CRUZEIRO

100 anos do Estádio do Barro Preto: a história da antiga casa do Cruzeiro

Em 23 de setembro de 1923, clube celeste, ainda conhecido como Palestra Itália, inaugurou o 'estadinho', onde hoje fica um clube

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Se hoje o Cruzeiro é o único time da capital que não conta com uma arena moderna, em um passado distante o clube celeste podia se orgulhar de ter o campo próprio. Foi inaugurado, há quase 100 anos, no dia 23 de setembro de 1923, o Estádio do Barro Preto, onde hoje se localiza o Parque Esportivo do clube, na região Centro-Sul de Belo Horizonte.

“É una festa alla quale non puó mancare nessuno italiano” (tradução livre: ‘É uma festa que não pode perder nenhum italiano’), noticiava, com entusiasmo, o jornal Aralto, em 2 de setembro de 1923. Era comum naquela época encontrar publicações direcionadas à colônia italiana no Brasil.

O Flamengo, então campeão carioca, foi convidado para a partida inaugural. O jogo ficou empatado em 3 a 3. Heitor e Ninão (2x) marcaram os gols para os palestrinos, que fizeram uma festa. Contudo, outras partidas foram disputadas no estádio antes desse jogo oficial de abertura.

O primeiro duelo registrado é datado de 1º de julho de 1923, uma vitória sobre o Palmeiras-MG por 6 a 2. De acordo com a Enciclopédia do Cruzeiro, o time realizou 478 partidas no estádio, com 285 vitórias, 96 empates e 97 derrotas. Foram 1.370 gols feitos e 718 sofridos.

Cronologia

  • Nome: Estádio Juscelino Kubitschek de Oliveira
  • Apelido: Estadinho do Palestra
  • Local: Barro Preto, em Belo Horizonte
  • Público: 5 mil (inicial) – 15 mil (após expansão)
  • Inauguração: 23 de setembro de 1923
  • Jogo de inauguração: Palestra Itália 3 x 3 Flamengo
  • Primeiro jogo: Palestra Itália 6 x 2 Palmeiras-MG, em 1ª de julho de 1923
  • Jogo de reinauguração: Cruzeiro 1 x 1 Botafogo, em 1º de julho de 1945
  • Primeira partida internacional: Crzueiro 2 x 2 Libertad-PAR, em 3 de janeiro de 1946
  • Última partida: Cruzeiro 1 x 1 Villa Nova-MG, em 9 de abril de 1970
  • Demolição: em 1985 para construção de clube campestre
  • Jogos do Cruzeiro no estádio: 478 partidas (285 vitórias, 96 empates e 97 derrotas)
  • Gols marcados: 1.370
  • Gols contra: 718

Estádio era obsessão da colônia italiana

Desde a fundação do Palestra Itália, em 2 de janeiro de 1921, a construção de estádio era uma obsessão na colônia italiana em Belo Horizonte, que via no clube a representação da sua identidade nacional.

Cinco meses após a criação do clube, uma reunião em 2 de junho de 1921 já montou um grupo especializado formado pelos conselheiros Mario Pace, Alberto Noce e Francesco Gaetani para tratar sobre o estádio com o arquiteto Ottaviano Lapertosa, que ofereceu serviços gratuitos ao Palestra.

Para apoiar o projeto, houve uma congregação da colônia italiana em Belo Horizonte, que chegou para trabalhar na fundação da capital mineira e se estabeleceu na cidade.

Assim como ocorreu com outros clubes, o Palestra Itália recebeu doação parcial de terreno no Barro Preto pela prefeitura. Ainda houve pagamento de um conto de réis, conforme se lê em ata do clube no dia 3 de agosto.

“Eu tive a oportunidade de traduzir as atas italianas dos primeiros anos do Palestra Itália e tem algumas particularidades. Muita gente fala que o terreno do estádio foi doado, mas não foi 100% doado como muita gente imagina. Tinha uma pessoa que usava o terreno como horta, por isso houve indenização”, disse o conselheiro do Cruzeiro Anísio Ciscotto, que é diretor da Câmara de Comércio Ítalo-Brasileira.

“O clube fez uma campanha para as pessoas fazerem as doações. Houve movimento muito interessante da comunidade italiana em prol do time. Então, diferentemente de outros times de Belo Horizonte, o Palestra nasce da vontade e do desejo dos seus torcedores, que se uniram para construir o clube e o estádio”.

Na construção, o Palestra arrecadou com 51 subscrições, que obtiveram a soma em dinheiro de 3.242.000 réis, sendo 860.000 réis em materiais de construção e 860.000 réis pela planta do estádio.

Para se ter uma ideia de quanto dinheiro representava, salários de tecelões no Rio de Janeiro em anos próximos à construção do estádio estavam cotados em 1.000 a 2.000 réis por dia trabalhado, segundo levantamento feito pelos professores Eulalia Maria Lahmeyer Lobo (Universidade da Carolina do Sul) e Octavio Canavarros, Zakia Feres, Sonia Gonçalves e Lucena Barbosa Madureira (Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ).

Artilheiro e pedreiro

A história do estádio do Barro Preto passa por João Lazzarotti, conhecido como Nani, um dos construtores do estádio e primeiro artilheiro do Cruzeiro. Antes de vestir a camisa do Palestra, ele havia jogado pelo Yale, outro clube italiano em BH.

“O primeiro presidente do Cruzeiro tinha uma alfaiataria e providenciou o tecido para fazer os uniformes. O próprio artilheiro, Nani, João Lazzarotti, trabalhava com construção, a planta do estádio tem a mão dele ali, muita gente trabalhou na construção do estádio e arrecadou dinheiro”, afirma Ciscotto.

Nani foi o autor dos dois primeiros gols da história do Palestra Itália, em amistoso contra o combinado formado por atletas de Villa Nova e Palmeiras, ambos de Nova Lima, que foi vencido pela Raposa por 2 a 0

De acordo com o livro Palestrinos, escrito por Jorge Angrisano Santana, “é impossível precisar o número de jogos e de gols feitos por Nani com a camisa do Palestra. Ele foi titular até 1925 jogando, ora como center-forward, ora como meia”, diz a obra.

Estádio Juscelino Kubitschek

Estádio do Barro Preto, do Cruzeiro - (foto: Arquivo/EM)
Entrada do estádio(foto: Arquivo/EM)

Inicialmente, o estadinho, como era conhecido, tinha capacidade para 5 mil pessoas, mas uma reforma ampliou sua totalidade para 15 mil. As obras começaram em 1945, quando o clube já tinha alterado o nome para Cruzeiro.

Mais moderno, o local recebeu arquibancadas de cimento, substituindo as antigas de madeira, uma tribuna de imprensa foi construída para abrigar a mídia, cada vez mais interessada pelo futebol, e houve reforma da área social, além de uma melhoria no gramado e no vestiário.

O Cruzeiro resolveu homenagear o então prefeito de Belo Horizonte e colocou o nome de Juscelino Kubitschek no estádio.
 “Juscelino era o prefeito de Belo Horizonte, era cruzeirense, patrono do Cruzeiro e conselheiro. Foi na época da reinauguração que surgiu essa ideia de dar ao estádio o nome dele, que era alguém que torcia pelo clube e que era um político de futuro, tanto que virou presidente da República”, explica Ciscotto.

No jogo de reinauguração, o Cruzeiro convidou o Botafogo para um amistoso no dia 1º de julho de 1945. A partida terminou empatada em 1 a 1. Os gols do jogo foram marcados pelos icônicos Niginho, ídolo celeste, e Heleno, craque do Fogão.

Estádio do Barro Preto, do Cruzeiro - (foto: Arquivo/EM)
Reinauguração do Estádio do Barro Preto em 1945, no jogo entre Cruzeiro e Botafogo(foto: Arquivo/EM)

“Procopada”

O estádio marcou a carreira de um dos ícones do futebol mineiro, o ex-jogador e treinador Procópio Cardozo. “Minha estreia pelo Cruzeiro foi lá, em um amistoso contra o Canto do Rio, de Niterói. Eu estreei pelo Cruzeiro e Zé Maria, um grande jogador do futebol brasileiro, com passagem pelo Botafogo, estreou pelo Canto do Rio, em 1959”.

O zagueiro campeão da Taça Brasil de 1966 relembra como era o Estádio do Barro Preto. “O estádio era mais ou menos igual ao do Atlético, com arquibancadas pequenas, o do América era o maior. Depois veio o Independência. O estádio tinha um gramado muito bom”.

De história vitoriosa no Cruzeiro, com os títulos estaduais de 1959, 1960, 1961, 1967, 1968 e 1973, além do Campeonato Brasileiro de 1966, Procópio conta uma marca negativa que ocorreu justamente naquele estádio.

“Foi a Procopada, como ficou conhecido um erro cometido por mim. Era um jogo contra o Rio Branco, do Espírito Santo. O gramado estava molhado, fui sair com a bola dominada e escorreguei, o adversário pegou e fez o gol. Um jornalista colocou na capa do jornal: “Procopada derruba o Cruzeiro”. O termo veio de “domingada”, do Domingos da Guia, que cometeu um erro infeliz e ganhou esse termo, a domingada”, relembra hoje.

Estádio do Barro Preto, do Cruzeiro - (foto: Arquivo/EM)
Vista aérea do estádio(foto: Arquivo/EM)

Era Mineirão

Com a construção do Mineirão, o Estádio Juscelino Kubitschek perdeu relevância. A última partida do time profissional do Cruzeiro no Barro Preto foi um amistoso contra o Democrata de Sete Lagoas em 14 de fevereiro de 1965, vencido pela Raposa por 4 a 0. Apesar disso, a página memorialística Cruzeiropédia registra que o último jogo considerado do estádio ocorreu em 9 de abril, vitória celeste por 4 a 0 sobre o Vila Nova-MG.

Já com a Toca da Raposa como centro de treinamentos, o estádio perdeu a utilidade. Em março de 1973, a diretoria celeste se preocupava com o destino do local, conforme reportagem publicada pelo Estado de Minas, no dia 18: “O velho Estádio JK está acabando. Que fazer com ele?”.

“Hoje, com o crescimento do Cruzeiro, o progresso está transformando o velho estádio do Barro Preto num grande patrimônio inútil, obsoleto e fora da realidade. É época da Toca da Raposa e da Sede Campestre”, relatou o jornal.

“O Estádio do Barro Preto tem um campo de dimensões não regulamentares, arquibancadas descobertas com capacidade para 12 mil pessoas, iluminação arcaica, dois vestiários para futebol, uma enfermaria pequena, uma quadra para esportes especializados e sócios, uma piscina de tamanho razoável”, completou.

Estádio do Barro Preto, do Cruzeiro - (foto: Arquivo/EM)
Demolição do estádio(foto: Arquivo/EM)

Em 1985, o clube firmou convênio com a prefeitura de Belo Horizonte para a construção de quadras poliesportivas. O presidente da época, Benito Masci, justificou assim a decisão: “O campo de futebol não existia. No seu lugar teremos uma praça esportiva e o Cruzeiro será o segundo Minas Tênis Clube”. Isso, contudo, não aconteceu. O Parque Esportivo do Barro Preto virou um clube para os sócios.

Nos últimos anos, o Cruzeiro estuda construir um shopping no local. Em 2021, o clube informou que obteve uma licença junto à prefeitura de Belo Horizonte para erguer um empreendimento comercial no Barro Preto.

A reportagem entrou em contato com o clube para saber se o projeto foi adiante, mas não houve retorno. 

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