ENTREVISTA COM NELINHO

Quantos gols fez Nelinho? Ex-lateral de Cruzeiro e Atlético explica segredos nas faltas

Numa época em que os laterais quase não passavam do meio-campo, Nelinho contribuiu para a revolução da posição com muitos gols

Nelinho se despediu do futebol aos 37 anos, em 7 de abril de 1988, jogando por um combinado de Cruzeiro e Atlético contra uma seleção formada por atletas de clubes do interior de Minas Gerais. Os mais de 28 mil torcedores que compareceram ao Mineirão assistiram a dois golaços de falta do lateral-direito na vitória por 4 a 0 de sua equipe – Renato e Sérgio Araújo também marcaram.

Aos 21 minutos do primeiro tempo, o combinado de Raposa e Galo teve um tiro livre a cerca de cinco metros da linha da grande área, porém do lado direito. A bola chutada por Nelinho carimbou o travessão antes de entrar. Aos 32 minutos, a falta era na extrema esquerda, de longa distância. O camisa 4 soltou a bomba com curva e mandou no ângulo.

Na época, o técnico Telê Santana elegeu Nelinho o melhor cobrador do futebol brasileiro. “Ele somou demais, inclusive com algumas condições e qualidades que poucos têm. Principalmente como batedor de faltas”, disse Telê ao repórter Jaeci Carvalho, colunista do Estado de Minas, que trabalhava na TV Globo em 1988.

Gols de Nelinho na despedida do futebol

Quantos gols fez Nelinho?

Numa época em que os laterais quase não passavam do meio-campo, Nelinho contribuiu para a revolução da posição. Segundo o site Futebol 80, ele acumulou 172 gols na carreira, distribuídos por Cruzeiro (106), Atlético (52), Seleção Brasileira (7), Seleção Mineira (3), Grêmio (2) e combinado de Atlético e Cruzeiro (2).

Sua melhor temporada foi a de 1976, quando o Cruzeiro conquistou a Copa Libertadores da América. Naquele ano, Nelinho marcou 24 gols pelo time celeste e um pelo Brasil.

É provável que o número de gols seja um pouco maior, na casa dos 180. Isso porque o próprio Nelinho, em entrevista exclusiva ao No Ataque, diz ter marcado por Bonsucesso-RJ e Anzoátegui (Venezuela).

Nelinho é o maior ídolo em comum de Cruzeiro e Atlético(foto: Mauro Zallio/EM/D.A Press e Arquivo/EM D.A Press)

Com base no relato do ex-jogador, no Almanaque do Cruzeiro, na enciclopédia O Canto do Galo e em vídeos no YouTube, Nelinho fez pelo menos 70 gols de falta e 53 de pênalti.

Presume-se que os 57 gols restantes tenham sido com a bola rolando. O mais emblemático foi na disputa do 3º lugar da Copa do Mundo de 1978, vencida pelo Brasil contra a Itália (2 a 1). Nelinho chutou com efeito da lateral e surpreendeu o goleiro Dino Zoff.

“Eu gostava muito de chutar dali. Na linha de fundo, todo mundo cruzava. Eu gostava de chutar desse jeito”, diz Nelinho, acrescentando que esse gol foi o mais bonito da carreira. “Era Copa do Mundo, não tem jeito. Eu fazia gol assim no Campeonato Mineiro, mas não tinha televisão (risos)”.

Gol de Nelinho em Brasil 2 x 1 Itália na Copa de 1978

Lateral com mais gols no mundo?

Não há indícios de um lateral totalmente de ofício que tenha feito tantos gols quanto Nelinho. Roberto Carlos, que infernizava os goleiros com a potência do pé esquerdo, contabilizou 135 – a maior parte por Real Madrid (71), Palmeiras (17) e Seleção Brasileira (11).

Também especialista na bola parada, Marinho Chagas, destaque de Botafogo e Fluminense nas décadas de 1970 e 1980, acumulou 119 tentos. Anderson Lima, ex-Santos, São Caetano e Grêmio, marcou 109 gols de 1991 a 2010, enquanto o paraguaio Arce, lenda do Palmeiras, celebrou 106 gols de 1989 a 2006.

Há atletas que começaram na lateral, mas passaram a jogar no meio-campo, aumentando o número de bolas na rede em consequência dessa mudança. São os casos de Paulo Baier, ídolo de Goiás e Athletico-PR (228 gols); Yago Pikachu, ex-Paysandu, Vasco e em atividade no Fortaleza (162 gols); e Mancini, ex-Atlético, Roma-ITA, América e Villa Nova (122 gols).

Nelinho em jogo pela Seleção Brasileira contra a Iugoslávia(foto: Acervo Jornal Estado de Minas-26/06/1977)

Os segredos para o chute preciso

Desde criança, Nelinho gostava de treinar chutes. Na base de Olaria e America-RJ, ficava batendo bola para aprimorar a técnica. Isso se repetiu quando chegou ao Cruzeiro, em 1973.

“Quando acabava o treino ficava lá uma, duas horas batendo bola. Eu pegava a bola, colocava no escanteio do lado direito, afastado uns dois metros para fora do campo, e dali eu chutava para o gol fazendo curva. Eu ia entrando para dentro do campo, chegava no bico da grande área, na intermediária, ia parar lá do outro lado. Aí já estava chutando com o lado interno do pé.”

Diferentemente do que se pensa, Nelinho não finalizava de três dedos. “Os caras acham que eu sempre bati com o lado de fora do pé. Mas não é. É com o peito do pé, só que eu dava um jeito com o peito do pé de fazer a curva. Isso foi me dando um nível de acerto muito grande. Isso era importante.”

“Não que eu fizesse gol em toda falta, mas o goleiro ficava com uma preocupação muito grande porque ele sabia que a bola iria no gol. Era raríssimo a bola ficar na barreira, era mais fácil ir para fora, perto do gol, do que bater na barreira. Ele (goleiro) ficava: ‘ele vai chutar onde? Na direita, na esquerda?’, porque eu batia de todos os jeitos.”

Nelinho

Todos os gols de Nelinho pela Seleção Brasileira

Preparador físico machucou o joelho ao tentar acompanhar Nelinho

O Cruzeiro deu apoio para Nelinho desenvolver sua qualidade. Tanto que o diretor de futebol Carmine Furletti contratou um cozinheiro para preparar o jantar do jogador, visto que os treinos eram à tarde, sem a presença dos demais atletas. Além disso, um funcionário prestava suporte como gandula.

“Eu almoçava, descansava e ia para o campo lá para às 15h, 16h. O cara ficava pegando bola para mim e eu chutando com e sem barreira, chutando com bola parada e rolando. Treinava tudo. Fala para ele rolar da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, de frente. Eu treinei muito.”

Nelinho em treino de cobranças de falta na Toca da Raposa(foto: Arquivo EM – 28/02/1975)

Rui Guimarães, preparador físico que também foi técnico do Cruzeiro, tentou acompanhar Nelinho nas cobranças de falta. No primeiro dia, forçou tanto a perna que acabou por lesionar o menisco do joelho.

“Tem um caso interessante. Um preparador físico, o Rui, mora em Santa Catarina hoje. Um dia ele ficou comigo, falou: ‘hoje vou ficar contigo, como você bater na bola vou bater também.’ Ele começou a bater. No dia seguinte, ele foi internado. Operou o menisco.”

“O jeito que eu batia na bola, de tanto que eu treinava, eu não chutava chão. Ele foi querer bater e começou a chutar um pouco do chão, e isso foi forçando o joelho dele. No dia seguinte, ele operou.”

Nelinho

Nelinho impressionou colega no Atlético

Quando estava na reta final da carreira pelo Atlético, Nelinho jogou ao lado de Zenon, campeão brasileiro em 1978 pelo Guarani e ídolo do Corinthians. O meia se impressionava com a precisão do lateral-direito nos treinamentos.

“Eu batia de tudo que era maneira. Modéstia à parte, eu chutava de lado interno e externo, de longe e de perto, com curva e sem. O Zenon, quando esteve no Atlético, gostava de me ver batendo na bola. Ficava do meu lado perguntando: ‘como você vai fazer agora?’. Eu respondia: ‘vou bater assim, desse jeito, vai passar pela barreira mas não vai no canto da barreira, vai fazer curva para o canto do goleiro, se ele mexer vai levar o gol’. Eu batia e fazia. ‘Agora vou chutar meia altura no gol para o goleiro encaixar, aí dava uma pancada.”

Nelinho

“Isso parece fácil, você pega um jogador aí, a maioria, ‘quero que você chute forte rasteiro’, ele vai chutar por cima do gol. O cara chega ali e chuta, o que acontecer, aconteceu. Ele não tem domínio de como vai sair o chute. Eu tinha esse domínio. Não só eu, mas outros jogadores também.”

Nelinho em ação pelo Atlético(foto: Jorge Gontijo/EM – 08/02/1987)

Força ou velocidade?

Quando a falta era de longe, Nelinho tomava bastante distância para chutar. Ele se preocupava em fazer com velocidade o movimento de “alavanca” com a perna, de modo que a bola fosse arrematada com força.

“A explicação que sempre dei é que a força do chute está na velocidade da perna e no jeito de você pegar na bola. Se você vai dar um passe de dois metros, com o lado externo ou interno, não precisa de força. Se for virar o jogo, sua perna tem que ser mais veloz e tem que saber bater na bola para chegar no endereço certo. Para mim, é a velocidade da perna. Isso você adquire com treino.”

Gol de falta de Nelinho em Brasil x Polônia na Copa de 1978

Na opinião do ex-lateral, os jogadores da atualidade têm condições de desenvolver a musculatura de uma forma bem mais rápida que antigamente. Todavia, o jeito de acertar a bola passa pela prática constante.

“Hoje tem sala de musculação, em que os especialistas podem fazer o jogador se especializar nesse tipo de treinamento. E eu também sabia bater na bola. O fato de tomar muita distância não significa que o chute vai sair forte. São coisas que acontecem com o batedor de falta. Para explicar é complicado, porque o cara não vai entender. Quem está ali te vendo treinar já não entende.”

Entrevista de Nelinho ao No Ataque

Nelinho completou 75 anos de idade nesse sábado (26/7). O No Ataque fez uma entrevista especial com o ex-lateral-direito, que se tornou famoso no mundo da bola pela capacidade de fazer muitos gols cobrando faltas e em chutes de longa distância.

Ídolo dos dois grandes clubes de Minas Gerais, Nelinho conquistou a Copa Libertadores de 1976 e os Campeonatos Mineiros de 1973, 1974, 1975 e 1977 pelo Cruzeiro. No Atlético, ganhou os estaduais de 1982, 1983, 1985 e 1986. Ele ainda venceu o Campeonato Gaúcho de 1980 pelo Grêmio e integrou a Seleção Brasileira nas Copas do Mundo de 1974 e 1978.

Desde 1985, Nelinho e a esposa, Wanda Bambirra, são donos de uma academia no bairro Sion, em Belo Horizonte. Paralelamente à vida de empresário, o ex-jogador foi deputado estadual, secretário-adjunto de esportes do governo de Minas, treinador e comentarista esportivo.

Assista à íntegra da entrevista com Nelinho

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