou dois gols de falta no duelo entre o combinado de Atlético e Cruzeiro contra a Seleção Mineira.

Nessa época, ele já era deputado estadual, cargo no qual permaneceu por quatro anos. Depois, trabalhou por três anos como secretário-adjunto de esportes e um ano na administração do Mineirão. Ele voltaria ao futebol em 1993, quando assumiu o comando do Atlético por 17 jogos. 

No Cruzeiro, a passagem foi ainda mais rápida no ano seguinte. Com o ex-lateral, o time celeste venceu quatro partidas e empatou duas, mas o extracampo acabou pesando, e Nelinho caiu precocemente. 

Nelinho ao lado de Felipão e Jaeci Carvalho durante o programa programa “EM Esportes”

No início dos anos 2000, Nelinho atuou como comentarista no programa “EM Esportes”, dos Diários Associados, transmitido pela TV Horizonte. Já em 2004, assinou contrato de três anos com a Globo, permanecendo na emissora até 2007.

Com relação à academia, Nelinho revelou que pensa em vendê-la para ter uma vida ainda mais calma. “Já estou com 75 anos, cansado, querendo aproveitar a vida, o que me resta. Então comecei a alugar algumas partes da academia, a musculação eu já saí. Eu permaneço nas áreas de natação, hidroginástica, lutas e balé clássico”.

Além de curtir a família, Nelinho se reúne com amigos do futebol uma vez por semana. “Na segunda-feira à noite, tenho meu futevôlei com amigos e ex-atletas, como Mancini, Dênis, Wellington Paulo, Sandro, um monte de ex-jogador. Nos reunimos, cada segunda-feira é um que faz um jantar. É um dia muito bom em que podemos ver os amigos”.

Nelinho em frente à academia, em 2020 - (foto: Ivan Drummond/EM/D. A Press)
Nelinho em frente à academia, em 2020(foto: Ivan Drummond/EM/D. A Press)

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