AMÉRICA

Ex-jogador do América vira dono de restaurantes em BH e mira expansão com franquias

Fernando Lisboa Lopes, o China, dedica-se ao restaurante Casarão, em BH e Lagoa Santa; projeto de franquia já foi desenvolvido
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Capitão nas categorias de base do América e um dos jogadores mais promissores de sua geração, o volante China lidou com lesões que dificultaram uma trajetória duradoura como atleta profissional. Desta forma, ele buscou conhecimento para transformar os bons momentos no futebol em uma vida estabilizada fora dos gramados. O dinheiro que ganhou na carreira foi investido majoritariamente na reforma da residência dos pais e na abertura do restaurante Casarão, que se tornou o seu ganha-pão.

Sentado diante de uma das mesas do estabelecimento no bairro Boa Vista, na Região Leste de Belo Horizonte, Fernando Lisboa Lopes, o China, conversou com a reportagem de No Ataque. Aos 32 anos, ele é casado com Ana Luiza Lisboa, pai de Noah, de 1 ano e 8 meses, e de Theo, que nascerá em janeiro de 2025. A família teve papel fundamental para a empreitada, já que foi da esposa a ideia de abrir o negócio em 2020, ainda na pandemia do coronavírus.

“O Casarão é motivo de muita gratidão. Há quatro anos, decidimos fazer uns furos na parede de casa, na cozinha, no final da pandemia, e vender somente almoço delivery. Vimos o ponto onde tem a nossa matriz, então decidimos abrir o almoço físico”, contou China, que colocou o restaurante em operação com a reserva financeira construída em seu último clube, o Louletano, da Terceira Divisão de Portugal, em 2017/18.

“No início eram quatro pessoas: uma cozinheira, uma que ficava no delivery, um motoboy e eu, que era caixa, garçom, faxineiro, etc (risos). As coisas foram acontecendo. Tivemos uma festa de Halloween no nosso estabelecimento, todo mundo se vestiu de uns personagens de uma série que estava muito famosa, e isso mudou a chave do nosso negócio. Começamos a ser mais falados, nossos vídeos e materiais se espalharam na internet, fomos captando clientes, e trouxemos mais pessoas para trabalhar”.

China, ex-jogador do América e dono do restaurante Casarão

Crescimento do restaurante

O delivery de almoço se transformou em um espaço com 80 mesas e capacidade para receber mais de 300 pessoas. Com 40 colaboradores, o Casarão funciona de terça a domingo, dispõe de playground para crianças e oferece música ao vivo em cinco dias da semana. No cardápio constam comidas típicas de Minas Gerais com nomes criativos.

O “Quefomqueutô” é um mexidão com com arroz, feijão, carne, ovo frito, torresmo e acompanhamentos (R$ 26,90). Já o “Num dô conta”, que serve até cinco pessoas (R$ 134,90), traz carnes de boi, porco, frango e linguiça, além de batata frita com queijo, mandioquinha, ovo de codorna, azeitona e tomate-cereja. Outra opção é o “Cruz Credo”, prato com cinco coxas de frango desossadas, cremosas, empanadas com queijo e cobertas de molho barbecue (R$ 59,90).

Nomear o cardápio com expressões que valorizam a cultura mineira foi apenas um dos ingredientes para tornar o negócio lucrativo. Segundo China, a contratação de uma consultoria especializada no segmento teve papel fundamental para o sucesso do restaurante, que fatura mais de R$ 2,5 milhões por ano.

Restaurante Casarão, em BH, conta com playground e espaço “instagramável”. Unidade do bairro Boa Vista fica na Rua Joviano Coelho, nº 50 (Marcos Vieira/EM D.A Press)

Expansão do negócio com franquias

Os próximos passos do ex-jogador do América são a inauguração do Casarão em Lagoa Santa, na Grande BH, e a implantação de um sistema de franquias, cuja primeira unidade, no bairro Renascença, na capital mineira, também entrará em operação. Fernando deu mais detalhes do projeto destinado a investidores e calculou o custo inicial em R$ 350 mil.

“A gente desenhou o projeto de franquia do Casarão por meio de demanda. E aí desenvolvemos com a nossa consultoria financeira. Hoje, o Casarão fatura mais de R$ 2,5 milhões por ano, é uma empresa consolidada, bem rentável, está há quatro anos no mercado. A questão do franqueado varia muito do ponto, porque a gente leva em consideração vários setores, a obra do imóvel escolhido do franqueado. Quanto maior o imóvel escolhido, vai precisar de mais utensílios, mais mobiliário, mais freezers, mais pessoas para trabalhar, mais compras, então isso é uma questão variável”.

“A gente fala de mais ou menos uma taxa de franquia de 50 mil reais e royalties na faixa de 5% mensais do faturamento bruto das próximas franquias. Sobre o valor cheio, é difícil mensurar, porque tem essa essa demanda de localidade e região. Uma franquia no Rio ou em Goiânia, os produtos serão diferentes, os valores de depósito, de materiais de construção e de insumos são diferentes. O valor final é bem variável, mas a gente estima que, para se ter um Casarão nos parâmetros da nossa matriz, com 80 mesas funcionando, espaço de 600 metros quadrados, é de R$ 300 mil a 350 mil. O prazo estimado de retorno vai de 18 a 24 meses. A gente faz contrato com os franqueados de quatro, cinco anos, depende muito também do imóvel”.

China, sobre o projeto de franquia do restaurante Casarão
Fernando Lisboa, o China, ex-jogador do América e proprietário do restaurante Casarão (Marcos Vieira/EM D.A Press)

Empresário de jogadores de futebol

O Casarão do bairro Boa Vista, em BH, abre de terça a sexta, às 19h, e aos sábados e domingos, às 16h. Essa flexibilidade de horários permitiu que Fernando Lisboa acompanhasse de perto as obras do restaurante de Lagoa Santa, que começa a funcionar neste sábado (9/11). Em meio à correria de percorrer 70 quilômetros diários no caminho de ida e volta de uma cidade até a outra, o ex-meio-campista encontrou um lugar na agenda para gerenciar carreiras de jogadores de futebol. China se tornou agente autorizado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Um de seus atletas é o garoto Rafael Lucas, do sub-10 do Cruzeiro.

“Essa ideia de se tornar empresário de jogador de futebol é muito por demanda. Depois de tantos anos longe do futebol, o ‘China do América’ ainda não morreu. Chegavam pais aqui e falavam comigo ‘eu tenho um filho, eu tenho um amigo, eu tenho um jogador que é novo, ele está precisando de uma oportunidade, está precisando ser assessorado’. Eu ia nos lugares e, de fato, via potencial nesse atleta e nessa família. Porque quando você fala de jogadores de 10, 11, 12 anos, não é só com o atleta, é com toda a família, é um trabalho muito difícil, toda uma expectativa, acompanhamento que você faz na carreira desse atleta”.

“Um dia conversando com meu pai, ele falou comigo: ‘Fernando, você ficou muito tempo no futebol profissional e você explora pouco essa área’. Na época, a unidade (do Casarão) estava rodando legal, eu estava com disponibilidade e trouxe à minha cabeça (a ideia) de me tornar empresário de futebol. E deu tudo certo. Passei por todos os processos que a CBF solicita para me tornar intermediário de atletas. Tenho um número de intermediário, sou filiado à da CBF e já tenho alguns atletas. Tenho um jogador sub-10 no Cruzeiro, que é um menino com potencial enorme. Aos poucos, estou voltando para o futebol”.

China, sobre a atuação como intermediário de atletas

O ‘China do América’

China chegou ao América ainda criança, aos sete anos, em 2000. Da geração nascida em 1992, ele jogou ao lado do goleiro Matheus, hoje ídolo do Sporting Braga, de Portugal; e do lateral-esquerdo Bryan, campeão mineiro de 2016 pelo Coelho e da Copa do Brasil de 2017 pelo Cruzeiro. Eventualmente, atuou ao lado de atletas da categoria 1991, cujo maior exemplo na base alviverde é o lateral-direito Danilo, da Juventus (Itália) e da Seleção Brasileira.

China foi capitão nas categorias de base do América e jogou 27 partidas pelo time principal (EDU ANDRADE/AE)

Fernando explicou a origem do apelido que carrega até os dias de hoje. “Foi quando iniciei na base. Eu ia para os treinos de moto com meu pai, sempre com a viseira aberta. Um dia o treinador me viu com o olho meio baixo, eu tinha o cabelo preto. Ele falou ‘ah, tá parecendo um chinesinho’. Daí para frente, ficou”.

Quando tinha 18 anos, China se destacou pelo América na Copa São Paulo de Futebol Júnior, em 2011. Nessa competição, o camisa 8 marcou três gols em sete jogos, ajudando o time a alcançar a semifinal, em que perdeu para o Bahia por 2 a 1. Graças ao bom desempenho, ganhou chance para treinar entre os profissionais, tornando-se colega de jogadores como o goleiro Flávio, o lateral-direito Marcos Rocha, o meia Rodriguinho e os atacantes Alessandro e Fábio Júnior.

Na ocasião, o Coelho disputava a Série A e brigava contra o rebaixamento. Dos oito jogos que fez na elite nacional, China foi titular em quatro – empates com Figueirense (0 a 0) e Grêmio (1 a 1), derrota para o Coritiba (3 a 1) e vitória sobre o Ceará (4 a 1). Apesar da queda do time à Série B (19º, com 37 pontos), o garoto deixou boas impressões. No fim da temporada, reforçou o sub-20 na conquista do Brasileirão da categoria, com direito a gol na final contra o Fluminense (vitória por 2 a 1).

Proposta de Portugal

A performance tanto na base quanto no profissional em 2011 atraiu as atenções de olheiros. Vieram, então, duas propostas: uma do Santos e outra do Braga, de Portugal – que poderia abrir bons caminhos no futebol europeu. O América, contudo, não quis vender China. O ponto positivo é que o clube ofereceu um expressivo reajuste salarial, de R$ 700 para mais de R$ 10 mil.

“Na época eu fechei com um grupo de empresários de São Paulo, eles me levaram ao CT do Santos. Estava tudo apalavrado com os empresários e o clube. E meu contrato com a América estava acabando. Quando cheguei ao CT, encontrei com o Salum, ele bateu na mesa e falou ‘E aí, escutou muita mentira lá em São Paulo? (risos)”.

“Antes dessa renovação, é importante lembrar que tive um pré-contrato encaminhado com o Braga, de Portugal, que eu me identifiquei mais. Tudo encaminhado, mas infelizmente o América não achou interessante naquele momento. Só que aí foi legal, porque foi uma renovação que, para a época, era considerada difícil de acontecer. Conseguimos quase 15 vezes mais o valor do salário”.

China, ex-jogador do América
China em treino no América na temporada 2013 (Euler Júnior/EM D.A Press)

Reta final da carreira

Em 2012, China disputou 15 partidas pelo América (seis como titular). No ano seguinte, começou fora do banco de reservas, mas voltou a ser lembrado com a contratação do técnico Paulo Comelli. Elogiado nos treinos, o jogador foi titular contra o Avaí, em 11 de junho de 2013, pela sexta rodada da Série B, em substituição ao suspenso Andrei Girotto. Com ótimo aproveitamento em passes e desarmes, ele ajudou a equipe a vencer de virada, na Ressacada, em Florianópolis, por 2 a 1 (gols de Willians e Doriva).

O calendário do futebol brasileiro paralisou por um mês por causa da Copa das Confederações. No retorno, China estava cotado para ser titular contra a Chapecoense, na Arena Condá, mas o duelo da nona rodada, em 19 de julho, precisou ser adiado por causa do mau tempo que impedia o pouso do avião em Chapecó (SC). No mês seguinte, o volante rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito em treino no Lanna Drumond.

Quando se recuperou, em 2014, China não fazia mais parte dos planos do clube e lidou com nova lesão ligamentar. Posteriormente, jogou por Democrata de Sete Lagoas, Cultural Leonesa (Espanha), Mamoré, Villa Nova, Tricordiano e Louletano (Portugal). A mudança do futebol para a área empresarial veio aos 26 anos. Mesmo que tenha sido prejudicado por lesões, o ex-volante se considera vitorioso por integrar um “grupo seleto” de quem um dia esteve na primeira prateleira do futebol brasileiro.

“Muitas pessoas atribuem o fracasso no futebol às lesões. Não acredito nisso, porque até mesmo depois de seis, sete meses de trabalhos intensos com toda a fisioterapia e o staff do América, eu estava, fisicamente, melhor do que seis ou sete meses antes. Logo em seguida, tive a minha segunda lesão de ligamento cruzado anterior no mesmo joelho. Foi uma fatalidade. Como qualquer outra profissão, tem seus lados bons e ruins. Mas quem consegue, de fato, ter uma carreira promissora são menos de 5% dos atletas profissionais no Brasil. Ter participado desse grupo seleto é uma gratidão muito intensa. Até hoje sou lembrado pela torcida”.

China

Futebol somente por lazer

É comum que ex-jogadores profissionais recebam dinheiro para participar de torneios de clubes amadores no interior de Minas Gerais. China confirma que já foi várias vezes procurado por pessoas ligadas ao futebol de várzea. Contudo, estar hoje dentro de campo é visto unicamente como lazer pelo empresário. Suas ideias e esforços estão concentrados no sucesso do restaurante.

“Falar do Casarão é falar de uma coisa que, assim como o futebol, mudou a minha vida. O futebol me levou até um certo ponto, mas o Casarão me levou desse ponto de onde o futebol me deixou a um ponto mais além. Se eu estivesse no futebol até hoje, tenho quase certeza que não teria alcançado as conquistas que já alcancei até hoje no Casarão”.

Último clube da carreira de China foi o Louletano, que esteve na Terceira Divisão de Portugal em 2017/18

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