NO ATAQUE COM SÍLVIO BERNARDES

Dentista foi artilheiro pelo América e realizou sonho no Palmeiras

Ex-atacante Silvio Bernardes conciliou o futebol com a odontologia e colheu os frutos da profissão depois de encerrar a carreira nos gramados

Um dentista vestiu a camisa 9 do América e caiu nas graças da torcida com seu faro de gol. Numa época em que muitos atletas deixavam a escola na adolescência, sem sequer completar o ensino médio ou fundamental, o ex-atacante Sílvio Bernardes ousou jogar e estudar. Sua história inspirou a autobiografia “Superando Limites”, cujo lançamento em Belo Horizonte ocorreu em 3 de novembro, no Estádio Independência, antes da partida do Coelho contra o Novorizontino (empate por 2 a 2), pela Série B do Brasileiro.

Sílvio gravou seu nome na história do América ao ser o artilheiro do Campeonato Mineiro de 1990, com 20 gols. O time concluiu o torneio na terceira posição, com uma campanha de 18 vitórias, 12 empates e quatro derrotas em 34 jogos. Cruzeiro e Atlético venceram um turno cada e duelaram na decisão. Melhor para a Raposa, que conquistou o troféu ao ganhar por 1 a 0.

O título não veio para o Coelho, porém Sílvio guarda excelentes recordações. “Tínhamos um elenco espetacular. E era uma equipe unida. Jogávamos por amor, éramos concentrados e dedicados. Tínhamos um grande técnico, o Procópio, que exigia intensidade, marcação por pressão, mesmo se fosse contra Cruzeiro e Atlético”, relembra o ex-jogador, em entrevista ao No Ataque.

“Quem se destacava eram Palhinha, Ronaldo Luiz, João Leite no gol – dava uma segurança muito grande. Marins e Ricardo na zaga. Jatobá, que veio do Corinthians. Na frente, eu, Helinho e Marcinho. Tinha o Celinho também. No meio-campo havia o Raimundinho, o pulmão do nosso time. E o Palhinha nos colocando na cara do gol com bons lançamentos”, completa Sílvio.

Fotos de Sílvio pelo América no arquivo do jornal Estado de Minas(foto: Alberto Escalda e Celson Birro/Arquivo Estado de Minas)

O início no Uberaba

Nascido em Uberaba, no Triângulo Mineiro, no dia 8 de julho de 1967, Sílvio Bernardes deu seus primeiros passos no futebol no Santa Marta e chamou a atenção do principal time da cidade, o Uberaba Sport Club. Em 1983, o então jovem de 16 anos cursava o ensino médio no Colégio Marista Diocesano e já tinha o objetivo de fazer uma faculdade paralelamente à carreira de jogador.

Em 1984, Sílvio ingressou no curso de odontologia da Universidade de Uberaba (Uniube), um dos mais conceituados do Brasil. Ele conta que a diretoria do Uberaba Sport se mostrou compreensiva em liberá-lo de parte dos treinos para se dedicar aos estudos.

“Eu não conseguia ir todos os treinos. O Uberaba havia me dispensado de alguns treinos. Daí, eu treinava à noite a parte física. Fui levando dessa forma. Logicamente, em certos momentos, ficava pensando: ‘poxa, não treinei a semana inteira, e o treinador me colocará de titular no domingo’. Ficava com dó dos jogadores que treinavam a semana inteira. Mas eu estava numa fase muito boa, a torcida queria, os próprios jogadores queriam que eu jogasse”.

Sílvio Bernardes

Quando entrava em campo, Sílvio dava a resposta. Em cinco anos, disputou 89 jogos e marcou 38 gols pelo time principal do Uberaba. Sua melhor época foi a de 1988, quando contabilizou 12 gols no Mineiro e alcançou a vice-artilharia – abaixo de Hamilton, do Cruzeiro, com 16. Nesse ano, o atacante obteve o diploma em odontologia pela Uniube, tornando-se dentista.

“Tenho uma gratidão muito grande pelo Uberaba Sport porque eles deixaram eu conciliar. Até que chegou o momento em que eu formei, cheguei para a minha mãe e falei: ‘pronto, agora vou só jogar. Quando terminar minha carreira no futebol, vou me especializar e seguir na odontologia’.

Sílvio com a mão sobre a bola em foto do time do Uberaba SC(foto: Arquivo pessoal)

Sílvio no América: gols no Mineiro e plantão no consultório de patrocinador

Já como odontologista, Sílvio trocou o Uberaba pelo Palmeiras em 1988 e teve a oportunidade de jogar o Campeonato Brasileiro. Em 1989, transferiu-se para o Rio Branco de Andradas, pelo qual, segundo as próprias contas, acumulou 16 gols em 21 jogos. O ótimo desempenho no estadual e na Série B rendeu o interesse do América, que comprou seu passe em 1990.

Além de alegrar a torcida com muitos gols, Sílvio exerceu a profissão de dentista em Belo Horizonte. O empresário José Flávio Lanna Drumond, dirigente do Coelho na época, patrocinava o clube por meio de sua clínica de saúde bucal, a Clidec. Em uma espécie de jogada de marketing, contratou o atleta para prestar serviços no consultório.

“O José Flávio Lanna Drumond é uma pessoa com uma visão muito acima da média. Ele viu a oportunidade de me contratar, sabendo que eu era dentista, e ele tinha uma clínica, a Clidec. Procurou fazer um marketing grande e deu certo. Eu arrebentei no América naquela época, fui bem. E fiz uns plantões aos domingos na Clidec, depois dos jogos, para não ficar fora da ativa. Nesse ponto, deu tudo certo”.

Sílvio, ex-jogador do América
Sílvio em treino pelo América em 1990(foto: Jorge Gontijo/Arquivo EM – 16/01/1990)

Muitos torcedores buscavam atendimentos odontológicos só para ter contato com o ídolo. “Aconteceu muitas vezes isso. Principalmente quando se está no auge. Muitas pessoas sabiam do meu horário de plantão na Clidec e apareciam lá. Às vezes para olhar uma coisinha de nada, aí aproveitavam para tirar uma foto ou pegar um autógrafo”, relata Sílvio.

Segundo o site O Canto do Coelho, que contém fichas técnicas do América desde a sua fundação, em 1912, Sílvio jogou 33 partidas no Mineiro de 1990 e fez 20 gols. Ao fim da competição, o atacante recebeu propostas do Internacional e do Yomiuri FC (atual Tokyo Verdy), do Japão. Ele escolheu ir para o exterior em razão do salário 30 vezes maior ao que recebia no Brasil.

Sonho realizado no Palmeiras

Devido à grande performance no Campeonato Mineiro, Sílvio jogou o Brasileirão de 1988 pelo Palmeiras. Sua contratação se deu por indicação do técnico do Uberaba, Paulo Leão, que defendeu o Verdão entre os anos de 1963 e 1964.

No Palmeiras, Sílvio diz ter jogado apenas duas vezes em sua posição de origem, já que o técnico Ênio Andrade o recuou para o meio-campo. Um pouco mais “longe” do gol, o atleta balançou a rede cinco vezes em 18 jogos (incluindo amistosos e compromissos oficiais).

“Individualmente, tive um trabalho muito bom. Tanto que há matérias sobre São Paulo e Fluminense interessados em mim. Eu joguei no meio-campo no Palmeiras. O Ênio Andrade me perguntou se eu topava jogar no meio-campo, eu aceitei, então fiz apenas duas partidas como centroavante. Tinha que voltar para marcar. O outro meia era o Edu Manga, que faleceu no último mês, era da minha idade. Ele também não voltava, então eu precisava marcar”.

No campeonato do qual o Bahia se sagrou campeão, o Palmeiras foi apenas o 16º colocado dentre 24 participantes. Silvio marcou um gol de cabeça na vitória por 1 a 0 sobre o Criciúma e outro em finalização na saída do goleiro no triunfo por 2 a 0 em clássico contra o Corinthians. Porém, na reta final da segunda fase, o jogador sofreu uma lesão muscular na coxa que o tirou de quatro partidas. Para ele, essa ausência foi determinante para o futuro fora do Palestra Itália.

“O Palmeiras não fez uma boa campanha. E mudou a diretoria na virada do meu contrato. Eu não tinha empresário. Isso fazia muita diferença. Em um jogo contra o Goiás, no Campeonato Brasileiro, se não me engano faltavam cinco rodadas, tive um estiramento no adutor e me afastou dos últimos jogos do Campeonato. Naquela época, o Brasileirão não tinha segundo turno. Então, fiquei fora dos quatro últimos jogos”.

Sílvio Bernardes

Ainda assim, Sílvio se sente realizado por ter defendido o clube do coração. “Não é porque joguei no Palmeiras, mas sempre fui torcedor. Jogar no Palmeiras foi a realização de um sonho. Quando cheguei para acertar meu contrato, quem estava ali era o Edu Manga. Sentei na sala, ele voltando da Seleção Brasileira. Imagina a cabeça de um garoto de 20 anos chegando ao Palmeiras. De repente, estou treinando com todos eles. Depois, virei titular. Então, as coisas foram acontecendo e eu me sentia preparado”.

Sílvio em ação pelo Palmeiras na temporada de 1988

Do futebol para o consultório odontológico

Em 12 anos como jogador profissional, Sílvio foi acometido por graves lesões nos dois joelhos. Na época, segundo ele, a recuperação para a ruptura do ligamento cruzado anterior (LCA) demandava mais de um ano. Desta forma, o ex-atacante praticamente perdeu duas temporadas ao se machucar no Yomiuri (Japão) e no retorno ao América, em 1993.

“Tive LCA nos dois joelhos. Naquela época, era um ano para voltar a jogar. Eu estava no América, recuperado de um joelho. Na véspera da minha estreia, machuquei o outro joelho em um treino coletivo. Foram dois anos seguidos. Isso interrompe a carreira de qualquer jogador”.

Sílvio batalhou para regressar aos gramados. Com muito esforço, conseguiu atuar por Democrata de Governador Valadares, Tupi, Valeriodoce, São José-SP e Rio Verde-GO. Entretanto, a mobilidade e a velocidade não eram mais as mesmas. Assim, ele colocou um ponto final na carreira em 1996, aos 28 anos, passando a se dedicar exclusivamente à odontologia.

“Chegou um certo momento, depois das minhas sete cirurgias no joelho, vi que tinha outra profissão, pensei: ‘já está bom, minha velocidade não é a mesma, a minha impulsão não é a mesma, então vou seguir a outra profissão’. Eu queria jogar um futebol de excelência, mas vi que não estava rendendo o suficiente. Aí parei e fui para a odontologia”.

Sílvio Bernardes
Recepção da clínica Odonto Plus, em Uberaba(foto: Sílvio Bernardes/Arquivo pessoal)

Graças ao “plano B”, Sílvio tem a vida estabilizada em Uberaba. Segundo o ex-jogador, o futebol deu uma “certa base”, mas era preciso se preparar fora das quatro linhas. “A odontologia me deu a condição de ter um futuro da maneira que eu quisesse. Hoje eu tenho uma clínica em Uberaba com três dentistas que trabalham para mim. Logicamente, eu trabalho também o tempo inteiro. Mas se um dia eu decidir parar, já tenho o prosseguimento do ramo”.

“As três dentistas – Drª Camila, Drª Débora e Drª Marcela – são excelentes profissionais, então fico muito tranquilo. Todo serviço que está nas mãos delas eu fico tranquilo. Sou grato a elas pelo trabalho. Hoje já posso parar um pouquinho mais cedo, pois elas continuam no batente”, acrescenta Sílvio, que possui especialização em cirurgia e implantodontia.

Filho quer seguir os passos do pai

Casado com Karina, Sílvio é pai de Davi, de 17 anos. O filho do ex-atacante do América foi aprovado no vestibular para engenharia de computação, porém ainda quer tentar a sorte no futebol.

“Ele está com uma avaliação agendada no Goiás. Tem potencial. Eu deixo ele à vontade para tomar a decisão. Ele falou: ‘eu quero tentar’. Eu falei que consigo alguns lugares para ele fazer o teste. O resto, depende dele. É ir lá e mostrar o potencial, com atitude, sendo determinado. Se mostrar futebol, vai conseguir”.

Sílvio, sobre o filho Davi
Sílvio Bernardes (o terceiro da esquerda para a direita) ao lado de ex-jogadores do América e o filho Davi (à direita)(foto: Arquivo pessoal)

Sílvio classifica Davi como “um cara para fazer gol”. “Tem uma impulsão muito grande e uma velocidade acima da minha nos meus tempos de jogar”. O garoto treinou até os 14 anos no Ipiranga, clube de Uberaba. Quando entrou no ensino médio, as aulas em tempo integral dificultaram a rotina no futebol.

“Onde ele estuda, há aulas de 7 da manhã às 18h20 às segundas, quartas e sextas. Então, ficou muito difícil. Mas ele falou que quando terminasse o 3º ano, queria tentar em algum lugar. Ele treinou o ano inteiro com um preparador físico de nome em Uberaba, o Neto Masson. Agora, está prontinho para tentar uma chance em algum lugar”, ressalta Sílvio.

Assista à íntegra da entrevista de Sílvio Bernardes ao No Ataque

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