A Sociedade Anônima de Futebol (SAF) do Atlético atravessa momento desafiador, lidando com uma verdadeira crise financeira diante de uma dívida bilionária e atrasos de pagamentos. Na avaliação do jornalista Rodrigo Capelo, especializado em negócios no esporte, a situação do Galo é um “exemplo educativo” para outros clubes no mundo do futebol.
A princípio, em entrevista para o podcast Futeboteco, Capelo dividiu o problema financeiro do Atlético em três pilares. Os desafios alvinegros na gestão das finanças são: gastos maiores que a arrecadação, investimentos em atletas maiores que as vendas e o crescimento constante da dívida onerosa, que exige da SAF o pagamento de juros mensalmente.
“Eles dividem o problema em três etapas de um jeito bem didático, para entender: primeiro, eles têm uma conta operacional que está negativa. Ou seja, arrecadam menos do que gastam. Esse é o primeiro problema. No ano passado, pela primeira vez em cinco anos, conseguiram ficar um pouquinho positivos. Só que esse pouquinho positivo, tem que considerar que chegou em segundo lugar na Libertadores e na Copa do Brasil. Duas premiações muito grandes que não são fáceis de repetir todo ano. Considerando que para esse ano não se deve chegar nessas etapas, eles têm metas esportivas que são diferentes”, iniciou Rodrigo Capelo.
“Segundo: na conta de investimentos em atletas, o Atlético sempre gastou mais do que arrecadou. Sempre investiu mais na compra de jogador do que conseguiu levantar com a venda de jogador. É um clube comprador. A gente sabe disso pelos últimos cinco anos, desde 2021. E o torcedor não via problema nisso em 2021, quando ganhou tudo. Só que quando passa a não ganhar mais, já começa a reclamar. Essa conta está muito negativa. Agora, estão tentando equilibrar para que, pelo menos, se investiu R$ 100 milhões para comprar jogador, tem que levantar R$ 100 milhões. Estão tentando manter essa conta equilibrada”, prosseguiu.
“O terceiro passo disso, que é o mais complicado de todos, é que mesmo que o Atlético consiga equilibrar as duas outras contas, ele ainda tem uma dívida muito alta, que gera um juro absurdo a se pagar todos os anos. Se não me engano, próximo de R$ 200 milhões por ano. Porque a dívida do Atlético é muito grande, e o pior é o perfil dela, porque é uma dívida muito bancária. Foi feita com instituições financeiras. Isso, inclusive, fecha a porta para a solução que muitos clubes acharam, que é a da recuperação judicial. Se o Atlético entrar em uma recuperação judicial, ele vai abrir falência, porque os credores não vão aceitar os termos de uma recuperação judicial. Os credores são menos em quantidade, mas são muitos em quantidade de crédito que cada um tem. É por isso que eles não vão para recuperação judicial. Não é uma alternativa”, complementou.
A responsabilidade dos atuais gestores na situação do Atlético
Na avaliação do jornalista, os atuais gestores do Atlético têm grande responsabilidade pelo momento financeiro atravessado pelo clube. Os mais conhecidos são os empresários Rubens e Rafael Menin, mas nomes do mercado como Daniel Vorcaro, Ricardo Guimarães e Renato Salvador também estão envolvidos na administração alvinegra.
“Muito, muito (o tamanho da responsabilidade da atual gestão no aumento das dívidas). Assim, que o Atlético já era um time endividado antes da gestão dos 4 Rs, que é principalmente da família Menin, já vinha muito endividado. Muito endividado, sim. Só que, a partir de 2020, ainda que ainda não fosse uma SAF, o Atlético já vinha com uma gestão informalmente feita pela família Menin e pelos outros mecenas”, recordou.
“Eram presidentes que não tinham mais o poder absoluto sobre o clube, porque eles tinham entregue a administração para essas pessoas auxiliarem com consultorias de primeiro nível, com profissionais. A estratégia foi qualificar muito o time, ganhar competições, transformar em uma SAF, vender o shopping, construir um estádio, contando que a receita do clube aumentaria a tal ponto que essas contas todas fechariam. Só que a receita não aumentou. Para tudo isso funcionar, a receita do clube deveria ser de R$ 800 milhões, e não de quase R$ 500 milhões”, analisou.
“Eu não consigo dizer se o Atlético não tem potencial para arrecadar R$ 800 milhões, porque pode ser que daqui três, quatro ou cinco anos bata essa receita. Mas o fato é que a receita aumentou – foi de um clube que faturava R$ 200 milhões, R$ 300 milhões, para R$ 400 milhões, R$ 500 milhões -, só que não aumentou o tanto que era necessário para que essa conta fechasse. Foi feito com base em alavancagem. Ou seja, em dívida. O time se qualificou baseado em dívida”, continuou.
SAF do Atlético como “exemplo educativo”
Ainda na concepção de Rodrigo Capelo, a SAF do Atlético serve como exemplo em relação a como a alavancagem insustentável pode ser prejudicial à saúde financeira um clube de futebol. O jornalista avaliou como fator atenuante, de toda forma, a possibilidade de um novo aporte no Galo – seja dos atuais donos ou de um investidor externo.
“A SAF do Atlético é um exemplo educativo em relação a isso. Agora, pelo menos, uma diferença tem: antes, se o Rubens Menin fosse presidente da associação civil sem fins lucrativos, ele iria terminar o mandato dele, pegar o chapéu, ir embora e a dívida ia ficar para o próximo. Pelo menos, a gente sabe agora que a dívida é uma responsabilidade dele. A conta vai ter que fechar ou ele vai ter que pagar de algum jeito, teoricamente. A gente sabe também, no mundo corporativo, empresas vão à falência e muitos donos não são responsabilizados. No mundo real, fora do futebol, também não é bem assim que funciona”, argumentou.
O especialista em negócios no esporte ainda mencionou a possibilidade de que o Atlético reduza orçamento a partir de 2026, caso não haja novo aporte na SAF. Por fim, Capelo ainda avaliou a queda na popularidade de Rubens Menin em meio aos torcedores do Galo.
“Mas voltando à teoria e voltando ao futebol, a gente sabe pelo menos que não é como era antigamente, em que foi trocando de presidente e o Atlético foi passando a dívida para frente. O Rubens vai ter que achar uma solução para essa dívida. Digamos que ele não encontre nenhum investidor e não queira colocar o dinheiro dele para fechar essa conta, o que vai ter que fazer? Apertar o cinto. Contratar menos jogador, pagar salários mais baixos, arriscar de ficar perto da zona de rebaixamento”, frisou.
“Só que é o futebol, e o futebol envolve opinião pública, imprensa, imagem, pressão. E ele não é agora só o dono de uma construtora, de um banco e de uma rede de televisão. Sendo dono de um clube de futebol, a imagem dele está exposta em todo lugar. E ele viveu o bônus disso, quando foi o vovô Menin, que contratava todo mundo e que trouxe títulos ao Atlético, que possibilitou que isso acontecesse. Agora, ele é o vilão para muita gente. É um caso muito educativo de como o futebol funciona”, encerrou.
A crise financeira no Atlético
Com dívida superior a R$ 1,3 bilhão ao fim de 2024, de acordo com o balanço financeiro do clube, o Atlético convive com sérias dificuldades financeiras. Nos últimos meses, a SAF do Galo não honrou pagamentos a outras instituições e inclusive aos atletas, atrasando salários e direitos de imagem.
O clube está no mercado em busca de um investidor externo para novo aporte na SAF. Internamente, sabe-se que a necessidade é de entrada de um montante entre R$ 600 milhões e R$ 700 milhões para transformar significativamente a realidade do Atlético.