
As críticas à atual gestão do Atlético têm gerado desavenças entre donos da Sociedade Anônima de Futebol (SAF) do clube e jornalistas. Nos últimos meses, tornaram-se públicos episódios em que alguns dos principais investidores alvinegros foram acusados de intimidar, bloquear e/ou afastar profissionais da imprensa, influenciadores e torcedores. Nesta reportagem, o No Ataque revisita casos que aumentaram o desgaste da cúpula atleticana nas redes sociais e busca os envolvidos: desde repórteres, comentarista e colunistas à família Menin.
O episódio mais recente da série de controvérsias foi exposto por Guilherme Frossard, no YouTube. O jornalista, que tem um canal focado na cobertura do Atlético, exibiu um print de uma conversa com o empresário Rafael Menin, datada de 2 de dezembro, logo após o time ser derrotado por 3 a 1 pelo Botafogo na final da Copa Libertadores, no Estádio Monumental de Nuñez, em Buenos Aires.
Mais cedo naquele dia, Frossard havia publicado uma coluna em O Tempo em que criticava uma nota divulgada pelo investidor e contestava outros pontos da relação entre Atlético e torcida. Incomodado com o texto, Rafael Menin enviou a seguinte mensagem ao jornalista: “Rapaz, a vida vai te ensinar que o mau caráter nunca vence a longo prazo”. O jornalista, então, respondeu: “Não tem nada sobre caráter, Rafael”.
“Entenda como você quiser. Daqui a alguns anos talvez você tenha uma melhor compreensão”, rebateu Rafael, que, em seguida, bloqueou Frossard no WhatsApp.

O caso repercutiu nacionalmente. A revista Placar, uma das mais tradicionais do país, interpretou a conversa como uma ameaça do empresário. Frossard, por sua vez, disse ter divulgado o print por entender que essas atitudes estão ‘enraizadas’ na SAF alvinegra.
“É algo que vai além da figura do Rafael Menin, porque acho que é algo que está impregnado no Atlético. Não é uma questão personificada nele, mas sim um problema institucional, em que ele é um dos agentes nesse caso. Uma dificuldade que o Atlético tem hoje de lidar com o contraditório”, pontuou, na segunda-feira (9/11), em live.
“Quem gere um clube de futebol, para ter a mínima condição de trabalhar, de viver, tem que saber lidar com o contraditório. O clube de futebol é diferente de uma construtora, de um banco, porque não existe a torcida ‘Internáticos, MRV Loucos’, porque não existe torcedor fanático de construtora”, prosseguiu, ao se referir ao Banco Inter e à MRV, empresas gestadas por Rubens Menin e Rafael Menin, os dois mais influentes donos do Galo.
Posicionamento de Rafael Menin
Para cada caso mencionado nesta reportagem, o No Ataque solicitou posicionamentos do Atlético e dos investidores envolvidos. Rafael Menin, por meio da diretoria de comunicação alvinegra, afirmou que o trecho da conversa divulgada por Frossard não incluiu o “devido contexto”, mas admitiu que adotou um tom inadequado.
“Foi divulgado um trecho de uma conversa privada e sem o devido contexto. A conversa foi feita no calor de uma coluna que o executivo julgou injusta, porém admite que no trecho divulgado não tem o tom adequado”, lê-se no posicionamento de Rafael Menin, por meio da comunicação atleticana.
Intimidação a Mário Marra
Recentemente, outro jornalista a relatar uma episódio de intimidação associado ao Atlético foi o comentarista Mário Marra, da ESPN. Em 5 de dezembro, o profissional disse que uma pessoa do clube ‘pediu sua cabeça’ na empresa pelo fato de ele não ter feito determinados questionamentos em uma entrevista com Alexandre Kalil, ex-presidente do Galo e desafeto público dos 4 Rs do clube: Rafael Menin, Rubens Menin, Renato Salvador e Ricardo Guimarães.

“Você acredita que ligaram na ESPN para me criticar? Porque eu não apertei o Alexandre Kalil, porque ‘ele teve um problema nas contas, alguém da família dele viajou com dinheiro do Atlético’. Eu olhei e falei, as pessoas que cuidam do Atlético são conselheiras, não é o jornalista que está na entrevista”, iniciou, durante um programa ao vivo na emissora.
“Agora, quem aprova ou não as contas as aprovou. Anos depois vem pedir minha cabeça? Você teve oportunidade de reprovar as contas, você não reprovou e quer a minha cabeça? Na ESPN não deu certo, pelo contrário”, completou o jornalista, sem citar nomes.
Em contato com o No Ataque, Marra relatou que o caso ocorreu em setembro de 2023. Ele contou ainda que recebeu uma mensagem após a entrevista com Kalil e ouviu de uma pessoa do clube que a emissora não seria mais “bem vista”.
“Eu recebi uma mensagem e também conversaram na TV, falando que foi uma situação que desagradou, que a ESPN não é mais bem vista pelo Atlético, não precisa contar com o Atlético, algo assim. E a ESPN respondeu: ‘OK, está bom’. Até ofereceu direito de resposta, mas não baixou a cabeça”, contou.
Apesar disso, Marra prefere evitar o tópico. Ele não viu nenhuma represália quando foi à Cidade do Galo para entrevistar Gabriel Milito, ex-técnico do time, mas entende que os gestores precisam lidar melhor com as críticas.
“Eu não gosto do assunto. Quando lembrei, foi falando que a forma de gestão é diferente das empresas premiadas e vencedoras que os gestores têm. E que, infelizmente, no futebol, as pessoas acabam tocando muito no fígado. Não deve ser assim. Esse é o meu ponto. Mas não quero nada a mais do que isso. Não gosto de polemizar, tanto que fui falar da situação mais de um ano depois do ocorrido. Eu, pessoalmente, depois disso, voltei no Atlético para entrevistar o Milito e fui muito bem tratado”, finalizou.
Posicionamento do Atlético
O Atlético também se posicionou sobre o episódio: “Sem que ele revele quem foi e quando isso ocorreu fica difícil para o clube responder. Não é prática do Clube Atlético Mineiro fazer esse tipo de solicitação e se isso aconteceu foi um ato isolado de um individuo não alinhado com os valores da instituição”.
Bloqueios em rede social
As atribulações dos Menin com jornalistas e influenciadores se estendem às redes sociais. Rafael, por exemplo, bloqueou o influencer Lucas Tanaka (independente) e o jornalista Betinho Marques, do Fala Galo, no X (antigo Twitter). Ambos contam com quase 60 mil seguidores na rede social.
Tanaka crê que o ‘block’ veio após uma crítica à gestão do Atlético. Ele relembrou uma promessa feita por Rubens Menin, que, em 2020, projetou o clube como potência mundial dali a cinco anos.
“Após o tweet, onde ao meu ver, não fiz nenhuma crítica pessoal e não feri a honra de ninguém, o Rafael Menin me bloqueou. É isso aí, rapaziada, se criticar, já sabe, né?! Seguirei fazendo o que acho que devo, mantendo o respeito sempre, mas jamais deixarei de ser eu”, publicou, no X, na ocasião.
À reportagem, Tanaka lamentou: “Vejo esses ‘blocks’ com muita tristeza. Me passa a impressão de que os gestores da SAF não sabem o que de fato compraram. Que não são suas empresas em suas vidas pessoais que estão gerindo, e sim um clube de futebol que conta com mais de oito milhões de torcedores e, muitos desses, completamente apaixonados”, afirmou.
“Deveriam saber que críticas estão no pacote e deveriam saber lidar com isso. A impressão que fica é que esses caras foram bajulados em boa parte das suas vidas e, quando recebem críticas, não sabem lidar. Enfim, estão indo para um caminho muito perigoso, de censura, bloqueio e falta de comunicação. Estão afastando o torcedor do clube. Em toda a minha vida que acompanho o Galo, nunca vi a torcida tão afastada do clube”, completou.

Betinho, por sua vez, demonstrou tristeza com a situação. Ele citou outras oportunidades em que alguém do clube – ou ligado a ele – questionou a postura do Fala Galo.
Em janeiro de 2023, por exemplo, o grupo recebeu ligações de André Lamounier, ex-diretor de comunicação do Atlético, cobrando ‘atleticanidade’ por conta de uma publicação que questionava o poderio financeiro de Peter Grieve, postulante a comprar a SAF do clube naquele momento.
“Depois disso, tivemos até livro declinado com empresa da obra da Arena MRV que “desistiu” – depois de verbalmente acordado – e outras ações diversas que dificultaram nosso trabalho. (…) Tive confirmação direta de que nosso trabalho teria mais obstáculos, mas só estou falando disso porque vocês estão nos perguntando sobre os últimos acontecimentos”, relembrou.
“Todos têm direito e podem se relacionar e responder com quem quiserem, mas quando se trata de pessoas sérias como Silas (Fala Galo), Baldo (Fala Galo), Fael (TV Alterosa), Mário Marra e Frossard e atleticanos bem intencionados como o próprio Lucas Tanaka, quem perde com o não contraditório, é todo mundo. Até porque são pessoas que vivem o Galo de forma genuína”, completou.
Além deles, diversos torcedores relatam que foram bloqueados pelos Menin no X. Renato Salvador e Ricardo Guimarães, por sua vez, não têm contas públicas nas redes sociais.
Posicionamento dos Menin
Também por meio da comunicação do Atlético, Rubens e Rafael Menin se posicionaram sobre os “blocks” em redes sociais.
“Rede pessoal dos gestores seguem critérios pessoais. Todo usuário de rede social tem o direito de seguir e bloquear quem achar adequado. As redes do clube são abertas a todos”, lê-se, em trecho sobre os bloqueios de Rafael a Tanaka e Betinho.
Rubens e Rafael se posicionaram, ainda, a respeito dos “blocks” a torcedores. “Todos os bloqueios feitos são por atos violentos, ofensas graves ou ameaças. Nenhum torcedor foi bloqueado por críticas pessoais ou à instituição. A grande maioria são de perfis falsos ou robôs que disseminam ameaças, palavrões e fake news“, alegam.
Episódios com colunistas do Estado de Minas
Em outubro, a imagem do colunista do Estado de Minas Fred Melo Paiva foi apagada do ‘Califórnia Alvinegro’, um muro repleto de figuras com torcedores-símbolos do Atlético. Em contato com a reportagem, o jornalista – crítico da gestão atual – disse que se sentiu ‘premiado’ e triste ao mesmo tempo.
“Me senti premiado, porque todo jornalista que se dispõe a honrar o seu diploma e profissão tem como patrão o seu leitor, não os poderosos de plantão. (…) Quando apagaram a minha imagem, aquilo para mim funcionou como um atestado de que eu estava fazendo a coisa certa, porque eu não posso ter vaidades com relação ao que os donos do clube vão fazer com a minha figura, não posso ter medo de expor o que penso porque são poderosos”, iniciou.
“Por outro lado, eu fiquei muito triste, porque era uma constatação de como pessoas se abocanham de um clube sem nenhum respeito às suas tradições, que no caso do Atlético são democráticas. (…) Você calar uma pessoa que é crítica à gestão me entristeceu, de como essas pessoas não compreendem a história do clube”, completou.
“Me entristeceu demais constatar como são burros, me desculpe a expressão, porque quando você queima um livro, você transforma ele no best-seller (os mais vendidos). Minha imagem não estava causando nenhum problema, quando ela apareceu gerou um pequeno ruído em rede social, mas uma coisa restrita. Ao apagar a imagem, denotou uma série de coisas que ficaram e estão expostas”, finalizou Fred Melo Paiva.

Outro episódio que envolveu produções do Estado de Minas ocorreu no início de dezembro, quando o colunista Renato de Faria publicou um texto com o seguinte título: “Quem nasce Menin nunca será Kalil”. A produção foi apagada pouco tempo depois por decisão do próprio autor.
Posicionamento do Atlético
O Atlético e dirigentes alvinegros foram muito criticados pelo apagamento da imagem de Fred Melo Paiva, colunista crítico à gestão atual. Na época, o clube alegou que periodicamente as imagens do “Califórnia Alvinegro” serão atualizadas – posicionamento reforçado mais uma vez.
“O clube já se manifestou sobre o fato na ocasião, periodicamente as figuras vão sendo atualizadas e a forma que foi feita com o jornalista não teve nenhuma ingerência de qualquer executivo da instituição”, diz o Atlético.
Ao comentar o contexto geral dos últimos episódios, o Galo adicionou: “O clube não promove qualquer ato de censura ou ameaça com qualquer jornalista e mantém com a imprensa uma relação de respeito e colaboração”.