Grandes histórias são feitas por grandes personagens. No meio do futebol, não é diferente. O esporte é um campo em que homens e mulheres podem se tornar mitos. As narrativas perseguem o atleta desde o início da carreira e têm poder para criar ou destruir legados. Por isso, ao falar sobre o passado, lembramos de tantos ‘heróis’ e ‘vilões’.
E se o assunto é Cruzeiro, há um personagem que se destaca por ter vivido os dois papéis de forma intensa. Essa é a história do meia Thiago Neves, que foi do céu ao inferno nas três temporadas em que vestiu o uniforme celeste. O ex-camisa 10 anunciou a aposentadoria nessa quarta-feira (27/10), após ficar dois anos sem atuar.
Thiago colheu os louros da última era vitoriosa do Cruzeiro. Ele fez gols em finais, decidiu clássicos, recebeu prêmios individuais e levantou quatro taças como protagonista. A trajetória como ídolo caminhava bem até o terceiro ano na Toca da Raposa, quando tudo desmoronou.
Polêmicas e falhas dentro de campo marcaram a temporada de 2019, que decretou o inédito rebaixamento celeste à Série B. Um dos símbolos da queda do Cruzeiro, Thiago admite ter cometido erros ao longo da campanha. O time terminou o Campeonato Brasileiro na 17ª posição, com apenas 36 pontos.
TN30, o ‘herói’ do Cruzeiro bicampeão da Copa do Brasil
O Cruzeiro venceu dois títulos consecutivos da Copa do Brasil em 2017 e 2018. Nessa época, Thiago Neves vestia a camisa 30 e era um dos destaques da equipe, pentacampeã diante do Flamengo, no Mineirão, e hexacampeã contra o Corinthians, na Neo Química Arena.
No troféu de 2017, o jogador se destacou nas fases preliminares, mas passou em branco nos dois jogos contra o Rubro-Negro, que terminaram empatados (1 a 1 e 0 a 0). Coube a Thiago brilhar na decisão por pênaltis. Apesar de ter escorregado no caminho, ele converteu a quinta e última cobrança da Raposa, que venceu o Flamengo por 5 a 3.
Em 2018, o meia fez um dos gols que garantiram o sexto troféu do Cruzeiro na Copa do Brasil. Thiago balançou a rede na vitória por 1 a 0 na partida de ida, disputada no Gigante da Pampulha. O atleta não marcou no duelo de volta contra o Corinthians, mas foi titular no triunfo por 2 a 1 em São Paulo.
Àquela altura, era indiscutível que Thiago dava grandes passos para se tornar um dos principais ídolos recentes do Cruzeiro. O poder de decisão, a qualidade técnica e a personalidade provocadora fizeram o ‘TN30’ cair nas graças da torcida celeste. Era um namoro que ia bem e não parecia que podia acabar de forma ruim.
Além das duas conquistas nacionais, o jogador participou do bicampeonato mineiro de 2018 e 2019. As duas taças foram levantadas em finais contra o arquirrival Atlético. Thiago foi um verdadeiro carrasco do Galo, vítima de cinco de seus 41 gols pelo Cruzeiro.
Rebaixamento marca despedida de Thiago Neves como ‘vilão’
O ano do rebaixamento começou de forma positiva para o Cruzeiro, que derrotou o Atlético na decisão estadual e fez excelente campanha na primeira fase da Copa Libertadores. Tudo ia bem, até os problemas começarem a surgir de todos os lados. Dentro de campo, longo jejum de vitórias. Fora dele, um grande escândalo de corrupção era revelado na Toca da Raposa.
Eliminado nas oitavas de final do torneio continental e em crise no Brasileirão, o técnico Mano Menezes pediu demissão. Nos meses seguintes, passaram três nomes pelo cargo: Rogério Ceni, Abel Braga e Adilson Batista. Nenhum deles obteve sucesso na missão de afastar o Cruzeiro do Z4.
De todos os treinadores contratados, o que mais teve problemas foi Ceni. Uma briga nos bastidores da eliminação diante do Internacional, na semifinal da Copa do Brasil, instaurou um clima ruim no vestiário. O técnico não conseguiu ter uma boa relação com Thiago Neves e outras lideranças do elenco e foi dispensado após apenas oito jogos.
O TN30 virou TN10 após a saída de Arrascaeta para o Flamengo, no início desse ano. Sem a presença do uruguaio e com toda a equipe em má fase, a necessidade de boas atuações do meia ficou ainda maior. O último gol dele com o uniforme do Cruzeiro foi na vitória por 1 a 0 sobre o São Paulo, na 26ª rodada da Série A.
A passagem de Thiago pelo Cruzeiro se encerraria nove partidas depois. O capítulo final da sua história ocorreu em 28 de novembro de 2019, na derrota por 1 a 0 para o CSA, no Mineirão. Aos 19 minutos do segundo tempo, sob forte chuva, o jogador chutou para fora o pênalti que poderia ter igualado o placar.
Na véspera do jogo, vazou um áudio em que o camisa 10 cobrava de forma antecipada a premiação por uma vitória sobre os alagoanos. A mensagem para o diretor Zezé Perrella viralizou entre torcedores rivais e se tornou uma das maiores provocações aos cruzeirenses.
Afastado por indisciplina menos de uma semana depois, o atleta nem participou das últimas e melancólicas rodadas do Cruzeiro na Série A. Quatro títulos, 153 atuações e 41 gols não foram o suficiente para ofuscar as controvérsias de Thiago, que precisou passar a lidar com o status de ‘vilão’ do pior período já vivido pela Raposa.
Atleticanos e cruzeirenses se unem em capítulo inusitado do futebol mineiro
Se um dia Thiago Neves ‘fará as pazes’ com a torcida celeste, apenas o tempo pode dizer. Mesmo com o Cruzeiro de volta à elite, muitos rivais continuam usando o meme “Fala, Zezé” para provocar os torcedores do clube. O fantasma, porém, parece ter sido exorcizado quando a Raposa venceu o CSA na 38ª rodada da Série B de 2022 e rebaixou a equipe à Terceira Divisão.
Já Thiago parece lidar de forma bem-humorada com a situação, que é bastante relembrada nas redes sociais. Ele voltou a citar o áudio polêmico em agosto, quando recriou a conversa com Zezé Perrella em uma propaganda do time de fut7 Resenha FC.
A história conturbada ainda quase ganhou mais uma página. Em setembro de 2020, um movimento de torcedores impediu que Thiago retornasse a BH para jogar no Atlético. O acordo estava perto de ser firmado, até que torcidas organizadas do Galo foram à porta da sede do clube protestar contra o antigo desafeto.
Em um momento raro na história do clássico, cruzeirenses e atleticanos estiveram do mesmo lado. A contratação que desagradaria ‘gregos e troianos’ foi repensada em questão de horas e se tornou apenas um capítulo perdido do futebol mineiro.