Ainda não existem clubes brasileiros na B3, a bolsa de valores do Brasil, mas o Atlético já vislumbra essa possibilidade no futuro. O que mudaria no caso de o clube colocar parte das ações da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) à venda? Quais os pontos positivos e negativos? O No Ataque responde, a seguir, as principais dúvidas sobre o tema.
O Atlético pode entrar na bolsa?
A bolsa de valores é um mercado organizado no qual pessoas e empresas compram e vendem ações e outros investimentos, como títulos e fundos. Sendo uma SAF, o Galo está apto a disponibilizar cotas para possíveis investidores mediante o cumprimento de três requisitos.
Para isso, o clube teria que registrar a empresa na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como emissora de valores na categoria A, aderir a algum segmento de governança corporativa e demonstrar o balanço auditado. Todos essas condições poderiam ser cumpridas sem problemas pelo time mineiro.
Artur Horta, sócio da The Link, empresa especializada em investimentos, explica que as empresas precisam, no geral, ter pelo menos 20% das ações em circulação no mercado para entrar na B3 via IPO (Oferta Pública Inicial), que é o modelo tradicional de listagem das ações.
“Para determinados níveis de governança na B3 precisa ter um percentual mínimo de ações. Um clube não pode abrir capital no novo mercado com 1% das ações em circulação. Em alguns segmentos de governança vão ter mínimos regulatórios exigidos, enquanto outros não. Depende do nível de regulação que a empresa vai adotar na B3”, afirmou.
O clube pode definir o valor das ações?
Mas quanto custariam as ações do Atlético? Depende de quantas cotas os gestores colocariam no mercado e do valuation que seria estipulado por uma segunda empresa, algo parecido com o que ocorreu quando o clube determinou o valor da SAF.
“O clube pode definir o preço, mas isso depende do apetite dos investidores. Não adianta, por exemplo, o Atlético precificar um valuation de R$ 10 trilhões, isso não existe. É uma decisão financeira, então precisa encontrar o maior preço possível para que os investidores aceitem pagar”, explica Artur Horta.
Quais os pontos positivos?
Artur Horta também acredita que a entrada na bolsa de valores traria uma série de benefícios ao Atlético. Ele cita, a seguir, alguns deles.
“Primeiro que você passa a ter uma ampliação das contas de financiamento, tanto de reestruturação quanto de expansão, porque uma empresa que está fora da bolsa de valores é muito mais difícil fazer um aumento de capital com emissão de ações, com investidores diferenciados, acesso a financiamento barato por causa de relações com bancos. Fica mais fácil captar recursos, passa a ter acesso muitas vezes mais barato e alternativas diferentes”.
“Para uma empresa entrar na bolsa de valores precisa aderir práticas de governança que exigem mais transparência e que reduzem riscos. Para entrar na bolsa precisa ser uma empresa mais bem gerida, com um nível de governança corporativa melhor. Isso em si já é positivo para a empresa e para os investidores.”
“Terceiro: fortalecimento de marca. Uma SAF listada ganha credibilidade diante de patrocinadores, torcedores e investidores. Quarto: liquidez para seus acionistas. Hoje eles não conseguem negociar as ações deles de uma forma muito fácil, mas se está em um mercado aberto, podem negociar e vender a qualquer momento. Eles ganham liquidez no mercado secundário. Junto a isso tudo, você ainda atrai bons gestores por ter todos esses benefícios”.
E os riscos?
Por outro lado, o Atlético também assumiria riscos caso tomasse tal atitude. Existe, por exemplo, a possibilidade da demanda pelas ações disponibilizadas ser muito pequena, o que poderia fazer o valor de mercado do clube diminuir na bolsa de valores.
Além disso, com a volatilidade do mercado, o Galo poderia ter maior dificuldade para obter financiamentos. Outro ponto é que o clube teria mais gastos com auditorias e compliance, sendo também mais cobrado pelos resultados esportivos.
“Sendo um clube listado, vai lidar com pressão do mercado, o que vai exigir do clube um equilíbrio entre os objetivos financeiros e esportivos, objetivos de curto e longo prazo. E claro, exposição pública. Vai estar sob constante vigilância dos investidores”, opina Artur.
Quem poderia comprar as ações do Atlético?
A partir do momento em que o Atlético colocasse as ações no mercado, qualquer pessoa ou empresa poderiam adquirir as cotas. Neste cenário, a reportagem perguntou ao sócio da The Link: é provável que os grandes investidores comprassem os títulos? A resposta foi a seguinte:
“Pelo nível de educação financeira que o Brasil tem, acho que muitos torcedores comprariam sim as ações só para apoiar o time, sem ser com o viés de ganhar. Futebol é paixão, tem até uma frase inteligente, uma métrica financeira que as empresas usam, a CAC (Custo de Aquisição de Cliente)”, argumentou.
“O CAC dos clubes de futebol é praticamente zero, porque já nascemos torcendo para o time. Pelo menos no começo, acredito que muitos torcedores comprariam para ajudar. Mas a longo-médio prazo o que vai determinar se os torcedores fiquem ou não com essas ações vão ser os resultados do clube e o desempenho financeiro do clube”, disse.
“Os clubes brasieiros têm menos receita e, em alguns casos, maior endividamento do que os clubes europeus. No momento, comprar ações desses clubes no Brasil não vai parecer atrativo para investidores que vão se basear em mercados que existem há mais tempo vão falar: ‘isso está muito caro, não vale a pena comprar’. Mas por exemplo, se a dívida diminuí já fica mais atrativo”, explicou.
Quais grandes clubes no mundo estão na bolsa de valores?
Inglaterra
Manchester United (NYSE – EUA): listado na Bolsa de Nova York desde 2012
Tottenham (NEX Exchange – Reino Unido): listado em uma bolsa menor do Reino Unido desde 2001
Itália
Juventus (Borsa Italiana): listada desde 2001
Lazio (Borsa Italiana): listada desde 1998
Alemanha
Borussia Dortmund (Frankfurt Stock Exchange): listado desde 2000
Holanda
Ajax (Euronext Amsterdam): listado desde 1998
Portugal
Sporting (Euronext Lisboa): listado desde 2000
Porto (Euronext Lisboa): listado desde 1997
Benfica (Euronext Lisboa): listado desde 2007
Seria positivo para o Atlético entrar na bolsa de valores nesse momento?
Na visão de Artur Horta, o Atlético deve realizar esse movimento, mas não agora. Para ele, a diminuição da dívida de R$ 1,4 bilhão é essencial para que o clube tenha maior sucesso e tranquilidade na B3.
“Acho que entrar na bolsa de valores é positivo, mas o Atlético pode fazer isso em um momento de mercado mais favorável, em que as taxas de juros estiverem mais baixas, em um momento em que o clube começar a baixar as dívidas”, avaliou.
“Quando isso acontecer, o valor que os investidores vão estar dispostos a pagar será muito mais alto, então o clube pode aguardar um momento mais adequado para fazer isso”, completou.
O que a gestão do Atlético pensa sobre o assunto?
De toda forma, é improvável que o Atlético coloque as ações na bolsa por enquanto. O clube busca investidores externos para atacar, de forma mais expressiva, a dívida onerosa.
Rafael Menin, principal gestor da SAF alvinegra, gosta da ideia – assim como o pai Rubens Menin, outro grande investidor do clube. No entanto, o empresário entende que seria inviável nesse momento pela instabilidade do futebol.
“Eu acho que seria o negócio mais bonito do mundo. Se o Galo conseguisse abrir o capital e a própria torcida pudesse comprar uma parte do Galo (20%, 30%, 40%, 50%, que seja) e ser acionista do Galo, e a gente resolver a dívida dessa forma e o torcedor puder ter um pedacinho do Galo… Seria um projeto lindo, maravilhoso. Tem tudo a ver com o Galo esse pertencimento”, disse, em entrevista coletiva em 21 de junho.
“Agora, se isso hoje é viável? Eu acho difícil. No futuro é possível? Talvez sim. O brasileiro ainda não tem um hábito tão grande de investir no mercado de capitais. Mas está melhorando. Nunca nenhum time fez isso no Brasil. Mas lá fora tem! Tem alguns clubes de capital aberto, e a torcida tem 30% do clube, 40%. Seria a coisa mais bonita do mundo”, completou
“A gente conversa – eu e meu pai. Seria o sonho! Ao invés de a gente trazer um outro acionista, trazer a própria torcida. Mas eu acho muito difícil. O entendimento do futebol, como não é um negócio que tem retorno óbvio… Quando uma pessoa física compra uma ação da Vale, ela tem ali uma expectativa de valorização, de dividendo. O futebol ainda não, no caso do Galo, não tem um retorno óbvio”, frisou.