Como é a vida de um jogador de futebol depois da aposentadoria? Era um jogador de um time campeão. Marcou dois gols em sua maior final, contra o Santos, em 1966 – sendo um no primeiro jogo, o 6 a 2, no Mineirão, e outro, no 3 a 2, no segundo, no Pacaembu, em São Paulo. Era o Cruzeiro, campeão da Taça Brasil 1966, título que foi convertido em Brasileiro, pela CBF, que reconheceu que na época, era a competição mais importante do país.
Depois de tanto tempo de glórias, a vida, hoje, é de dificuldades. Não fosse a ajuda da companheira, como ele mesmo diz, “não teria como viver, sobreviver”. É o que acontece com um dos maiores destaques daquele time celeste – que foi também pentacampeão mineiro -, Natal de Carvalho Boroni.
Aos 78 anos, o ex-atacante atualmente mora no interior do Rio de Janeiro, com um irmão.
A dificuldade financeira não é de agora. Primeiro, foi complicado conseguir a aposentadoria. Após assegurar o direito a um salário mínimo, a vida seguiu apertada, e Natal precisou fazer bicos para completar o orçamento. “Qualquer serviço servia”, afirma.
Há pouco mais de um ano, a falta de dinheiro o levou a vender camisas de quando jogou pelo Cruzeiro, faixas de títulos e medalhas. “Era o que podia fazer, pois preciso sobreviver. Não posso deixar tudo nas costas da minha mulher”, comenta.
Dos saudosos tempos como jogador restam dois troféus, um quadro de conquistas com fotos dos times e um retrato dele, com Dirceu Lopes e Tostão. Autografado.
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“Vou vender os troféus, um do Troféu Kafunga, como destaque do Campeonato Mineiro, e outro de destaque da Taça Brasil, em 1966. É o que posso fazer. Para o quadro e a foto autografados, tenho outro projeto”, afirma Natal.
Ajuda de Pedro Lourenço
Natal demonstra gratidão a algumas pessoas, entre elas Pedro Lourenço, o dono da SAF do Cruzeiro, que o ajudou em mais um momento difícil na vida.
O ex-jogador precisou colocar uma prótese dentária. O dentista Fábio Marota, cruzeirense, tão logo soube da necessidade de Natal para fazer implantes e tomar conhecimento da difícil situação financeira, resolveu ajudá-lo. Nada cobrou pelo trabalho, nem pelas peças.
Mas Natal precisava retornar a Belo Horizonte para a colocação da prótese definitiva, e não tinha como custear a viagem. E foi aí que entrou Pedro Lourenço. “Meu carro é 2013 e precisava de consertos e pneus. Não sabia o que fazer, até que apareceu o doutor Pedro e me ajudou”, diz.
Um amigo comum ficou sabendo os problemas financeiros de Natal, contou a Pedro Lourenço, que entrou em contato com o ex-jogador. “Falei com ele que tinha de ir a Belo Horizonte, mas não tinha como, pois o carro estava estragado e precisava comprar pneus. Não tinha como fazer a viagem, pois não tinha recursos. Ele me perguntou quanto custaria reparar o carro. Falei o valor e ele confiou em mim. Mandou o dinheiro. Mandei consertar o motor. Pude ir a Belo Horizonte e fazer o restante do tratamento”, conta o ex-ponta.
Gratidão ao dentista
Natal fala também com carinho do dentista Fábio Marota. “Ele viu minha boca e falou que tinha de fazer implante. Eu disse que não poderia, pois não poderia pagar. Mas ele respondeu que eu não precisaria me preocupar, pois não iria custar nada.”
Os dois se tornaram amigos, porém, Natal guarda uma dor nessa história: “Um dia, quando cheguei ao consultório, o pai dele estava lá. Era cruzeirense, meu fã. Fiquei surpreso. Conversamos, um tempão. Lembramos jogos, gols… Dois dias depois, o Fábio me ligou e contou que o pai dele tinha morrido. Fiquei desesperado. Como podia isso? Era um homem bom, parecia muito saudável. Mas tenho de me conformar, embora não me esqueça dele.”
Amor, mas também mágoa do Cruzeiro
Natal vai permanecer mais algum tempo em Belo Horizonte, antes de retornar ao estado do Rio. Diz, no entanto, que gostaria de conseguir trabalho. “Não quero ser treinador, nem nada ligado diretamente com uma equipe, como fui caça-talentos no passado. Não aguento mais. Mas algo que pudesse ser útil, no futebol mesmo. Preciso trabalhar”.
Ele recorda o passado e afirma ser cruzeirense “até debaixo d’água”, como se diz na gíria. “Torço para o Cruzeiro, sempre torci. Mas torço também para os outros times mineiros, pois não pode ser só o Cruzeiro para brigar por Minas Gerais contra os demais times desse país. Todos são contra nós.”
Relembra, com nostalgia, o começo da carreira: “Eu jogava no Itaú, da Cidade Industrial, que fez um amistoso contra o juvenil do Cruzeiro. Joguei muito. Terminado um jogo, um diretor me chamou e perguntou se não queria ir para o Barro Preto. Não tive dúvidas. Falei com meu pai, que não concordou muito, e com meu avô, que o convenceu. Começou aí minha história. Era a passagem de 1963 para 1964.”
Natal se tornou titular do time profissional da Raposa, participou da conquista do título mineiro de 1965 e depois do bi estadual, em 1966. A seguir, a grande conquista: da Taça Brasil em cima do Santos de Pelé.
“Ganhamos o título contra um time bicampeão mundial e que tinha o Pelé. E foi na casa deles”, fala, com orgulho. Diz não ter como agradecer, também, a Tostão, Dirceu Lopes, Evaldo, Hilton Oliveira, Piazza, Raul, Pedro Paulo, William, Procópio e Neco. Ainda: a Airton Moreira, o treinador.
Vieram ainda os títulos de 1967, 1968 e 1969. Mas, desse tempo, guarda uma mágoa. De quando foi vendido para o Bahia. “O Cruzeiro me devia oito meses de salários e me vendeu. Na época, o jogador tinha direito a 15% do salário, mas nunca recebi o que tinha direito. Nunca falaram em pagar. Simplesmente, me esqueceram. Meu direito não foi respeitado”.
Antes disso, havia sido trocado por Lima, com o Corinthians. “Meu empréstimo era parte do pagamento do negócio com o Lima”, recorda-se, completando sobre a passagem pelo alvinegro: “Perdi um pênalti, e a torcida quebrou meu carro. Não queria mais ficar lá. Voltei para o Cruzeiro”.
Natal também fala com entusiasmo sobre a passagem pela Seleção Brasileira: “Joguei, na Seleção, com Pelé, Tostão, Gérson, Rivelino, Paulo César Caju, Carlos Alberto Torres. Foi demais”.
A vida como jogador
O ex-atacante destaca que a situação do jogador, na época em que atuava, era muito diferente dos dias atuais: “A gente não tinha salários altos como os jogadores de hoje. Ganhávamos pouco por um contrato de dois anos. Na renovação, tinha direito a luvas, um dinheiro na mão, mas que acabava se transformando em um bem”.
Natal cita que, numa renovação contratual, pegou um carro de luvas: um Karmann-Ghia. Numa outra, um apartamento, onde morava com a família, a ex-esposa e dois filhos. Na terceira, um lote.
“Uma vez, troquei um apartamento por uma casa e um lote. Foi quando fui vendido ao Bahia. Quando voltei para BH, metade do lote tinha sido roubado. Um cara construiu lá e conseguiu registrar. Tomei cano”, conta.
No Bahia, segundo ele, o clube lhe devia salários e o emprestou ao Vitória, onde ficou três meses, antes de retornar ao Cruzeiro.
Depois disso, Natal foi jogar na Venezuela, no Deportivo Italia, de Caracas. Na volta ao Brasil, foi para o Valério, que segundo ele, o ajudou muito, assim como a Caldense, time que defendeu na sequência.
Depois, vestiu a camisa do Villa Nova, onde encerrou a carreira: “Gostei muito do Villa e de Nova Lima. Eu morava em Santa Luzia. Saía cedo e ia para Nova Lima, retornando no fim do dia”.