CORINTHIANS

Polícia investiga relação do Corinthians com influencers e milícia digital

Ação criminal orquestrada, com ameaças e disseminação de fake news nas redes sociais, está sendo apurada pela Polícia Civil de São Paulo
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Tiago Salazar – A Polícia Civil de São Paulo está investigando a relação da gestão Augusto Melo, no Corinthians, com influencers digitais que, desde a época de campanha eleitoral e também após a vitória nas urnas, agem com o intuito de promover e proteger a diretoria do clube nas redes sociais. A suspeita de eventual ação criminosa e orquestrada por meio de milícia digital, fonte de fake news e de ataques virtuais, está sob apuração dos departamentos de Operações Policiais Estratégicas (Dope) e Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC), com apoio do Gaeco (Crime Organizado).

A ação das autoridades foi iniciada após conselheiros do clube e jornalistas procurarem a polícia para relatar movimentações coletivas e ameaças, principalmente, nas redes sociais, mediante a todo e qualquer tipo de manifestação, porventura, interpretada como contrária ou de desagrado a atual administração corintiana.

“Há muito tempo nós estamos recebendo várias ameaças. Eu, pessoalmente, a minha família, e chegamos ao cúmulo de ameaçarem jogar uma bomba no Conselho. Fiz um boletim de ocorrência e pedi para abrir um inquérito, está tramitando”, contou Romeu Tuma Júnior, presidente do Conselho Deliberativo do clube e ex-delegado de polícia.

“Vai morrer gente daqui a pouco. Já comuniquei essa situação na delegacia, falei com o delegado César Saad e encaminhei para a delegacia que está apurando o caso da VaideBet”

Romeu Tuma Júnior

César Saad, delegado titular do Dope, explicou que a atuação da polícia, neste momento, além de identificar usuários, consiste em averiguar se existe, de fato, ação coletiva.

“O Dr. Romeu Tuma Júnior juntou os prints que ele tinha, já instauramos o inquérito policial e acionamos a Unidade de Inteligência Policial, que é quem faz o rastreamento destes domínios, pois, normalmente, estes usuários utilizam nomes fantasiosos. A partir daí, a gente identifica os dados cadastrais, o IP da máquina utilizada para esse tipo de ameaça, que, no caso do Romeu, foi bem clara. Isso leva a consequências criminais, está em andamento”.

“Agora, a gente vai estudar para entender se é um grupo, se pode ser alguma coisa montada, uma briga política, se tem interesses por trás ou se é uma ação individual. Quando é uma ação coletiva, orquestrada, as consequências são mais graves. Se for um ato isolado, é um crime de ameaça. Agora, se for algo orquestrado, dirigido a este propósito, aí pode ter uma consequência maior, pois configura uma ação criminosa, montada com objetivo de prejudicar pessoas e o próprio Corinthians. Temos de apurar com mais rigor”.

Rubens Gomes, conhecido como Rubão, ex-diretor de futebol de Augusto Melo, virou alvo de ataques nas redes sociais após atrito com o presidente do Corinthians antes mesmo de ser demitido do cargo. Ele conta que aproveitou a ida ao DPPC, quando prestou esclarecimentos sobre o caso VaideBet, para tratar do tema.

“Comecei a ser atacado sem saber o porquê, massacrado mesmo. Contratei uma empresa para gerir minha conta e entender o que estava acontecendo. O profissional entrou e encontrou vários robôs me atacando. Ele imprimiu isso e me entregou. Fiz um boletim de ocorrência e, quando fui depôr com o delegado Thiago Fernando Correia, entreguei a ele, e ele me disse que já sabia da milícia digital, e que ia tomar as devidas providências. Estão de olho nesta milícia. A polícia já sabe que é para intimidar as pessoas, estão checando os ‘IPs’, que, por mais que tenham sido apagados, vão ser mostrados para saber de quem é”, diz Rubão.

“Fiquei feliz em saber que a polícia já está investigando e dando atenção especial a isso, porque as pessoas não podem ser intimidadas por expressar o que pensam em pleno em século 21”.

Conselho do Corinthians

Augusto Melo e outros seis personagens, entre atuais e ex-membros da diretoria, terão de prestar esclarecimentos na Comissão de Ética do clube, sob risco de destituição do mandatário. No despacho de Romeu Tuma Júnior, que seguiu sugestão da Comissão Jurídica do Conselho Deliberativo, o presidente do CD cita, justamente, a milícia digital como um dos propósitos da necessidade de apuração dos fatos questionados no órgão, argumento que, segundo ele, também enterra qualquer interpretação de “golpe” por parte do Conselho.

“Ao que parece atuam por interesses pessoais e financeiros de seus patronos, o que propicia grave e perigoso gatilho para atos de extrema violência de todo tipo e de toda ordem contra conselheiros, dirigentes, associados, jornalistas, além de familiares de todos esses, é importantíssimo consignar que esse ‘festival de denúncias’ referidas acima, advém de um mesmo grupo político. E para deixar claro: não se trata de opositores da gestão, muito ao contrário, todos tidos até pouco tempo como os ‘homens fortes da atual administração'”, diz trecho do texto, o qual a Gazeta Esportiva teve acesso por meio de gravação da leitura do mesmo durante a reunião do último dia 12.

Blog do Macedo

Nos últimos meses, um dos principais canais de apoio a Augusto Melo tem sido o “Blog do Macedo”. Nas redes sociais, o perfil ganhou seguidores e notoriedade a partir da campanha eleitoral do dirigente, o que levou Fabio Macedo, responsável pelas contas do blog, a abrir canal no Youtube recentemente, apostando sempre nas informações privilegiadas que o influencer passou a receber pela proximidade com a atual gestão.

Algumas das informações veiculadas pelo Blog do Macedo, entretanto, tem gerado problemas dentro do Corinthians, seja pela ausência de confirmação dos fatos expostos ou pelos ataques virtuais oriundos destas publicações, que normalmente recaem sobre jornalistas e dirigentes.

No último dia 12, por exemplo, pela segunda vez neste ano, Macedo divulgou em seus perfis o que ele próprio intitula como um “suposto esquema de notas frias no Corinthians”. Macedo contou com outras contas nas redes sociais, sempre de apoiadores da gestão, para disseminar a publicação.

O Conselho Deliberativo, responsável por fiscalizar ações do executivo, não apenas da atual administração, procurou, sob liderança de Romeu Tuma Júnior, os departamentos competentes do clube para averiguar a denúncia que havia viralizado nas redes sociais .

“Não recebi nada, nenhuma apuração, ninguém questionou no Conselho. Então, fui no Jurídico, e o diretor me disse que não tinha nada lá também. O influencer que publicou vai ter de explicar isso. Ele fala que são notas frias, então, vai ter de explicar. Como um blog posta documentos fiscais do clube e afirma, ou coloca sob suspeita, que há um esquema de notas frias, sem nenhuma prova ou averiguação? Nesta postagem, nos comentários, há várias intimidações, ameaças”, afirmou Romeu, que continuou.

“É uma guerrilha digital para intimidar, acusar e assassinar a reputação das pessoas. Quem pegou essa nota no clube e deu para um blogueiro? Vou levar isso na Polícia, vão ter de responder lá. São documentos fiscais do clube e isso foi publicado para atacar o Conselho. É uma irresponsabilidade”, competou.

Em nota oficial à Gazeta Esportiva, o Corinthians também negou ter encontrado qualquer irregularidade sobre o tema. “O departamento jurídico do Corinthians solicitou informações ao departamento financeiro e aguarda retorno para devidas providências”.

À Gazeta Esportiva, Macedo admitiu não ter procurado pela antiga gestão antes de decidir pela divulgação das eventuais notas. “Não, não procurei por eles”. Ele também reconheceu que não teve acesso às notas. “Não tive acesso às notas. Eu vi as fotos das notas, me enviaram e publiquei lá. Consultei com um advogado, consultei pra saber se as notas estavam listadas na Receita, foram meses de apuração”.

Carros ‘de luxo’ blindados

Em março, o Blog do Macedo publicou que a gestão presidida por Duilio Monteiro Alves tinha à disposição na frota de veículos do clube entre 15 e 20 carros de luxo, alguns deles blindados. Em seguida, o blog fez uma correção ao dizer que os carros em questão, na verdade, não eram considerados de alto padrão.

O tema gerou revolta em Duilio, que acionou o Conselho Deliberativo. Em resposta oficial ao órgão, Augusto Melo garantiu que não foi a fonte de Macedo sobre a informação publicada.

“Diferentemente do citado na matéria jornalística mencionada no requerimento em questão, não concedi qualquer entrevista asseverando que o Clube possuiria de ’15 a 20 carros blindados'”, defendeu-se Augusto na ocasião.

Entretanto, a Gazeta Esportiva teve acesso a um áudio em que Macedo admite ter sido o presidente do clube a fonte da informação publicada por ele. Abaixo, trechos da descrição do que falou Macedo sobre o tema durante uma conversa.

“Augusto fez um encontro com influencers, e lá ele passou algumas informações pra gente. E ele passou essa situação dos carros e que, entre os carros, tinham carros blindados”.

“Tinha mais de 20 pessoas na sala, todo mundo escutou e foi isso que foi falado”.

“A gente passou o que ele falou. Quando vem do presidente do clube, a gente confia, né”.

“Estava junto o chefe da comunicação lá, não tinha como a gente achar que era mentira”.

Diante da versão de Macedo, que contradiz a resposta dada por Augusto Melo ao Conselho Deliberativo, o Corinthians, em nota oficial, respondeu: “Houve uma reunião marcada com influenciadores/produtores de conteúdos, agendada pelo ex-superintendente de comunicação, adotada como estratégia de comunicação. Na ocasião, em conversas em off, foi citado o caso dos carros blindados, que no começo desta gestão foram devolvidos, pois não iam ser utilizados pela diretoria”.

Fábio Macedo, ao ser abordado sobre o tema pela reportagem, preferiu não dar mais explicações. “Olha só, não quero mais falar sobre isso, prefiro consultar um advogado para me manifestar após a publicação da matéria”.

Corinthians TV

Em outra publicação, há cerca de um mês, o canal Blog do Macedo no YouTube, afirmou que o Corinthians “não tinha acesso à receita do Adsense (valor pago pelo YouTube)” da Corinthians TV desde 2021″.

Macedo julgou a retomada do controle do canal como uma “vitória importante da gestão” sob alegação de que “cerca de R$ 800 mil” foram embolsados por uma empresa terceirizada no período. Novamente, a informação veiculada não estava correta. A Gazeta Esportiva confirmou que o clube manteve parceria com duas empresas no período e obteve mais detalhadas.

“A NWB, uma das maiores empresas do ramo no mundo, cuidava da monetização da Corinthians TV. Ela analisava, orientava a gente para uma melhor monetização. Todo esse processo nunca teve custo para o clube, sempre uma participação dos resultados”, explicou Marco Ignácio, ex-gerente de operações do marketing do clube.

“Essa prática é super normal. Para produzir conteúdo, ter transmissões, conteúdos de inteligência, monetizar, você precisa de uma equipe grande para isso. Ou o clube faria um investimento alto para ter uma equipe grande e para ter resultado a longo prazo, ou iria em um parceiro, que investisse em monetização, para o clube fazer dinheiro. Financeiramente, o retorno é mais rápido e requer menos investimento”, completou o profissional.

A partir de março de 2023, a Mowa Sports substituiu a NWB e passou a comandar as operações.

“Eu trabalho com marcas, clubes e entidades há mais de 20 anos, desde CBF, FERJ, COB, faço muitos serviços para várias empresas, faço serviço para o Neymar, a gente procura entender oportunidades. Eu não sabia se seria um grande sucesso ou um grande fracasso. Eu apostei, tirei dinheiro do meu bolso para fazer funcionar no Corinthians”, afirmou Alfredo Correia, dono da Mowa Sports.

“O Corinthians tinha lá (pra receber) R$ 140 mil (de março de 2023 pra cá) e eu gastei R$ 190 mil. Nunca recebi um centavo do Corinthians, nada, zero. Fiz com recurso meu. Se o Corinthians quiser ter a equipe dele, vai ter um custo muito maior que terceirizar. Como funciona: o YouTube paga minha empresa. A gente emite nota, tudo oficial. O dinheiro entra lá. Recebo de todos os parceiros nessa mesma conta e faço o repasse. Isso é absolutamente normal e transparente”, completou.

Wagner Vilaron, ex-superintendente de comunicação do Corinthians, chegou a fazer uma reunião com Alfredo para entender o acordo, ora formalizado em e-mails, mas sem contrato assinado, para tomar uma decisão, junto a diretoria do clube, sobre a continuidade ou não da parceria.

“Quem solicitou a reunião fui eu, para entender como funcionava o adsense e o motivo de o tema ‘Corinthians TV’, que obviamente deveria estar no guarda-chuva da Comunicação, ser tratado pelo marketing. Eu saí no dia 10 de abril. Não tivemos tempo para resolver o problema”, contou Vilaron.

O acordo entre Corinthians e Mowa Sports para o segundo semestre de 2023 previa a seguinte divisão de receitas:

  • Ganhos até R$ 15mil: 80% para a empresa
  • Ganhos de R$ 15 mil a R$ 25 mil: 50% para cada um
  • Ganhos acima R$ 25mil: 80% para o Corinthians
  • Custos operacionais (pessoas e equipamentos): 100% da empresa

“O Corinthians faturou nos dois primeiros meses de 2024, US$ 6 mil por mês, só com monetização do YouTube. Chegou a nova gestão, patrocinador novo… Em abril, estava dando US$ 3 mil. A receita se baseia em desempenho. Aí é uma conversa com o Google”, comentou Alfredo.

A Mowa Sports enviou ao Corinthians uma tabela, com todos os custos e ganhos, especificados por cada transmissão e trabalho feito de julho de 2023 a abril de 2024. Foram R$ 153,8 mil arrecadados e R$ 197 mil de despesa assumida pela empresa. A Gazeta teve acesso à planilha.

A atual diretoria do Corinthians optou por assumir o controle total das operações, e imediatamente foi atendida pela Mowa.

“Os contratos anteriores da Corinthians TV com empresas terceirizadas estão em análise com os departamentos jurídico e financeiro do clube. Desde junho de 2024, o adsense está sob responsabilidade da comunicação do clube e não tem mais vínculo com empresas terceirizadas”, informou o clube, em nota.

A Mowa, inclusive, já enviou ao Corinthians o documento de formalização do fim da parceria, sem prejuízo para nenhuma das partes.

“Fui atrás. No meu entendimento, pelo o que conversei com os diretores das áreas envolvidas, o assunto está resolvido. O Alfredo já enviou o documento, está faltando apenas formalizar no financeiro. Cada um fica com o seu prejuízo. O que me falaram é que não há nenhuma irregularidade”, relatou Romeu Tuma Júnior.

Augusto Melo e Macedo

Fabio Macedo, responsável pelo Blog do Macedo, refutou à Gazeta Esportiva participar de ações coletivas combinadas para posts nas redes sociais e também negou que mantenha relação com Augusto Melo.

“Eu não tenho nenhuma relação com ele (Augusto). Quando o Vilaron era chefe da comunicação, eu era mais próximo, era com quem eu conversava. Hoje, converso com funcionários do clube, são eles que me passam informações, isso eu posso falar pra você. São meus amigos e me passam as informações. Não tenho nenhum tipo de relação com Augusto”.

“Nunca ataquei ninguém, não tenho nada a ver com eles (diretoria), nunca ataquei ninguém. Não é meu intuito. Minhas informações vêm de pessoas que trabalham no clube, amigos que fiz. Depois daquela dos carros blindados, nunca mais falei com o Augusto”.

Questionado se participava de grupos no Whatsapp com outros influencers e funcionários do clube, primeiramente, Macedo negou. “Nunca participei de grupos de Whatsapp com ninguém do clube ou com influencers. Não lembro”.

Ao tomar ciência de prints que estão sob posse da reportagem, Macedo mudou de versão.

“Agora, você falando, lembrei que tinha um grupo no Whatsapp que tinha eu, o Marcão da Fiel, o Capitão (Corintiano), mas nada a ver com isso. A gente é amigo de muito tempo, de muitos anos”.

A afirmação de Macedo foi negada por Deivison Ferreira, o autodenominado Capitão Corintiano.

“Não me lembro de ter grupo em que eu interagia com eles. O Macedo eu conheci mesmo no ano passado”.

Deivison também foi chamado para trabalhar no clube. Ele foi o responsável por liderar o processo de retomada do controle do clube sobre O Adsense da Corinthians TV, mas garantiu não ter sido a fonte de Macedo sobre as informações veiculadas.

“Quem comentou isso, que eu vazei pro Macedo, foi muito injusto. Se eu falar que não me perguntaram, eu estaria mentindo, mas eu não falei e não vou falar nada. Não tenho condição de contar nada para alguém. Só passei a quem tem grau de superioridade no clube”.

Marcão da Fiel e Augusto Melo

Marcão da Fiel, citado por Macedo, é outro influencer que, declaradamente, apoia a gestão Augusto Melo desde a campanha eleitoral. Ele também foi escolhido por um patrocinador do clube para formar uma parceria que, entre outros benefícios, permite a ele assistir aos jogos do Corinthians em um dos camarotes da Neo Química Arena.

A Gazeta Esportiva obteve um áudio de autoria do Marcão da Fiel em que ele aborda a relação com o atual presidente do clube em meio a uma conversa sobre a eventual perda de espaço dos influencers na cobertura dos eventos.

“Não vão tirar o nosso espaço. E, se o Augusto recuar, o Augusto vai ganhar um problema na Internet, os YouTubers se viram contra ele, porque foi (sic) os YouTubers que fez (sic) a campanha dele”, diz Marcão, no áudio.

A reportagem tentou contato com Marcão por meio de mensagens e ligações, mas não obteve resposta ou retorno. O Corinthians, em nota, se manifestou sobre o áudio.

“O presidente Augusto Melo desconhece essa afirmação e reforça que a campanha política foi realizada de maneira correta, tanto que o resultado se mostrou nas urnas”. O clube também garantiu que “não há acordo nenhum” com Youtubers e reiterou que “não tem nenhuma relação com o Marcão da Fiel. O influenciador/produtor de conteúdo entrevistou o presidente Augusto Melo durante a campanha eleitoral”.

Contratação de influencers

Nos últimos meses, o Corinthians concretizou contratações de alguns dos influencers apoiadores da gestão Augusto Melo. Os chefes das áreas que receberam os novos funcionários não foram consultados ou avisados, nem mesmo Fred Luz, consultor apresentado como CEO. O clube reconheceu, em nota à Gazeta, que os responsáveis pelas contratações foram Marcelo Mariano, diretor administrativo, e Claudinei Alves, diretor das categorias de base.

A reportagem apurou ainda que os departamentos de comunicação, marketing e base têm sofrido com conflitos causados, em suma, pela insubordinação dos novos membros, pela ausência de experiência nos ramos destinados a eles, pela ausência de capacitação técnica em alguns casos e também devido a falta de confiança, tão fundamental para a rotina interna, por conta da ligação destes novos funcionários com influencers donos de perfis nas redes sociais.

“Quer contratar alguém, contrata e põe sob o guarda-chuva da área específica. Não dá para sair contratando de qualquer jeito, qualquer um. Não é assim que funciona. Isso precisa parar, esses caras não são donos. Quer contratar influencer, ele tem de responder para o responsável da área, não dá pra ficar vazando as coisas”, avisou Romeu Tuma Júnior, ciente dos problemas internos ocorridos nos últimos meses.

A diretoria corintiana, em nota, disse que o apoio, a proximidade e afinidade dos funcionários contratados com Augusto Melo não foi critério para as escolhas do clube.

“Durante a campanha eleitoral, o atual presidente do clube, Augusto Melo, apenas concedeu entrevistas para alguns Youtubers/influenciadores, como também fez com jornalistas. Sendo assim, não caracteriza proximidade e afinidade nenhuma entre ele e qualquer criador de conteúdo”.

Sobre ausência de formação técnica e/ou acadêmica dos novos contratados, o clube afirmou, também em nota, que eles “exercem as funções conforme habilidades específicas”.

Carlos Catalão, conhecido como Cacá, dono do “Canal do Povo Escolhido”, revelou à Gazeta Esportiva que um desses novos funcionários contratados pelo Corinthians para trabalhar no departamento de comunicação do clube entrou em contato com ele. Segundo Cacá, a impressão deixada foi de que houve uma tentativa de persuasão para um apoio da gestão.

“Marco Viera foi quem me ligou, faz pouco tempo, faz uns dois meses. Ele veio com aquele papo de ‘sou teu fã’, ‘gosto de você’, ‘estou na comunicação do Corinthians’, ‘queria fazer um negócio com você’, e eu deixei ele falar, dando corda. Ele falou que estão descendo a lenha no Augusto, e eu disse: ‘mas, tem que descer mesmo’. Aí ele falou que não tem prova sobre a VaideBet, enfim, ele ficou com uns papos desses. Ele ficou defendendo (a gestão) e eu disse que respeito, mas que não boto minha mão no fogo”.

Marco Vieira foi o responsável por gravar o vídeo de Augusto Malo endereçado ao Blog do Macedo no dia da eleição presidencial.

“Passaram três, quatro dias, ele ligou de novo. Eu não atendi e ele nunca mais me ligou. Depois disso, eu falei com alguém grande no clube e esse cara me falou assim: ‘ele queria te cooptar'”, continuou Cacá Catalão.

“Ele veio falar sobre eu participar de uma diretoria de torcida, e ele nem tem essa autonomia lá. Me falaram que a Jô (Josiane Ribeiro, superintendente de comunicação) é obrigada a aturar esse cara, porque o Augusto colocou esse cara lá. Não sei se ele queria que eu só falasse bem ou se era para me arrumar um cargo para eu parar de ‘bater’ na gestão. Eu queria ter descoberto mais para poder falar”.

Marco Vieira reconheceu a conversa com Cacá e deu a sua versão à Gazeta.

“Eu achei válida uma ideia dele e queria levar ele para conversar com pessoas que poderiam levar a ideia para frente. Eu fiquei muito triste com ele, tive um papo muito breve e ele repercutiu parecendo que eu estava ligando para bajular ele”.

Marketing da base

Segundo o clube, Marco Vieira é “assistente de marketing das categorias de base”. À Gazeta, ele reconheceu, porém, que nunca antes trabalhou nesta área.

“Não tenho formação acadêmica. Tenho ensino médico completo. Eu tenho uma experiência, eu fazia parte de uma assessoria no Sindicato de Refeições Coletivas, em Suzano. Eu era assessor de escritórios”.

Mesmo assim, Marco garantiu que se sente capacitado para desempenhar a função designada a ele.

“Sim, me sinto capaz, com certeza, porque sempre trabalhei com vendas, com essa parte de lidar com pessoas, de colocar ideias em jogo, é uma oportunidade para eu me valorizar”.

Inicialmente, Marco não foi contratado para trabalhar na base.

“Augusto tem um projeto grande para a Corinthians TV, uma série de coisas, mas acabou não acontecendo ainda, e aí fui colocado para ficar na base, me mandaram para cá”.

Marco Vieira comandava páginas nas redes sociais, sem revelar sua identidade. Ele diz que não controla mais estas páginas e que trabalhou “de graça” na campanha de Augusto Melo.

“Já tive uma página em que eu fazia campanha, sempre apoiei o Augusto, sempre tive comunicação com ele e surgiu uma oportunidade dentro dos projetos que ele tinha ali. Foi o Augusto que me chamou, sim. Foi no final de maio”.

“Eu tinha uma página no Instagram, o “Portal da Fiel”, repercutia bastante. Dentro da campanha (eleitoral), o Augusto me passou o contato para eu fazer parte da lista de transmissão do Instagram das notícias dele, da campanha, os projetos, as participações em programas de TV e Youtube. Era material de campanha, eu batia ali com o Vilaron, ele autorizava e eu mandava na lista de transmissão. Eu trabalhava voluntariamente. Nunca recebi nada. Fazia como torcedor”.

“Tinha até outra página, a “Coringão TV”, eles também mandavam pra lista de transmissão. Depois, ficou só eu e, depois da eleição, acabou. Aí, tive autorização para estar na apuração dos votos e também fui na posse”.

“O “Colossal 1910” (perfil no X) eu parei de usar, fiz um processo de venda, que acabou não sendo concluído. Eu interagia como torcedor, sempre apoiei o Augusto lá, era uma página como torcedor, nunca coloquei meu rosto, nada. Era a mesma página do “Portal da Fiel”, só mudei o nome”.

Ciro Hey, responsável pela Central do Timão, contou à Gazeta Esportiva que Marco Vieira entrou em contato com ele para tratar sobre a informação de que o Corinthians havia retomado o controle sobre o Adsense da Corinthians TV, a fim de conseguir uma publicação da Central sobre o tema. Ciro, por não enxergar nenhuma irregularidade no caso, não deu sequência. E Marco reconheceu que tentou levar o assunto à frente após conversar com Deivison Ferreira.

“Eu expliquei o processo que estava sendo feito. Eu sei, porque quem fez esse procedimento foi o Deivison, o Capitão, ele que cuidou de tudo isso, ele que recuperou o Adsense e, como somos amigos, eu vi ali uma oportunidade de falar sobre isso”.

Capitão corintiano

O Corinthians informou que Deivison é analista de dados. Apelidado como Capitão Corintiano, antigo nome do canal dele no Youtube, ele explicou à Gazeta que tem atuado como “coordenador de mídias, monitoramento do YouTube, configuração das Tags, e também como comentarista da Corinthians TV”.

“Eu vim para posse do Augusto, vieram vários influenciadores. E o Sérgio Moura veio em mim e perguntou como fiz meu canal crescer. Eu expliquei que havia estudado muito o YouTube. O Sérgio me fez um convite inicial, surgiu tudo de uma proposta dele”.

“Não sou formado em nada, vou ser sincero. Tenho ensino médio. Mas, o que eu queria falar é: mesmo sem formação acadêmica, nessa parte eu me considero muito competente e, se me derem oportunidade de trabalhar, pode ser que daqui uns meses o YouTube do Corinthians esteja legal, rentável. Então, o que eu peço é: não leve em consideração o fato de eu não ser formado em nada. Se daqui a alguns meses não for bem, aí pode me cobrar”.

Quem trabalha com Deivison no setor é Wagner Marques Júnior, conhecido como Nenê. Ele é filho de Wagner Leopoldo Marques, conselheiro trienal do Corinthians, e entrevistador no canal “Corintiano Pod”, por ora desativado.

“De fato, foi o Sérgio (Moura) que me levou. Eu fui chamado para participar das transmissões e ser repórter do clube. Só que a gente esbarrou numa coisa: clube não tem equipamento. A gente está tentando, buscando coisas, conversando para ver que de forma consegue viabilizar isso”.

“Fiz ciência da computação e marketing, mas não terminei nenhum dos dois cursos. Mas, fiz cursos de YouTube, vários cursos no tempo de pandemia”, explicou Wagner, antes de falar sobre a rotina de trabalho. “A gente monta projeto, dá ideia, conversa, dá uma olhada no YouTube, vê se estão fazendo as coisas certas”.

Wagner foi condenado por violência doméstica em 2017. Ele nega as acusações, apesar da justiça ter acatado o relato de sua ex-esposa, que registrou boletim de ocorrência na oportunidade sob alegação de ter sofrido lesão corporal, violência doméstica, injúria e ameaça.

“Prejudica, fica aquela imagem ruim, mas faz quase uma década e só estão usando politicamente. Sou uma pessoa boa, conheço todo mundo, eu nunca bati em ninguém, enfim, e passei por cima disso, vida que segue. Acho injusto falarem disso para me tirar do trabalho. Não posso mais trabalhar? Complicado, né? Isso incomoda, não é legal mesmo, mas convivo de boa”.

A revelação da condenação de Wagner foi feita pelo Uol, após a contratação dele pelo clube para ser comentarista na Corinthians TV.

“Depois disso, a Jô (superintendente de comunicação) nunca mais me chamou. Estou à disposição, vou pro clube todo dia, chego umas 10h e saio umas 19h”.

Âncora de conteúdos

Kauê Arnesi também foi colocado para trabalhar nas categorias de base. O clube informou que ele foi contratado para ser “âncora dos conteúdos” audiovisuais.

“Entraram em contato comigo, até porque eu tinha o canal no Youtube (YouTimão), tinha o Podcast, chegaram até mim, porque queriam ter mais cobertura de jogos, transmissões, queriam um âncora, fazer meio o que o Ivan (Andrade) fazia no profissional. Claudinei foi quem me chamou”.

Kauê foi pivô de uma reclamação formal da Central do Timão, por meio de Ciro Hey, junto ao Conselho Deliberativo, por ter repassado material do veículo de imprensa a influencers e jornalistas como se fosse material oficial do clube. O caso aconteceu no evento de inauguração da Loja Oficial do Corinthians, em São Mateus.

Segundo o relatório, Kauê solicitou as imagens a um funcionário da Central e foi atendido. No entanto, Ciro explica no texto que os receptores dos conteúdos enviados por Kauê contaram a ele que Kauê se apresentou como funcionário do clube e, junto as imagens, também encaminhou a informação de que a nova loja havia sido idealizada por Augusto Melo, sendo que o espaço, na verdade, faz parte de uma ação da gestão de Duilio Monteiro Alves. A divulgação indevida está sendo apurada internamente e alguns influencers chegaram a apagar os posts com o conteúdo enviado por Kauê.

Romeu Tuma Júnior, que recebeu a reclamação de Ciro no Conselho Deliberativo, já iniciou as apurações.

“Mandei para a Comunicação, eu mesmo, diretamente, vou apurar, pedir explicações. Têm pessoas lá que estão recebendo informações fora dos canais oficiais do clube, gente de dentro que está municiando essa guerrilha digital, e isso precisa ser apurado, porque é grave, gera consequências perigosas. Nada disso partiu dos canais oficiais do clube”.

Em nota à Gazeta, o Corinthians explicou que Kauê, realmente, não tinha tal autorização.

“Não houve nenhuma solicitação por parte da diretoria do clube para divulgação de imagens que não fossem oficiais, quem fez, a fez por conta própria. Tanto que essa pessoa que está sendo apontada é contratada pelo Departamento das Categorias de Base, e não faz parte do quadro de funcionários do Marketing / Comunicação, responsáveis pela divulgação deste conteúdo. Além disso, a comunicação do clube enviou profissionais do seu departamento (videomaker e assessor) para fazer a cobertura do evento e também acompanhar o presidente Augusto Melo para entrevistas”.

A reportagem ouviu Kauê sobre o caso.

“Eu vi que eles (Central do Timão) soltaram a matéria da nova loja, vi que era o Rodrigão que estava cobrindo o evento, entrei em contato com ele, perguntei se ele podia me mandar umas fotos, ele me mandou e eu encaminhei para o YouTimão e compartilhei em alguns grupos. Liguei pro Ciro e ele não me atendeu. Mas, eu nem trabalhava no Corinthians”.

Para explicar a relação com jornalistas e influencers, Kauê Arnesi revelou que é fonte de muitos deles sobre informações dos bastidores do Timão.

“Quando eu saí do YouTimão, passei informações para o André Hernan, para o YouTimão… Passei a do Gonzalo Plata, fui eu que passei pro André Hernan, porque essas pessoas fariam um barulho maior, ia divulgar mais. Eu enviava para ter mais moral. Quando eu apurava alguma notícia, eu soltava para os amigos que eu tinha mais proximidade, para eles soltarem também”.

Kauê também está na mira do Conselho Deliberativo por usar imagens do clube e da equipe de futebol para promover propaganda de uma empresa de apostas, concorrente da empresa que patrocina o Corinthians, em seu perfil pessoal nas redes sociais, o que também pode ferir o novo regimento interno do clube.

“Eu sou patrocinado por uma Bet no meu perfil pessoal do Instagram. Ninguém me avisou nada, eu comuniquei nas entrevistas e o que foi relatado é que não teria problema por eu estar na base. Quando falei com os diretores da base sobre isso, foi comunicado a mim que não teria problema, porque no meu contrato não tem exclusividade”.

Washington Araújo, o líder?

Washington Araújo foi citado por Sérgio Moura no inquérito policial aberto pelo próprio ex-superintendente de marketing do Corinthians como uma pessoa que ocupa um cargo de liderança e confiança dentro do clube.

O Corinthians diz que Washington é “coordenador de redes” e está ligado ao departamento de marketing. A polícia investiga a suspeita de Washington Araújo cumprir o papel de ser o elo entre a gestão e os influencers e, portanto, cuidar de uma eventual articulação sobre as publicações a serem feitas por apoiadores de Augusto Melo nas redes sociais.

“Eu não faço nada que vá prejudicar o clube. Como eu posso dizer… Não vou eu levar nada, de nenhuma forma, pra ninguém. Não tem estratégia, nada. Eu só não segrego as pessoas, não gosto disso. Não tem essa de estratégia. Isso não acontece”.

“Em relação a profissionais de mídia alternativa, com algumas dessas pessoas eu comecei um relacionamento, porque a ideia era tratar essas pessoas com dignidade, sem preconceito”.

Apesar de ocupar um cargo de chefia na área de redes sociais e conteúdos, Washington explicou que sua função principal no clube é outra.

“Eu faço o meio de campo entre a comunicação e a direção, sou um agente político, venho através das eleições, e é isso, levo a mensagem da comunicação para a direção”.

Ele chegou a dizer que tem “expertise com redes sociais e produção de conteúdo”. Mas, ao ser questionado sobre formação acadêmica e experiências na área, o coordenador do Corinthians contou que se baseia em “coisas que aprendeu sozinho, no mercado imobiliário”. “Sou sócio fundador de uma empresa, eu atendo clientes, ajudo no posicionamento digital de corretores de imóveis em Mogi das Cruzes”.

Sócio do Corinthians desde fevereiro de 2023, Washington não costuma dar as caras no Parque São Jorge ou no CT Joaquim Grava. As aparições são raras. Normalmente, o contato com ele é feio pelos funcionários por mensagem ou ligação. Outro ponto notado por quem acompanha o trabalho de Washington é o respaldo que ele tem da cúpula alvinegra.

“Eu participei de todo o processo eleitoral, durante a campanha. Eu, hoje, ajudo. Estou no clube por ser corintiano, primeiro por isso, por ter ajudado nosso grupo a vencer as eleições. Entrei ajudando com tudo, não tinha uma coisa específica. Quem me convidou foi o presidente mesmo, conversava muito de futebol com ele, que é a minha paixão. Sou um cara muito comprometido, acho que por isso me contrataram. As redes, quem tomou conta, foi o Sérgio Moura, foi o Cassundé, o Bêni, o Vilaron e o Claudio. Não ajudei em relação a isso. Não tenho senha, acesso, nada”.

Na verdade, a intenção de Washington Araújo é trabalhar no departamento de futebol.

“Meu foco, o que eu gosto é de análise e ciência de dados para o futebol, é a minha paixão. Se um dia eu tiver oportunidade, é o meu sonho, quero estar preparado para isso. É o que eu estudo, estou fazendo cursos”.

As investigações sobre eventuais ligações da gestão Augusto Melo com influencers digitais não contempla apenas os nomes e perfis citados nesta matéria. Em ambas as delegacias que contêm inquérito aberto, a Polícia Civil recebeu prints, vídeos e colheu depoimentos que apontam para participações de outros personagens em ataques virtuais, estes citados também por mais reclamantes, que se posicionam como vítimas desta situação.

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