Foram 815 jogos como profissional. E, segundo o próprio Wellington Paulista, uma partida pelo Cruzeiro o resume: a goleada histórica por 6 a 1 sobre o Atlético, em 4 de dezembro de 2011, na Arena do Jacaré, pela 38ª e última rodada do Campeonato Brasileiro de 13 anos atrás. O ex-atacante falou sobre a tensão antes do clássico que valia a permanência da Raposa na Série A e a felicidade após marcar o quinto gol no duelo.
Em entrevista ao The Players’ Tribune, Wellington Paulista, que se aposentou em 2023, relembrou a tensão na Toca da Raposa antes do clássico com o Atlético. Segundo o ex-atacante que atuou por 17 clubes diferentes, a sensação prévia ao duelo decisivo foi a pior que sentiu em toda a carreira. Naquela ocasião, o Cruzeiro estava na 16ª colocação e precisava vencer o rival para se livrar do rebaixamento à Série B.
“Tensão braba mesmo, de ficar com nó na garganta, perder o sono e tal, eu só senti uma vez. Te juro por Deus. Foi na semana daquele Cruzeiro x Atlético em 2011. […] Passei a semana inteira ouvindo palhaçada da torcida dos caras. […] Eu só pensava em entrar logo em campo, meter um golzinho, um só, 1 a 0 tava bom, e acabar logo com aquilo. Mas os dias se arrastavam. Eu chegava na Toca da Raposa de manhã pra treinar e sentia o clima pesado por todo lado, principalmente na cara dos funcionários do clube”
Wellington Paulista, autor de 75 gols pelo Cruzeiro
O dia do clássico
Na reflexão sobre a partida, Wellington Paulista recordou a importância do jogo para a história do Cruzeiro. Além da possibilidade de ter sido a primeira queda à Segunda Divisão da história do clube – que seria rebaixado oito anos depois -, o duelo era importante para não repetir a mágoa do vice-campeonato da Libertadores. Dois anos antes, o ex-atacante estava em campo na derrota no Mineirão para o Estudiantes.
“Eu sabia direitinho o quanto dói uma tristeza cruzeirense. Dois anos antes, em 2009, a gente perdeu a final da Libertadores pro Estudiantes da Argentina dentro do Mineirão. Foi um baque absurdo. Talvez seja a minha maior dor nesses vinte anos de futebol profissional. […] Levei meses pra me recuperar, se é que um dia eu consegui. Não queria passar por uma frustração daquele tamanho nunca mais. Então, pra mim e pra todo mundo no Cruzeiro, o último jogo do Brasileiro de 2011 contra o Atlético era uma final. Jogo de vida ou morte, não tinha definição melhor”, relembrou Wellington.
E a confiança do ex-centroavante foi além ao notar a presença dos pais naquela tarde de domingo na Arena do Jacaré. A partir daquele momento, Wellington Paulista tinha ainda mais segurança que o Cruzeiro conseguiria derrotar o rival em Sete Lagoas. O autor do quinto gol da goleada por 6 a 1 ainda destacou o comportamento dos companheiros de time e o sentimento após a vitória que o resume.
“Ninguém me segura. Se eu tiver que morrer aqui pro Cruzeiro não cair, eu vou morrer. O que eu não sabia era que todos os meus companheiros estavam nessa gana também. Tava todo mundo a fim de correr, marcar, pegar, impedir qualquer chance do adversário de se aproximar do nosso gol. E aí foi loucura total: o primeiro tempo acabou 4 a 0 pra nós! Os caras não viram a cor da bola. […] A única coisa que eu carregava no peito era gratidão por estar vivendo um momento tão especial. E por poder compartilhar ele com cada cruzeirense ali arquibancada ou em casa. No final, 6 a 1 pra nós. Eu faço questão de lembrar dessa vitória porque ela resume o Wellington, o Tom e o Wellingol”
Wellington Paulista, sobre o Cruzeiro 6 x 1 Atlético
Apelidado por torcedores de ‘WP9’, o ex-jogador marcou 75 gols em 160 partidas pelo Cruzeiro entre 2009 e 2012. Wellington Paulista é o segundo maior artilheiro do time celeste no século 21, atrás apenas de Fred (81). Ele foi artilheiro do clube em 2009, com 26 gols em 47 jogos, e 2012, com 28 gols em 44 partidas.
Leia declaração completa de Wellington Paulista sobre Cruzeiro 6 x 1 Atlético
Eu joguei futebol profissional por vinte anos. Dezessete times, umas oitocentas partidas, duzentos e tantos gols de tudo quanto é jeito. E vou falar uma coisa pra você: tenso, tensão braba mesmo, de ficar com nó na garganta, perder o sono e tal, eu só senti uma vez.Te juro por Deus.
Foi na semana daquele Cruzeiro x Atlético em 2011. Era a última rodada do Campeonato Brasileiro e… vamos dizer a verdade, né? Os dois times estavam muito mal. Os dois! Uma draga lascada. O Atlético um pouco menos porque já tinha se livrado do rebaixamento. Nós ainda não. Na partida anterior, bastaria ter vencido o Ceará pra ficarmos tranquilos. Mas empatamos. E aí carregamos aquela angústia filha da mãe pro clássico.
Passei a semana inteira ouvindo palhaçada da torcida dos caras. Que vão cair, que o Galo vai ciscar vocês pra Segundona, que não sei o quê… Teve um sujeito que toda noite, todas as sete noites seguidas, sem falta, o miserável soltou rojão na porta da minha casa. Foi osso.
Eu só pensava em entrar logo em campo, meter um golzinho, um só, 1 a 0 tava bom, e acabar logo com aquilo. Mas os dias se arrastavam. Eu chegava na Toca da Raposa de manhã pra treinar e sentia o clima pesado por todo lado, principalmente na cara dos funcionários do clube. E ó, nesses anos todos de bola, nessas minhas andanças de norte a sul, leste a oeste, se tem uma coisa que eu aprendi é que, quando os funcionários do clube deixam de brincar, de sorrir, de fazer piada no dia a dia, quando tudo isso desaparece de uma vez, bom, é porque a situação é terrível. A gente precisava vencer de qualquer jeito. Um empate não adiantava.
Hoje em dia, com quarentinha de idade nas costas e recém-aposentado, é nesse Cruzeiro x Atlético dramático que eu penso quando vou jogar com meus amigos no nosso time de várzea, o Terror da Mooca.
[…]
Foi nessa pegada que eu cheguei naquele preocupante Cruzeiro x Atlético de 2011. O universo conspirava contra nós e pesava toneladas, isso parecia nítido no semblante aflito dos funcionários.
Eu estava tenso como nunca tinha me sentido. Mas, ao mesmo tempo, confiava que era capaz de fazer um golzinho só e poupar a torcida cruzeirense da gigantesca tristeza de ser rebaixado pelo maior rival.
Pô, não dava… Eu sabia direitinho o quanto dói uma tristeza cruzeirense. Dois anos antes, em 2009, a gente perdeu a final da Libertadores pro Estudiantes da Argentina dentro do Mineirão. Foi um baque absurdo. Talvez seja a minha maior dor nesses vinte anos de futebol profissional. Eu tinha um entrosamento show com o Kléber Gladiador e vinha disputando a artilharia da competição com oito gols até ali. Tudo corria bem.
No comecinho do segundo tempo, nós fizemos 1 a 0 num chute do Henrique de fora da área e ali eu pensei: Mano, a gente não perde esse título hoje. Setenta e dois mil cruzeirenses cantando e rodando as camisetas. Tava de arrepiar.
Mas tudo ruiu em dez minutos. Eles empataram num cruzamento da direita e viraram num lance surreal. A bola estava na nossa mão. Era um lateral nosso!, que cobramos mal, aí eles inverteram o jogo lá pro outro lado, conseguiram um escanteio e acabou. O Boselli marcou de cabeça, despejando silêncio e tristeza no Mineirão, e ainda por cima me tirou a artilharia. A minha vontade era arrancar a medalha de prata do pescoço e tacar nos argentinos. Porra!
Levei meses pra me recuperar, se é que um dia eu consegui. Não queria passar por uma frustração daquele tamanho nunca mais. Então, pra mim e pra todo mundo no Cruzeiro, o último jogo do Brasileiro de 2011 contra o Atlético era uma final. Jogo de vida ou morte, não tinha definição melhor.
Quando o nosso ônibus estacionou na Arena do Jacaré naquele domingo, dia 4 de dezembro, eu me perguntava se meu pai e minha mãe estariam lá, se tinham ido de caminhão me ver no que talvez fosse o jogo mais importante da minha carreira.
Fiquei aliviado e a confiança subiu assim que eu pisei no campo, dei uma espiada em volta e vi. Ela estava lá. A faixa WELLINGOOL num cantinho. “Oba! A Mooca presente! Hoje é dia do mucho loco varzeano!! Ninguém me segura. Se eu tiver que morrer aqui pro Cruzeiro não cair, eu vou morrer.”
O que eu não sabia era que todos os meus companheiros estavam nessa gana também. Porque nessas situações pesadas, de muita tensão, a gente evita tocar no assunto. Ninguém sabe como é que o outro tá sentindo realmente a pressão.
Se a gente fala demais periga o cara espanar. Então fica uma situação de sentimentos à flor da pele, mas em silêncio. Só que, quando a partida começou, ficou claro que do nosso lado só ia ter mucho loco varzeano. Tava todo mundo a fim de correr, marcar, pegar, impedir qualquer chance do adversário de se aproximar do nosso gol.
E aí foi loucura total: o primeiro tempo acabou 4 a 0 pra nós! Os caras não viram a cor da bola. No segundo, um pouco mais relaxado, eu até já tinha desencanado. “Ah, porra, já era. Vamo ficar na Série A!” Mas aí o Roger foi à linha de fundo pela direita, botou a bola no segundo pau e eu cumprimentei de cabeça. De olho aberto, enxergando tudo, por cima e no contrapé do goleiro: 5 a 0!
Corri batendo no peito e berrando pra nossa torcida que “só faltava o meu! só faltava o meu!”. Foi uma explosão de alegria tão maravilhosa quanto o gol que marquei contra o Paraná, lá no meu começo no Santos. Com a vantagem de que agora eu não precisava xingar ninguém. Eu não sentia raiva. Eu não me sentia injustiçado. Pelo contrário. A única coisa que eu carregava no peito era gratidão por estar vivendo um momento tão especial. E por poder compartilhar ele com cada cruzeirense ali arquibancada ou em casa.
No final, 6 a 1 pra nós — a maior goleada da história do clássico!
Até hoje, quase treze anos depois, eu ainda trombo com torcedor que me pede pra tirar foto fazendo o 6 com as mãos. Eu acho engraçado, a gente ri junto, relembra os lances do jogo, mas deixo a provocação só pra torcida.
Eu faço questão de lembrar dessa vitória porque ela resume o Wellington, o Tom e o Wellingol. “Com coração e muito amor.” Do jeito que me ensinaram no lugar de onde eu venho. Do jeito que aprendi com os mineiros e os cruzeirenses, desde o primeiro dia.