
A alguns passos do mar, um estabelecimento de poucos metros quadrados se esconde em meio a prédios residenciais e comércios locais de Olinda, Pernambuco. No alto, um letreiro simples, em branco, vermelho e preto, indica: “Monte Carlo’s loterias online e esportes”. Por mais improvável que possa parecer, aquela pequena banca é a sede oficial de um negócio milionário, que dobrou a aposta no futebol e agora é a nova patrocinadora máster do América. Fora de campo, contudo, a empresa é suspeita de promover o jogo do bicho.
Na última sexta-feira (17/1), o clube mineiro anunciou a parceria para estampar no espaço mais nobre do uniforme o logotipo da MC Games, de apostas esportivas, até o fim de 2026. A estreia da nova patrocinadora foi no domingo (19), no empate por 2 a 2 com o Uberlândia, no Parque do Sabiá, pela primeira rodada do Campeonato Mineiro.
A MC Games é uma marca da empresa Sistema Lotérico de Pernambuco LTDA, cujo dono é Carlos Alberto Ferreira da Silva. O empresário é citado em investigações da Polícia Civil de Pernambuco contra a prática do jogo do bicho ao menos desde 2007.
O cubículo que ostenta o posto de sede oficial é apenas uma das dezenas de unidades espalhadas pelo estado. Mas a empresa, com capital social de R$ 32 milhões, não parou por aí. Em maio de 2023, decidiu digitalizar os negócios e lançou a MC Games online, para apostas variadas. Há, ainda, outras duas marcas de bets associadas ao Sistema Lotérico de Pernambuco: a Monte Carlos Bet e a Monte Carlos.
Todas, incluindo a nova patrocinadora do América, estão regulamentadas no Ministério da Fazenda e autorizadas a “explorar a modalidade lotérica de aposta de quota fixa” desde 7 de janeiro. A liberação foi dada pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) mediante ao cumprimento de uma série de exigências, entre elas o pagamento de R$ 30 milhões ao governo federal.
O No Ataque entrou em contato com o América e questionou se o histórico de associação ao jogo do bicho foi levado em consideração antes de a parceria ser firmada. Em resposta, o clube não entrou no tema.
“O América Futebol Clube esclarece que mantém contratos comerciais exclusivamente com a empresa MC Games, devidamente habilitada pelo Governo Federal para operar no Brasil, seguindo todas as exigências legais aplicáveis ao setor das bets”, lê-se.

Investigações contra o jogo do bicho
O Sistema Lotérico de Pernambuco, que abarca as três marcas de bet, foi registrado em 3 de dezembro de 2003. Em 2007, o proprietário Carlos Alberto Ferreira da Silva se tornou um dos alvos da Operação Zebra, que investigava a prática do jogo do bicho no estado.
Houve condenação em primeiro grau, sob acusação de contrabando, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção, em um esquema que teria sonegado R$ 136 milhões em cinco anos. Posteriormente, no entanto, o empresário foi absolvido, e o processo transitou em julgado. Na época, houve o entendimento jurídico de que não houve ação em quadrilha, por se tratar de contravenção e não crime.
Meses antes de ser preso em 2007 acusado de promover o jogo do bicho, o Carlos Alberto foi detido no Aeroporto Internacional dos Guararapes, no Recife, por transportar numa mala R$ 750 mil em espécie. Na ocasião, as autoridades apreenderam um laptop, o que deu início à investigação seguinte.
Depois, em 2022, a Polícia Civil de Pernambuco abriu uma nova investigação sobre o jogo do bicho, segundo o Estadão. A reportagem, publicada no último dia 14, teve acesso a um relatório de inteligência do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de Pernambuco (MP-PE), que classifica Carlos Alberto como “um dos maiores bicheiros do estado” e cita, também, o Sistema Lotérico de Pernambuco.
O que diz a defesa
O No Ataque entrou em contato com o advogado do empresário, Augusto Castro. O representante legal pontuou que Carlos Alberto foi absolvido de todas as acusações referentes à investigação de 2007, tanto pelo Tribunal Regional Federal (TRF), quanto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Além disso, Castro disse não ter recebido oficialmente nenhum tipo de denúncia presente no relatório de 2022 ao qual o Estadão teve acesso e defendeu que “não há e nunca houve nenhuma vinculação entre o Sistema Lotérico de Pernambuco com qualquer tipo de atividade tida por ilegal ou contravenção”.
“A MC Games, uma das marcas autorizadas a funcionar, começou de forma lenta e paulatina, com crescimentos módicos e de acordo com sua atividade. Não por outra razão que apenas neste momento se fez possível avançar, com segurança e seriedade, em patrocínio de jogos de futebol”, posicionou-se.
O advogado, ainda, defendeu a legalização do jogo do bicho “notadamente pela arrecadação fiscal ao erário e geração de empregos”.
O que dizem os órgãos públicos
A reportagem também buscou a Polícia Civil de Pernambuco (PC-PE), o Ministério Público do estado (MP-PE) e o Ministério da Fazenda na última sexta-feira (17/1). Os dois últimos preparam um posicionamento, não enviado até o momento da atualização mais recente deste texto.
América é aposta da MC Games
O América é a principal aposta da MC Games no futebol até aqui. A empresa também é patrocinadora máster do Confiança, time de Sergipe que disputará em 2025 a Série C do Campeonato Brasileiro.
No América, a bet vê a chance de, em 2026, estar na elite do futebol nacional – afinal de contas, o time mineiro tem como meta o retorno à Série A do ano que vem. CEO da empresa, Antonio Vaz classificou o acordo como um “marco estratégico e simbólico para ambas as partes”.
Já a diretoria americana segue as parcerias com bets. Até o fim de 2024, o clube estampava a Estrela Bet como patrocinadora máster.