ATLÉTICO

Os novos posicionamentos de Cuca e Atlético sobre o ‘escândalo de Berna’ e o que se sabe do caso

Anunciado como técnico do Atlético, Cuca foi condenado por coação e ato sexual com uma adolescente de 13 anos em 1987; sentença foi anulada em 2023
Foto do autor
Compartilhe

O Atlético anunciou o retorno de Cuca nesse domingo (29/12). Com a confirmação da contratação, parte da torcida protestou em redes sociais e relembrou a condenação do técnico na Suíça por coação e ato sexual com uma adolescente de 13 anos, ocorridos em 1987. Em 2023, a sentença de 15 meses de prisão e 8 mil dólares foi anulada porque a audiência, em 1989, não contou com representante legal do então jogador do Grêmio. Contudo, o mérito (a ocorrência ou não dos crimes) não foi julgado novamente, já que o caso prescreveu. Esta reportagem resume o episódio e traz novos posicionamentos do Galo e do próprio Cuca.

O técnico deu entrevista ao No Ataque nesse domingo, horas depois de ter sido anunciado pelo Atlético. Cuca lembrou o período em que deixou o Corinthians, em 2023, devido à pressão de torcedores e, principalmente, torcedoras, revoltados com o ‘caso Berna’. O novo comandante atleticano afirmou que tem financiado projetos voltados às mulheres, disse que “não deve nada à Justiça” e que o seu desejo é “ser uma pessoa melhor do que foi”.

“Quando eu fui para o Corinthians, isso veio igual uma bomba. Eu não me preparei. Eu fui para ser o treinador e aconteceu tudo o que aconteceu. Eu saí um ano sabático para cuidar disso e gastei uma fortuna para reabrir o processo, que já estava extinto. Eu só não consegui fazer um novo julgamento porque a moça não existe mais. Infelizmente. Então, o que a Justiça da Suíça fez foi anular o processo e pagar uma indenização, que eu doei lá mesmo. Eu não tenho mais o que fazer. Não é o caso de: ‘Você deve para a Justiça’. Eu não devo nada”, disse Cuca, que seguiu.

“De lá pra cá, eu me comprometi pela causa e tenho feito diversas coisas, sabe? Muitas coisas em cima disso, como curso de árbitras que eu paguei, doação de chuteiras que eu faço. Muitas, muitas coisas. Um instituto que eu tenho, com três núcleos, que tem meninas trabalhando. E vou fazer muitos outros. Por quê? Porque é uma coisa que eu quero fazer, do meu coração. Eu quero ser uma pessoa melhor do que fui”
Cuca, novo técnico do Atlético

Mudança de posicionamento

O caso caiu em esquecimento durante anos na imprensa e entre torcedores até que, em 2021, um grupo de atleticanos protestou nas redes sociais e presencialmente contra a contratação do técnico. Na época, Cuca respondeu às cobranças por meio de uma entrevista à jornalista Marília Ruiz, do Uol, em que disse: “Para resumir: eu não tenho culpa nenhuma de nada, nunca levantei um dedo indevidamente ou inadequadamente para alguma mulher”.

A pressão voltou a crescer, desta vez com um peso ainda maior, quando torcedores do Corinthians se manifestaram contra o técnico em 2023. Em 2024, o Athletico-PR, também sob alguns protestos, o contratou. Foi quando Cuca mudou o posicionamento e fez uma espécie de mea culpa, comprometendo-se publicamente a ajudar projetos de mulheres.

O No Ataque perguntou ao técnico atleticano sobre não ter falado tanto sobre o ocorrido até a grande repercussão no Corinthians. “Eu não falava sobre o caso. Por quê? Porque ninguém perguntava sobre o caso. O mundo era outro. O mundo mudou. O que não pode ser posto é um fato de lá nos dias de hoje. São coisas diferentes. Você tem que pôr o fato de lá e a vida daquele tempo”, disse.

Procurado, o Atlético também se posicionou: “O Clube respeita todas as opiniões, mas entende que o assunto já foi explorado em outras ocasiões e que o treinador já se pronunciou publicamente a respeito. Cuca, além de ser o técnico mais vitorioso da nossa história, possui total capacidade para levar o Galo novamente a grandes conquistas”.

Cuca, treinador - (foto: Reprodução/Rede Furacão)
Cuca foi técnico do Athletico-PR em 2024(foto: Reprodução/Rede Furacão)

O caso em Berna

Após conquistar o Campeonato Gaúcho de 1987, o Grêmio foi para a Europa para disputar a Copa Phillips, também conhecida como Torneio de Berna. Na estreia, em 29 de julho, o Tricolor venceu o Benfica por 2 a 1. Porém, no dia seguinte, um episódio extracampo abalou a delegação.

Naquele 30 de julho, Alexi Stival, conhecido como Cuca, de 24 anos, Eduardo Hamester, 20, Fernando Castoldi, 22, e Henrique Etges, 21, receberam Sandra Pfäffli no quarto 204 do Hotel Metropole, em Berna, na Suíça. Após o ocorrido, a adolescente de 13 anos acusou os jogadores de estupro. Então, a polícia suíça foi ao local deter os quatro atletas, presos no mesmo dia.

Durante o mês de agosto de 1987, os jogadores ficaram em diferentes prisões e foram mantidos sem comunicação. Eles prestaram depoimento mais de uma vez, inclusive com declarações de Eduardo e Henrique assumindo que tiveram relação sexual com a adolescente. A questão se tornou um caso diplomático entre Brasil e Suíça.

Depois de 28 dias preso, em 27 de agosto de 1987, Fernando foi liberado. Segundo a investigação, o ponta teria tido uma menor participação no crime, atuando como vigia do quarto enquanto os outros estavam com a vítima. No dia seguinte, em 28 de agosto, Eduardo, Henrique e Cuca foram liberados, retornando ao Brasil imediatamente. Para deixar a prisão em Berna, eles pagaram 1,5 mil dólares cada – R$ 20 mil atualmente, em valores corrigidos pela inflação americana – como fiança.

Além do pagamento da fiança, os atletas se comprometeram que atenderiam eventuais solicitações posteriores da Justiça suíça, segundo informaram jornais da época. Porém, isso não ocorreu. Eles nem sequer retornaram para o julgamento, que ocorreu entre 14 e 15 de agosto de 1989, em Berna.

A condenação de Cuca e os outros jogadores

Sem a presença dos jogadores, o julgamento do caso ocorreu dois anos e 16 dias depois do primeiro capítulo do Escândalo de Berna e acarretou a decisão final da Justiça. Os atletas foram enquadrados no artigo 187 do Código Penal da Suíça, que fala sobre “atos sexuais com pessoas dependentes” e prevê prisão de até cinco anos.

Portanto, em 15 de agosto de 1989, eles foram condenados por ter “ato sexual com uma pessoa menor de 16 anos”. No julgamento, a Justiça entendeu que não houve violência por parte dos jogadores devido à ausência de provas de atos violentos. Por isso, eles não foram enquadrados no artigo 191, que poderia gerar uma pena de até 10 anos.

Desta forma, Cuca, Henrique e Eduardo foram condenados a 15 meses de prisão e uma multa de 8 mil dólares por coação e ato sexual com uma menor de idade. Já Fernando foi condenado apenas por coação, já que não foi provada a presença deste atleta no ato sexual, com a pena de três meses de prisão e 4 mil dólares.

Os atletas, contudo, nunca retornaram à Suíça para cumprir a pena, já que o Brasil não extradita os seus cidadãos natos. Eles, assim, seguiram a carreira normalmente. Em 2004, ou seja, 15 anos depois, a condenação foi prescrita, como prevê a atual legislação suíça.

A presença de sêmen

Cuca, Henrique e Eduardo foram condenados por ato sexual, e isso foi provado pela Justiça da Suíça a partir de um laudo médico que apontou a existência de sêmen no corpo da vítima. Em 7 de agosto de 1987, ou seja, enquanto eles ainda estavam presos, o jornal O Globo falou sobre este exame e a presença do esperma.

Já em 2023, o ge teve acesso a um processo judicial, que estava em segredo de Justiça por 110 anos, que confirmou que havia sêmen de Cuca na adolescente. Outro detalhe descoberto é o registro policial de que Sandra reconheceu o atual treinador em uma das ocasiões em Berna.

Na entrevista ao No Ataque, Cuca negou que os autos do processo da Justiça da Suíça contem com a informação da presença de sêmen. “Exames não apontam [presença do sêmen]. Nada disso. Não aponta nada disso porque eu paguei peritos e está agora nos autos. Isso é folclore”, disse.

Cuca Corinthians - (foto: Foto: Reprodução/Corinthians TV)
Cuca ficou apenas dois jogos no comando do Corinthians(foto: Foto: Reprodução/Corinthians TV)

Por que a condenação de Cuca foi anulada?

O não cumprimento da pena e o desconhecimento de parte da sociedade sobre o caso pressionaram treinador. Desde então, Cuca conviveu com protestos de torcedores dos clubes nos quais trabalhou. O principal momento foi no Corinthians, em abril de 2023, quando foi contratado, mas ficou por apenas sete dias até pedir demissão.

Foi quando a defesa de Cuca acionou a Justiça da Suíça com contestações sobre a condução do caso em 1989, alegando que o então jogador não estava presente e não tinha nenhum representante. Logo, pelo “julgamento à revelia”, ele não teria tido possibilidade de questionar a decisão ou qualquer versão apresentada na condenação.

Em 22 de novembro de 2023, Bettina Bochsler, juíza do Tribunal Regional de Berna-Mittelland, anulou a condenação ao acatar a argumentação da defesa de Cuca sobre a sentença à revelia e ainda o indenizou com 13 mil francos suíços (R$ 75 mil). O valor baixou para 9,5 mil francos suíços (R$ 55,2 mil) pelos custos processuais do julgamento em 1989.

A falta de um representante legal fez a condenação ser invalidada e possibilitaria um novo julgamento, mas não foi possível porque o caso já estava prescrito. Pela morte de Sandra 15 anos após o caso, um filho da vítima foi procurado, mas ele decidiu não reabrir o processo.

Desta forma, a condenação de Cuca – os outros jogadores não procuraram a Justiça e, com isso, não tiveram os casos revertidos – foi invalidada pela forma com que foi feito o júri em 1989. Contudo, não foi julgado o mérito. Ou seja, a anulação não fala sobre a culpa, pois apenas foi discutida a forma equivocada que a sentença foi feita. Logo, o único momento que o mérito foi julgado foi em 1989, e o resultado foi a condenação dos atletas.

Compartilhe