NO ATAQUE COM NELINHO

Nelinho recorda mudança do Cruzeiro para o Atlético: ‘Me deu motivação’

Em entrevista ao No Ataque, ex-lateral relembra bastidores da decisão de trocar a Raposa pelo Galo em 1982

Imagine que um lateral disputou duas Copas do Mundo pela Seleção Brasileira, conquistou uma Copa Libertadores com o Cruzeiro e se tornou ídolo da torcida celeste. Esse mesmo jogador, depois de quase 10 anos no clube, decide defender o Atlético. Parece inimaginável, mas foi o que aconteceu com Nelinho.

O ex-atleta chegou ao Cruzeiro em 1973, após passagem pelo Remo. Com muita qualidade técnica e brilho nas cobranças de falta, logo assumiu a titularidade e não saiu mais. 

Em nove anos pela Raposa, ele fez 105 gols em 411 jogos e ajudou o time a conquistar quatro Campeonatos Mineiros (1973, 1974, 1975 e 1977), além do torneio continental em 1976. A história chegaria ao fim em 1982 devido a um desentendimento com um treinador. 

Nelinho em ação pelo Cruzeiro(foto: Arquivo EM/D.A Press – 14/09/1974 )

Por que Nelinho quis sair do Cruzeiro?

Em entrevista exclusiva ao No Ataque, Nelinho relembrou os bastidores de uma das mais famosas transferências do futebol mineiro. A vontade de deixar o time surgiu logo no retorno do técnico Yustrich ao Cruzeiro.

Segundo o ex-lateral, o então comandante celeste havia jogado a culpa em alguns atletas após a derrota do Cruzeiro para o Boca Juniors-ARG nos pênaltis, na final da Libertadores de 1977, no Estádio Centenário, no Uruguai.

“Disse que quem o tinha colocado para fora eram Joãozinho, Raul e eu. Que o Joãozinho e eu éramos maconheiros, que eu era laranja podre no grupo, falou um monte de besteiras”. 

Nelinho
Yustrich, ex-técnico do Cruzeiro(foto: Arquivo/Estado de Minas)

Nelinho lembra que nem sequer quis cumprimentar Yustrich no primeiro treino na Toca da Raposa. Ele relembra que “fugiu” do reencontro com o treinador aos olhos da imprensa e dos companheiros. 

“Quando (Yustrich) foi contratado, reuniu o time todo na Toca 1. Um círculo grande, com todos os jogadores sentados, e a imprensa atrás dos jogadores. E ele começa a dar preleção falando do estilo dele. Quando terminou, disse assim: ‘bom, agora, daqui só vão sair somente os jogadores e eu”.

“Vamos para dentro do vestiário ter outra preleção’. Ele levantou e falou: ‘todo mundo de pé’. Ele saiu pela direita apertando a mão de jogador por jogador. Quando ele começou a andar aqui, eu andei lá. Ele foi andando, andando. Quando ele chegou ao lugar dele de origem, eu cheguei ao meu. Não dei a mão para ele. Todo mundo viu isso”. 

“Ele falou: ‘vamos todo mundo para o vestiário’. Eu disse: ‘não vou para o vestiário. Não vou ter preleção com esse cara’. O diretor falou: ‘Nelinho, faz por mim, cara. Vamos lá’. Eu gostava muito do diretor, mas não fui. ‘Ninguém me obriga a ir, fazem o que quiserem comigo, mas não trabalho com esse cara’”.

Para Nelinho, não restou outra solução: ele precisava deixar o Cruzeiro. “Falei para a diretoria. ‘Não jogo com esse cara, pode esquecer. Façam o que quiser. Ficam me pagando, cancelem meu contrato, me venda. Eu não jogo mais’.”

A venda para o Atlético

Segundo o lateral, o primeiro a entrar em contato com ele foi Ivo Melo, então diretor do Atlético. Apesar de se tratar de um rival, o Cruzeiro teria aceitado vendê-lo por entender que seria uma influência negativa na Cidade do Galo.

Nelinho em ação pelo Atlético(foto: Jorge Gontijo/EM – 08/02/1987)

“Aí veio o Atlético, com o Ivo Melo, que mais gostava de mim. Quando chegaram para fazer a oferta, aí tinha um diretor da época, junto com o Felício Brandi, que falou: ‘não, vamos vender, ele é líder negativo hoje. Vamos mandar para lá, pois ele vai acabar com o ambiente do Atlético’”.

Corrigindo os valores da época para a atualidade com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o Atlético teria concordado em pagar R$ 1,7 milhão ao clube celeste.

“Me venderam por 20 milhões de cruzeiros para pagar em 10 vezes, uma coisa assim. Fui vendido desse jeito. Mas quando fui, sabia que eles me venderam pensando dessa forma. Daí falei: ‘pô, vou chegar no Atlético e terei que jogar muito. Os caras vão me cobrar, pois fiz muitos gols neles. Agora tenho que fazer contra o Cruzeiro. E agora? Como faz?’”.

Nelinho

Nelinho se motivou com ida ao Atlético

Apesar de alguns receios, Nelinho não teve dúvidas em aceitar a proposta do Atlético. Alguns anos após o auge no Cruzeiro, ele entendeu que teria mais competitividade e motivação no rival.

Nelinho em entrevista ao No Ataque(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A. Press)

“O Cruzeiro estava uma ‘baba’na época. O time estava muito arriado. Não tinha ninguém. Só eu e o Joãozinho. O Eduardo tinha ido para o Corinthians. O time estava muito ruim, se refazendo. E o Atlético estava voando, um timaço. E aí facilitou para mim. Seria muito mais fácil jogar em um time como o Atlético, um timaço, do que em outro que não tinha condição’. Fui consciente de tudo e o que me deu motivação para continuar jogando”.

Nelinho também não recebeu propostas de outros times, o que facilitou a decisão. Além disso, ele acreditava que o respeito que sempre teve com o Galo facilitaria a recepção da torcida. 

“Quando eu era do Cruzeiro, nunca fui espernear com os atleticanos. Quando fui do Atlético, nunca fiz isso com os cruzeirenses. O maior respeito que o jogador tem que ter é com o torcedor. Não existe isso. Torcedor, você tem que respeitar”. 

“Não tem que mexer com ninguém. E se o torcedor mexer com você, abaixa a cabeça e finja que não viu. Aquilo ali é momentâneo. Por isso que talvez eu tenha dado certo no Atlético. Se tivesse tratado mal o atleticano, eles não iam me querer”

“Se eu não tivesse ido para o Atlético, minha carreira teria praticamente encerrado. O Atlético me deu uma motivação a mais para continuar jogando. Se eu tivesse ido para São Paulo ou Rio de Janeiro, não seria a mesma coisa”.

Nelinho

Recepção dos antigos rivais no Atlético

Se por um lado Nelinho achava que a torcida o receberia bem, por outro ele ainda tinha que ganhar o carinho dos colegas de time. Para isso, foi necessário uma ‘bronca’ coletiva e, claro, o tempo ao lado dos novos companheiros. 

“Fui para o Atlético. Nisso, os caras estavam na Seleção Brasileira, na Copa do Mundo (Éder, Cerezo e Luizinho). Quando eles voltaram, o time treinava no clube da Vila Olímpica. E os torcedores ficavam lá em cima. Daí, estou treinando um dia. E eu era um cara que detestava o Cerezo, o Paulo Isidoro, só queria meter a porrada neles. A rivalidade era muito grande. Daí pensei: ‘como vai ser?’”.

“Quando os caras voltaram, meu companheiro de quarto na concentração do Planalto era o Éder. Nos treinos, quando começou, os caras não davam a bola para mim. Aí houve um treino em que eu apelei feio. E os torcedores disseram: ‘é isso mesmo, Nelinho! Põe ordem nessa casa!’”.

“Rapidamente, fiz amizade com todo mundo. Paulo Isidoro, Cerezo, o Reinaldo então, pô, é uma dama. Éder, Luizinho… já me enturmei. E aí comecei a jogar bem e a fazer gol. Aí acabou. Foi a minha sorte”.

Éder Aleixo ao lado de Nelinho em evento em 2002(foto: Arquivo/Estado de Minas)

Nelinho no Atlético

Adaptado com os companheiros e a torcida, Nelinho também fez sucesso no Atlético. O ex-lateral marcou 52 gols em 274 jogos antes de se aposentar, em 1988.

Ao longo da trajetória, ajudou o Galo a conquistar os Mineiros de 1983, 1985 e 1986. Além disso, fez parte dos times que foram semifinalistas do Campeonato Brasileiro em 1984, 1985 e 1986. 

Com isso, Nelinho é considerado o maior ídolo em comum de Atlético e Cruzeiro

Assista à entrevista com Nelinho:

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