Para além do modelo de jogo, dos preceitos táticos, do 3-2-5 ou do 3-4-3… Novo técnico do Atlético, o argentino Gabriel Milito valoriza o aspecto mental tanto quanto qualquer outro no futebol. Na visão do “Marechal”, como ficou conhecido no país natal, o fator humano é tão determinante para o sucesso de uma equipe como a proposta dentro das quatro linhas.
A mentalidade no esporte bretão foi o principal foco de uma entrevista concedida por Milito ao “La Nacion”, da Argentina, em dezembro de 2023. É inegável: chama atenção a forma com que o novo comandante alvinegro encara o futebol – e suas declarações guardam certa semelhança com as de Fernando Diniz, campeão da última Libertadores com o Fluminense.
Na concepção de Milito, “a derrota é necessária”. Em tempos de pressão por resultados de todos os lados e ciclos curtos de trabalho no Brasil, a frase é quase contracultural, mas carrega consigo explicação plausível.
“A derrota é necessária. É necessário sentir a dor que ela te traz para que, depois, você não fique louco com a vitória. Você aprende que isso é cíclico. Por isso, o melhor é o equilíbrio. (…) A paixão é imprescindível, mas ao mesmo tempo temos a obrigação de sermos racionais. Uma pessoa que está tomando decisões o tempo todo não pode se deixar invadir somente pela paixão. Eu não posso deixar de pensar.”
Gabriel Milito ao La Nacion, em dezembro de 2023
“Faço de tudo para que as coisas saiam bem, para obter um bom resultado, para ganhar. Mas também sei que muito poucas vezes se ganha. Ganham poucos. É dificílimo ganhar. Então prestigio o processo, o caminho, e desfruto disso. Tampouco creio que ganhar um campeonato vai modificar minha maneira de pensar, muito menos mudar o meu status”, acrescentou em outra resposta.
“Manejar o fator humano” é pilar do trabalho para Milito
No meio do futebol, é comum que treinadores trabalhem com grupos de 30 a 40 atletas. Tratam-se de ao menos 30 histórias de vida diferentes, com visões de mundo e personalidades distintas.
Para Milito, o caminho para extrair o melhor de um jogador passa por “chegar ao seu coração”. A filosofia torna evidente a importância de um trabalho mental com os comandados – prova disso é a vinda do psicólogo argentino Patricio Morales na comissão do novo treinador do Atlético.
“É muito importante que nós, treinadores, saibamos manejar o fator humano. Não podemos perder nunca de vista uma obviedade: o futebolista é uma pessoa, antes de mais nada. Se você não chega ao seu coração, não vai conseguir muito dele. E a melhor maneira de entrar em seu coração é dizendo a verdade. O que ele quer escutar e o que não quer, da maneira mais sincera. E aí é onde o jogador se entrega”, disse.
“Comportamento, educação, modos, família… Tudo isso conta, e conta muito. Tentamos averiguar tudo. Eu quero saber tudo isso. Muitas vezes é igual ou mais importante o comportamento do jogador fora do campo, fora do clube. Hoje em dia, enquanto você não está descansando, há rivais que estão fazendo isso. E já estão tomando vantagem sobre você”, completou Milito.
Milito: “Prefiro o jogador com uma grande mentalidade”
A técnica, por si só, é suficiente para que um jogador seja titular de uma equipe treinada por Gabriel Milito? O argentino garante que não.
O Marechal assegura ter preferência por atletas que tenham “compreensão do jogo, em detrimento somente da técnica”. O ex-zagueiro acredita que seus comandados precisam entender e pensar o futebol.
Em contrapartida, Milito reconhece ter pouca tolerância quando sente que seus times dão “duas marchas a menos”. O treinador, de toda forma, prefere assumir a responsabilidade para si após as derrotas.
“(Erro) muitas, muitas vezes. E quando isso acontece, vou ao dia seguinte e digo aos garotos: ‘Fiquem tranquilos porque a cagada foi minha’. E explico os porquês. Não posso olhar para o lado. O responsável sou eu e assim devo assumir. (…) O que eu não perdoo quando as coisas não vão bem é se detecto que a equipe deu duas marchas a menos.”
Gabriel Milito, novo técnico do Atlético
Disciplina como caminho para os atletas – especialmente os mais jovens
O Atlético representará o sexto trabalho de Milito à beira do gramado. Nos outros times que comandou, se destacou também em virtude do uso de jogadores advindos das categorias de base.
Para esses futebolistas, no entanto, o treinador prega atenção especial. O ex-zagueiro se preocupa até mesmo com os empresários escolhidos por esses jovens e disse ter visto, no futebol argentino, muitos garotos trocarem de agentes por motivos financeiros – e não relacionados ao projeto esportivo.
A disciplina também é uma grande aliada da filosofia do Marechal no futebol. Milito valoriza os atletas que demonstram empenho a todo instante, mesmo quando não acionados nas partidas.
“Os jogadores são pessoas – muitas delas jovens – e têm que desfrutar a vida, mas há tempo para tudo. E é muito importante saber escolher. Quer comer um churrasco com os amigos? Claro que pode, mas se você vai jogar no domingo, não faça isso na sexta à noite. Faça isso na terça ou na quarta-feira. E vá dormir cedo, às 12 da noite, e não às três da manhã”, prega.
“Eles precisam ter hábitos saudáveis, devem estar bem rodeados e se deve ensiná-los que as coisas são conquistadas com esforço. E você precisa amar o que faz. Seu único objetivo tem que ser crescer. Hoje, estar no time titular; amanhã, no banco; depois, entrar um pouquinho; depois, ser titular, e depois, ser o melhor da equipe”, segue.
A preocupação do argentino com o aspecto mental se estende, inclusive, a uma realidade propulsionada pela tecnologia neste século: a das redes sociais. “Gaby” Milito aconselha os jogadores “mais influenciáveis” para que não leiam notícias e comentários nessas plataformas.
“Se um jogador é muito influenciável, e as redes sociais afetam seu rendimento, eu digo: ‘Não leia nada’. Porque qualquer um opina. Um anônimo. Talvez seja um tipo de pessoa que não entende nada – não só de futebol, como também da vida! Portanto, que importância isso tem? Zero. Zero. Eu penso assim. (…) No vestiário não, nem antes e nem depois dos jogos, porque te distraem”, argumentou.
Milito: “Ao jogador se tem que educar”
A maioria dos atletas que alcançam o futebol profissional tem origem humilde. No Brasil e no mundo, é comum que jogadores, ao conquistarem uma nova realidade financeira, adquiram bens materiais de alto valor.
Para o novo treinador do Atlético, contudo, “isso é momentâneo”. Os objetivos da carreira de um futebolista, na concepção de Milito, devem estar mais associados ao campo e bola do que às possibilidades no mundo externo às quatro linhas.
“Ao jogador se tem que educar, ensinar que a carreira não é sobre ter um carro de última geração hoje, nem viver em um lugar de luxo, nem receber um monte de dinheiro de seu representante – para além do que o clube lhe dá”, refletiu.
“Isso é momentâneo e faz perder o objetivo de vista: treinar, melhorar, crescer como futebolista; seguir formando-se como pessoa e como profissional; observar e copiar os maiores; escutar muito e falar pouco, escutar o treinador; quando for reserva, ser o melhor reserva do mundo; quando iniciar, entregar o melhor à equipe, e se voltar a ser reserva, ter humildade para dizer: ‘Sem problemas, sigo crescendo’. Hoje os garotos querem tudo, e de maneira imediata”, encerrou.
Milito no Atlético
Nos últimos dias, a reportagem de No Ataque conversou com Vicente Muglia, biógrafo e amigo de Gabriel Milito. O jornalista argentino disse acreditar que o técnico precisará de tempo para desenvolver sua ideia de jogo no Atlético.
Por acaso do destino, o Marechal pode ter oportunidade de conquistar o primeiro título da carreira como treinador logo na segunda semana de trabalho no Galo – diante do rival Cruzeiro, na final do Campeonato Mineiro.
Milito ainda comanda os primeiros treinos na Cidade do Galo, em Vespasiano. Com pouco tempo de atividades, enfrentará uma verdadeira “maratona” logo de cara, com jogos do Estadual, da Copa Libertadores e do Campeonato Brasileiro.
Mesmo sendo descrito como um “obcecado por vitórias”, o comandante, de toda maneira, não pauta o trabalho somente pelo resultado. Milito acredita que o futebol é um meio para causar emoção em quem é apaixonado pelo jogo. Assim, o treinador espera construir identificação com o Atlético – um dos clubes mais populares do país.
“Quero ganhar, mas não para satisfazer meu ego. Quero ganhar porque significa que teremos gerado alegrias para outros. Mas para mim? Ganhar algo não vai me fazer um melhor treinador. Talvez para fora sim, me vejam com outros olhos. Mas para mim não.”
Gabriel Milito, novo técnico do Atlético