Há algum tempo, o futebol entrou em um patamar bilionário no Brasil, com os principais times tendo condições de atrair jogadores da Europa. Com o advento das SAFs, clubes que anteriormente beiravam a falência receberam aportes de investidores para amortizar dívidas e qualificar o elenco. Nesse sentido, os atletas também foram valorizados na parte salarial e ganharam a oportunidade de alcançar a independência econômica no próprio país.
Para entender como os protagonistas da bola lidam com tanto dinheiro na conta bancária, o No Ataque entrevistou o educador financeiro Marcelo Claudino, CEO da Top Family Office, empresa de Belo Horizonte que cuida do patrimônio de jogadores de futebol e outras modalidades. Somente em investimentos, os valores geridos giram em torno de R$ 500 milhões.
Na lista dos mais de 100 clientes da companhia estão Fabrício Bruno (Cruzeiro), Lucas Paquetá (West Ham, da Inglaterra), Arthur (Bayer Leverkusen, da Alemanha), Matheus Henrique (Cruzeiro), Everton Ribeiro (Bahia), Raphael Veiga (Palmeiras) e Pedro (Flamengo). Estrelas do vôlei – entre elas Carol Gattaz, embaixadora da Top Family – também integram o rol de assessorados.
A trajetória de Marcelo na gestão patrimonial teve início há 21 anos, quando conheceu um jogador de um clube de Belo Horizonte que já tinha um bom salário para a época, porém estava com um carro financiado em 60 vezes, aluguel atrasado, telefone cortado e com a esposa à espera do segundo filho.
“Naquele momento, eu percebi que era isso que queria fazer. Gostava tanto de esporte e pensava. Quem sabe eu possa usar meu conhecimento para ajudar essas pessoas? Comecei ajudando aquele atleta. Depois, ele acabou se transferindo para o exterior. Ainda trabalhamos um ano juntos”.
Marcelo Claudino
A consultoria virou negócio em 2008. Em um voo de São Paulo para BH, Marcelo conheceu a jogadora de vôlei Walewska Oliveira. A campeã olímpica em Pequim, que faleceu em setembro de 2023, foi a primeira cliente da Top Family. A partir da parceria bem-sucedida, que durou até 2022, outros atletas de prestígio nacional e internacional, seja do vôlei ou do futebol, confiaram a administração dos patrimônios a Claudino – sempre por indicação.
Investimentos de acordo com perfil do atleta
As recomendações de investimentos da Top Family são feitas de acordo com o perfil de cada jogador. Para o atleta que está dando os primeiros passos no futebol profissional, a empresa procura compreender o ambiente familiar. Uma das sugestões, segundo Marcelo Claudino, é adquirir a casa própria para os pais – se estes morarem de aluguel – tão logo o cliente tenha condições.
“Como é constituída a família dele? Será que ele tem que ajudar um irmão? Será que ele tem que ajudar a família? A gente sempre prioriza ter uma reserva de emergência, que a gente sempre usa ativos conservadores, como o próprio Tesouro Direto, um investimento com liquidez diária para poder dar aquele colchão de sustentação se for necessário. Começar a poupar para o futuro e ao mesmo tempo já fixar um objetivo”.
“Quando é um atleta muito jovem, é ter o imóvel próprio ou para a família. O atleta, ele ainda vai mudar muito de lugar. Ele vai sair de BH, vai para o exterior, depois volta para o Brasil. Então, ele não precisa se preocupar tanto em ter o próprio imóvel para ele aqui imediatamente. Às vezes é melhor juntar um pouco mais de liquidez para você evitar até financiamentos, empréstimos e tal. Mas a gente prioriza o imóvel da família, porque essa é a primeira tranquilidade que o atleta vai ter para poder desempenhar o trabalho dele”.
Evitando riscos
Com vasta experiência no mercado financeiro, Marcelo Claudino adota um perfil conservador nas orientações aos atletas. Ele desaconselha, por exemplo, aplicar grande quantia em dinheiro em um empreendimento no qual o jogador terá pouco controle – seja pela falta de conhecimento técnico ou por não dispor do tempo ideal de dedicação.
“Tentamos ser conservadores, exatamente para evitar alguma surpresa negativa. Quando você entra num investimento (sem muito conhecimento), entra com pouco. Porque se algo não der certo, isso pode acontecer, você também não será tão prejudicado. Mas acontece. Há atletas que investem bastante na pecuária, na atividade de fazenda ou criação de cavalos. Temos que entender que são mercados que chamamos de alternativos. São investimentos que fogem do mercado financeiro tradicional e, por isso, trazem riscos às vezes até maiores. Retornos maiores, mas também riscos maiores. Acontece. Procuramos evitar que o atleta busque entrar alto, entrar pesado com recursos em investimentos que trazem riscos maiores”.
“Na nossa história vimos muito isso. Um cliente que queria abrir uma franquia, que queria ter um negócio, ele até estava correto no pensamento dele, ter algo para tirar uma renda ou para que o irmão trabalhe, para que a esposa possa gerar uma renda também para ela. Mas tem que se ter muito cuidado, porque você abre um negócio, aí na temporada seguinte você já foi transferido para outra cidade, você foi transferido para outro país, aí você não tem ninguém de confiança administrando o negócio. Geralmente, não costuma funcionar bem”.
Marcelo Claudino
Cuidado com criptomoedas
Outro tipo de investimento visto com ressalvas pelo especialista é a compra de criptomoedas. Marcelo reconhece a solidez do Bitcoin, moeda digital mais famosa do mundo, mas levanta o debate das promessas de ganhos muito acima da média de mercado.
O caso mais emblemático envolvendo jogadores de futebol foi com Gustavo Scarpa e Mayke, que defendiam o Palmeiras em 2023. Eles investiram juntos mais de R$ 10 milhões em uma empresa de criptomoedas indicada por Willian Bigode, com expectativas de retorno de 3,5% a 5% ao mês. Contudo, os atletas tiveram prejuízo do valor aportado e entraram na Justiça contra o ex-colega de clube.
“Todo investimento tem um risco, né? Acredito que as criptomoedas estão ficando cada vez mais sólidas. Hoje, você tem uma história do Bitcoin que já dura 15 anos. O problema é que a gente vive uma ansiedade de ganhar dinheiro muito grande. O ouro, que ainda é um bastante valorizado, conhecemos ouro há mais de 2 mil anos. O dólar a gente conhece há mais de 100 anos. Então, a gente tem que ter um certo cuidado com esses ativos que têm pouca história. No caso do Bitcoin, é uma criptomoeda que está cada vez mais sólida, negociada em mercados legais, os bancos centrais dos países estão comprando Bitcoin. Então, fica mais seguro”.
“O que tem que se tomar cuidado é que, geralmente, esses investimentos vêm atrelados com promessas de ganhos acima do normal. E a gente tem que entender que uma criptomoeda é um investimento muito mais volátil ou muito mais arriscado do que um investimento na bolsa de valores, por exemplo. Então, quando a gente entra num investimento de criptomoeda, temos uma possibilidade alta de ganho, mas uma possibilidade de perda muito grande. E voltando à questão comportamental, o ser humano é muito avesso à perda, né?”.
Marcelo Claudino
“Todo mundo quer ganhar o máximo possível, mas ninguém quer perder nada. Eu sempre uso uma frase: a chateação que você tem quando perde 10 reais é muito maior do que a felicidade que você tem de achar 10 reais na rua. Então, o ser humano é avesso à perda por natureza, até por questão de sobrevivência.
“No caso dos atletas, a gente tem que tomar um certo cuidado. Eu sempre digo que o atleta trabalha com resultado imediato, eles são programados para vencer. Ele quer buscar a perfeição. Então, num jogo, se um atleta bate um pênalti ou ataca uma bola no voleibol, um segundo depois você já sabe o resultado da ação, sucesso, fracasso, né? Com os atletas, a gente tenta conter também esse ímpeto”.
Diversificando as aplicações
Embora hoje os atletas tenham acesso a uma variedade de opções na palma da mão pelos aplicativos de bancos, diversificar o patrimônio no setor imobiliário é um bom caminho. O educador também estimula a destinar parte dos recursos em moedas estrangeiras, como o euro e o dólar.
“A gente gosta muito da área imobiliária, né? Porque são ativos que se valorizam com o tempo. Imóveis, terrenos, apartamentos, imóveis comerciais. Os investimentos financeiros também permitem uma capitalização, ainda mais no Brasil, com altas taxas de juros”.
“Se a gente estivesse conversando aqui há 10 anos, não teríamos as possibilidades de hoje. Investir no exterior era muito complicado e burocrático Hoje, é tudo muito fácil. A gente estimula a aplicação em moeda forte. No Brasil, de 1900 para cá, tivemos 27 cortes de zeros na nossa moeda. As próprias corretoras no Brasil oferecem investimentos no exterior. Assim, mesmo o atleta que joga aqui, tem como investir no exterior com facilidade”.
Reserva de emergência
Nas reuniões com os jogadores, Marcelo Claudino estabelece um plano para a construção de uma reserva de emergência de pelo menos um ano de salários. Ou seja, se o atleta tem uma remuneração mensal de R$ 200 mil, ele precisa juntar, em algum momento da carreira, R$ 2,4 milhões (e aumentá-la, se possível). Essa poupança é importante para dar tranquilidade em um cenário de não ter o contrato renovado ou lidar com atrasos no pagamento pelos clubes.
“A gente trabalha um fluxo de caixa de pelo menos uma temporada de reservas para ter tranquilidade. Vale a pena esse sacrifício por parte do atleta. O salário atrasado traz dois problemas para o atleta. Primeiro é o atraso, porque ele também tem compromissos, às vezes tá adquirindo um imóvel, está fazendo uma programação um pouco mais arrojada. E tem outro detalhe, que é quando ele não, eh, recebe os direitos de imagem em dia, mas já emitiu a nota fiscal. Ele é obrigado a recolher os impostos, porque na teoria faturou, né? Ele teve faturamento, mas não recebeu”.
Marcelo Claudino, CEO da Top Family Office
“Muitas vezes o atleta, quando não recebe os direitos de imagem, tem que pagar os impostos na frente sem ter recebido. A gente também tem que traçar às vezes estratégias para evitar esse pré-faturamento, se realmente não for receber, a gente tem toda essa ginástica para fazer no dia a dia. Por ganharem mais, os jogadores pagam mais impostos”.
Marcelo Claudino explica que a exigência que os jogadores têm de sempre performar em alto rendimento dentro dos gramados gera uma autocobrança de ver o patrimônio crescer substancialmente. Todavia, o educador financeiro ressalta a necessidade de ter paciência. Ele recomenda a leitura do livro “A psicologia financeira: lições atemporais sobre fortuna, ganância e felicidade”, do investidor e escritor americano Morgan Housel.
“É um livro que qualquer pessoa consegue ler e entender. E ele reduz muito a nossa ansiedade em relação a isso, porque ele fala que a gente fica rico não pelos investimentos que a gente faz, mas pelos que a gente não faz. Você tem tanta opção hoje que, se não errar na maioria deles, já vai estar no caminho certo. Só que às vezes a gente não consegue esperar o tempo necessário, porque investir é igual plantar uma árvore. Você planta uma árvore no seu quintal. Para você vê-la frondosa, vai demorar 20, 25 anos. Com os investimentos é a mesma coisa. Acontece que o ser humano não tem essa mesma paciência”.
Entrevista de Marcelo Claudino ao No Ataque
Nos próximos dias, o No Ataque publicará mais recortes da entrevista com Marcelo Claudino. O CEO da Top Family Office analisou os salários de jogadores das Séries A, B, C e D do Campeonato Brasileiro e do voleibol, bem como chamou a atenção para o risco de comprar carros importados quando ainda está na fase de construção do patrimônio. Fique ligado nos conteúdos!