Carros de luxo importados são, talvez, o maior símbolo de status para um jogador de futebol em ascensão. O sonho de infância, muitas vezes estampado em um pôster na parede do quarto ou em uma miniatura na estante, torna-se subitamente possível com os primeiros salários de cifras elevadas. O problema é que a realização desse desejo pode se transformar em um pesadelo financeiro.
Marcelo Claudino, educador financeiro e CEO da Top Family Office, empresa especializada na gestão do patrimônio de centenas de atletas, conhece bem essa dinâmica. Em entrevista ao No Ataque, ele revelou um caso emblemático que serve de alerta para os riscos da ostentação.
“É verdade, isso acontece. Existem disputas que a gente sabe que pode perder. Porque o dinheiro é do atleta e o desejo dele pode falar mais alto”, pondera Claudino.
O sonho do Porsche: ‘É um desejo desde pequeno’
A história, que mais parece um roteiro de filme, envolve um jovem talento que hoje atua no futebol árabe. Ele tinha uma fixação por um modelo específico de carro esportivo da marca alemã Porsche.
“Temos um caso muito emblemático de um jovem atleta que trabalha conosco, que hoje joga na Arábia Saudita, e ele queria muito ter um Porsche”, conta o especialista.
A equipe de Claudino tentou dissuadi-lo, apresentando argumentos racionais sobre o passivo que o carro representava.
“A gente argumentou: ‘Olha, toma cuidado, porque assim, você não vai usar esse carro, ele vai ficar parado, você vai pagar IPVA, vai ter que pagar seguro, tem a desvalorização do carro'”.
Marcelo Claudino, CEO da Top Family Office
A lógica, no entanto, colidiu com o apelo emocional. A resposta do atleta foi enfática. “‘Não, mas é um sonho, eu tenho isso desde pequeno, eu tinha um Porsche [miniatura] amarelinho que ficava em cima do meu armário, eu gostaria de realizar isso’. Ele acabou comprando o carro. Não teve jeito”.
A lesão e o ‘aperto desnecessário’ na Arábia Saudita
O que ocorreu em seguida ilustra perfeitamente o alerta que Claudino faz sobre a imprevisibilidade da carreira esportiva.
“Sempre pedimos para ter bastante cautela, porque a vida do atleta envolve muito risco. Uma lesão pode interromper todo o fluxo financeiro. Há atletas que tiveram que parar de jogar. Tem atletas que nunca mais conseguiram contratos tão bons, depois que tiveram uma lesão mais grave, não conseguiram se firmar”
Marcelo Claudino, especialista em finanças
No caso do jogador em questão, a previsão se concretizou da pior forma. “Parece que a gente tinha adivinhado o que ia acontecer. Chegou o início do ano, ele acabou no final da temporada tendo uma lesão de ligamento cruzado e o time árabe parou de pagar. Ele ficou quatro meses sem receber salário”.
O sonho rapidamente se tornou um problema. “Aí ele se viu num momento de passar um aperto totalmente desnecessário”, relata Claudino.
A lição: três carros no lugar de um
Felizmente, a história teve uma reviravolta educativa. O aperto forçou o atleta a repensar a decisão e entender na prática o conselho que havia recebido.
“A única boa decisão que ele tomou depois, e aí foi legal o aprendizado, porque pelo menos ele pegou o recurso do Porsche e transformou em três carros. Um para ele, um para a mãe e um para o pai, três excelentes carros que atenderam muito bem”, diz o CEO.
Para Claudino, o episódio resume a mentalidade que sua equipe tenta construir, baseada na experiência de quem já viu quase tudo no mundo do futebol.
“Ele percebeu que, aquele desejo, faz parte da juventude. É muito legal na primeira semana, no primeiro mês, mas depois, talvez ter um Porsche não é aquilo que vai te satisfazer”, reflete.
“Como a gente já trabalhou com quase 300 atletas nesses 17 anos, já vimos várias situações diferentes, temos experiência para chegar e falar, olha, toma cuidado com isso aqui, porque a gente já viu acontecer isso, isso e isso”.
Não existe ‘verba para o oba-oba’, existe taxa de poupança
Para evitar que apertos desnecessários como esse ocorram, a filosofia de trabalho de Claudino é rigorosa e elimina o conceito de dinheiro para a farra.
“Tentamos mostrar que não existe essa expressão oba-oba no trabalho. Por quê? Vivemos no Brasil”, justifica. “Então precisamos também, por já conhecer o passado, a gente sabe o tanto que o país muda, a insegurança jurídica, a insegurança econômica, a inflação que corrói nossos salários e corrói o patrimônio ao longo do tempo, os impostos, uma carga tributária cada vez maior…”.
No lugar de uma verba livre, a equipe foca em metas. “A gente busca trabalhar mais a conscientização e a questão comportamental. Porque se ele tiver um comportamento adequado, ele vai poder gastar 10%”.
O segredo está na taxa de poupança. “Qual o percentual do seu salário a gente vai precisar guardar para a gente poder chegar lá naquele objetivo? Então, é aquela história meio da cigarra e da formiga. Você quer ser formiga ou quer ser cigarra? Mostramos que o exemplo da formiga costuma funcionar melhor, mas no longo prazo”.
Como funciona o controle: os ‘vilões’ do cartão de crédito
Essa gestão comportamental exige um nível de confiança absoluto. A equipe de Claudino assume a “fiscalização” total das finanças do atleta para garantir que o planejamento seja cumprido.
“É um trabalho de muita confiança, por isso, é muito importante a gente ser bastante honesto e correto com nossos clientes””, afirma.
“Dentro da estrutura de gestão que fazemos, somos nós que emitimos as notas fiscais de direito de imagem para o clube, o imposto de renda do atleta. Então, a gente tem, sim, todo o acesso aos dados, às informações financeiras”, completa.
Com esse acesso, a equipe consegue identificar onde o dinheiro está vazando. “Quando necessário, a gente estratifica esse orçamento pessoal, para mostrar para ele onde que tá saindo ali recursos que ele não está percebendo. Geralmente, os vilões maiores são o cartão de crédito, o vestuário, o lazer. São as coisas mais supérfluas, mais caras mesmo para todos nós”.
Para os atletas mais disciplinados, o método é mais simples: foca apenas na meta de economia.
“Temos uma meta de poupança estabelecida e monitoramos isso mensalmente. Por exemplo, se ele não poupou esse mês, a gente vai ligar e falar, olha, no nosso planejamento tá faltando aqui você poupar tantos reais esse mês. É um trabalho que funciona muito bem. O atleta não se sente pressionado, nem cobrado, e a gente se sente à vontade também para conduzir esse dia a dia”, finaliza.