CRUZEIRO

A venda de R$ 170 milhões do Cruzeiro que até hoje não foi superada

Ida de Geovanni para o Barcelona em 2001 rendeu R$ 43 milhões ao Cruzeiro; valor atualizado em agosto de 2024 chega a R$ 173 milhões
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O Cruzeiro voltou a fazer caixa ao vender Arthur Gomes ao Dínamo Moscou por 6 milhões de euros (cerca de R$ 37 milhões). A Raposa pode embolsar mais 1 milhão de euros (R$ 6,4 milhões) caso o atacante alcance metas no contrato com o clube da Rússia.

A transferência de Arthur Gomes foi considerada positiva pelo fato de o atleta ser atualmente reserva na equipe treinada por Fernando Seabra. Porém, no contexto histórico, a negociação está distante das primeiras posições.

Até hoje, nenhum jogador rendeu tanto dinheiro ao Cruzeiro quanto Geovanni. A ida do atacante para o Barcelona, da Espanha, em junho de 2001, rendeu 18 milhões de dólares aos cofres celestes. Na época, o valor correspondia a 43 milhões de reais.

R$ 173 milhões em 2024

Corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação no Brasil, os R$ 43 milhões recebidos pelo Cruzeiro em meados de 2001 equivalem a R$ 173,7 milhões em agosto de 2024 – última atualização feita pelo Banco Central.

Geovanni se destacou pelo Cruzeiro no início da década de 2000 (Auremar de Castro/Estado de Minas)

Para se ter uma dimensão do que essa quantia representava há 23 anos, o salário mínimo era de R$ 180, ao passo que um Volkswagen Gol zero-quilômetro custava quase R$ 14 mil.

Ou seja, o valor pago pelo Barcelona ao Cruzeiro era suficiente para adquirir mais de 3 mil unidades do VW Gol, além de garantir 239 mil salários mínimos.

Em 2024, 239 mil salários mínimos (R$ 1.412) correspondem a R$ 337 milhões, enquanto o carro zero mais barato do Brasil, o Fiat Mobi, sai por a partir de R$ 74 mil (R$ 222 milhões para comprar 3 mil unidades).

Maiores vendas do Cruzeiro em valores corrigidos

Outras vendas não tiveram tanto peso nas finanças do Cruzeiro. As que chegaram mais perto foram as de Fred, Arrascaeta, Fábio Júnior e Ricardo Goulart.

  • Geovanni: vendido ao Barcelona, da Espanha, por R$ 43 milhões (18 milhões de dólares) em junho de 2001. Valor corrigido em agosto de 2024: R$ 173,7 milhões. Cruzeiro embolsou 90% do dinheiro;
  • Fred: vendido ao Lyon, da França, por R$ 44 milhões (14,9 milhões de euros) em agosto de 2005. Valor corrigido em agosto de 2024: R$ 123,5 milhões. Cruzeiro recebeu cerca de 80% do total da transferência;
  • Arrascaeta: vendido ao Flamengo por R$ 76,5 milhões (18 milhões de euros) em janeiro de 2019. Valor corrigido em agosto de 2024: R$ 104,4 milhões. Cruzeiro ficou com 70% do valor da operação
  • Fábio Júnior: vendido à Roma, da Itália, por R$ 18 milhões (15 milhões de dólares) em janeiro de 1999. Valor corrigido em agosto de 2024: R$ 86 milhões.
  • Ricardo Goulart: vendido ao Guangzhou Evergrande, da China, por R$ 45,9 milhões (15 milhões de euros) em janeiro de 2015. Valor corrigido em agosto de 2024: R$ 84,9 milhões. Cruzeiro teve direito a 75% do montante

Os bastidores da negociação

O empresário Jorge Machado foi o responsável por intermediar as tratativas entre Barcelona e Cruzeiro. Em novembro de 2022, ele contou os bastidores da transferência em entrevista ao podcast Foi Lá e Fez, do ex-jogador Rafael Sobis.

“O melhor negócio foi a venda do Geovanni para o Barcelona. Estou em Barcelona entregando o Fábio Rochemback junto com o Fernando Miranda, presidente do Inter na época. Ouvi a diretoria do Barcelona tentando levar o Riquelme e o Saviola. Faltavam quatro dias para fechar a janela”, iniciou Machado.

Geovanni em apresentação no Barcelona no dia 5 de julho de 2001 (AFP PHOTO/ANDREU DALMAU)

“O treinador (do Barcelona) que veio assistir ao Fábio Rochemback, assistiu ao Geovanni, que jogava no Cruzeiro na época. Nós vimos o jogo, e ele era o artilheiro do campeonato. Eu vi que furou (o negócio por Saviola e Riquelme), mas estou com meu ouvido lá. Aprendi que, no futebol, você tem que sempre jogar seu ouvido numa conversa. Ouvi que eles não estavam conseguindo liberar, e eles estavam com 32 milhões para contratar esses jogadores”, prosseguiu.

“Daqui a pouco, um lá deu uma baforada no charuto, me chamou e disse que queria o Geovanni. ‘Geovanni do Cruzeiro, o que passa?’ Eu disse: ‘não sei, vamos ver’. Ligaram para o treinador do Barcelona, que era o Carles Rexach, que tinha gostado do Geovanni, mas eles queriam o Saviola e o Riquelme. Liguei para o presidente do Cruzeiro, o Zezé Perrella, que era meu amigo, e falei que estava com a diretoria do Barcelona e eles queriam saber o valor do Geovanni. Zezé falou: ’12 milhões de dólares’. Eu falei: ‘não, 22 eles não pagam’. ‘Tá surdo, Machado? 12 milhões de dólares’, respondeu o Zezé. Eu repeti: ’22 eles não pagam’. O presidente do Barcelona sinalizou assim: ‘eu pago 18′”, detalhou.

“O Zezé disse: ‘tu é surdo, Machado? ‘Não, tu que é burro’, respondi. Eu falei que eles não pagam 22 milhões de dólares, eles pagam 18. Eu passei o telefone para o Fernando Miranda, presidente do Inter, que confirmou (ao Zezé Perrella)”.

Jorge Machado, ao podcast Foi Lá e Fez, em novembro de 2022

“‘Tu está de sacanagem, Machado? Por esse valor até eu vou junto’, disse o Zezé. A secretária bateu a proposta, o presidente do Barcelona assinou, eu corri na recepção do hotel, a menina passou o fax, que já voltou assinado. Foi a maior venda que eu fiz, não em números, mas encaixou tudo na hora certa, no momento certo. Em cinco minutos, eu vendi ele por 18 milhões”, frisou Jorge Machado.

“Na hora de pagar minha comissão, o Zezé quis pagar 7%, aí nós brigamos. É 10%”, encerrou Machado, que ficou com US$ 1,8 milhão pela intermediação no negócio”.

Jorge Machado sobre a venda de Geovanni ao Barcelona

Geovanni se mostrou surpreso

Em janeiro de 2023, Geovanni concedeu entrevista à seção Por Onde Anda?, do Superesportes. Nesse bate-papo, ele relembrou a proposta do Barcelona e se mostrou surpreso com o relato de Jorge Machado sobre como conseguiu elevar os direitos econômicos de 12 milhões para 18 milhões de dólares.

Geovanni disputa bola com Saviola em treino do Barcelona (AFP PHOTO / ANDREU DALMAU)

“Eu nem sabia. Foi depois do jogo contra o Palmeiras, que eu estava em casa e meu sogro falou, ‘acorda que temos que ir para o Rio de Janeiro, o Barcelona está te querendo’. Tinham outros clubes da Itália, o Benfica, que tinha feito uma proposta, e o PSV (Eindhoven, da Holanda). As outras propostas foram mais baixas, e de concreto mesmo só o Barcelona”,

“Eu fiquei surpreso com essa história que o Jorge Machado contou. Meus amigos me falaram, eu vi essa reportagem. Sinceramente, fiquei surpreso. Depois de tanto tempo, 22 anos, o Jorge Machado falar sobre isso. Ele estava na negociação, e eu não sei o que aconteceu”.

Geovanni, ex-jogador do Cruzeiro

“Só fui chamado para o Rio de Janeiro, assinei contrato e dois dias depois fui para Barcelona. Tudo aquilo que envolveu, eu e meu sogro não ficamos sabendo porque foi entre o Barcelona, Zezé (Perrella, ex-presidente do Cruzeiro), Jorge Machado e, se não me engano, Gilmar Veloz (empresário)”.

O grande momento de Geovanni no Cruzeiro

O Barcelona se encantou pelo talento de Geovanni em seu início no Cruzeiro. O camisa 11 tinha como principal virtude a velocidade, além do bom chute de média distância e da facilidade em driblar os adversários.

O ápice do ex-atacante foi na final da Copa do Brasil, em 9 de julho de 2000, contra o São Paulo. Depois de empatar por 0 a 0, no Morumbi, o Cruzeiro viu o Tricolor Paulista abrir o placar no Mineirão aos 20 minutos do segundo tempo, em cobrança de falta de Marcelinho Paraíba.

Rogério Pinheiro puxou Geovanni pela camisa na final da Copa do Brasil entre Cruzeiro e São Paulo (Jorge Gontijo/Estado de Minas)

Aos 35, Fábio Júnior marcou o gol de empate da Raposa, porém o placar de 1 a 1 ainda dava o título aos paulistas por causa do gol qualificado como visitante. Eis que Geovanni surgiu como herói da virada celeste.

O São Paulo tinha a posse da bola aos 41 minutos. Pressionado por Ricardinho, o volante Axel errou no recuo para Rogério Pinheiro, que foi ultrapassado por Geovanni e não teve outra alternativa a não ser puxar a camisa do atacante cruzeirense.

O árbitro Carlos Eugênio Simon marcou a falta e expulsou o zagueiro são-paulino. Na cobrança do tiro livre, Geovanni chutou forte, a barreira “abriu” com um “tranco” de Donizete Oliveira, e a bola desviou em Axel antes de enganar Rogério Ceni.

Diante de 85 mil torcedores no Mineirão, o Cruzeiro ganhou do São Paulo por 2 a 1 e se sagrou campeão da Copa do Brasil pela terceira vez. E Geovanni deu sequência à grande fase e encerrou a temporada 2000 com 20 gols em 64 jogos.

Por que não deu certo no Barcelona?

Pelo Barcelona, Geovanni marcou três gols – um na vitória por 2 a 0 sobre o Tenerife, no Campeonato Espanhol; outro no revés por 3 a 2 para o Novelda, na Copa do Rei; e o terceiro no triunfo por 3 a 1 em cima do Galatasaray (Turquia), na fase de grupos da Liga dos Campeões da Europa.

Das 43 partidas pelo clube catalão entre 2001 e 2003, Geovanni foi titular em apenas 16. A concorrência do setor ofensivo era forte, já que o elenco do Barça tinha Rivaldo, Patrick Kluivert, Javier Saviola, Luis Enrique e outros atletas de renome.

Em 2002/03, Carles Rexach, técnico que levou Geovanni para o Barcelona, retornou à função de auxiliar. E o holandês Louis van Gaal assumiu o comando do elenco. Em uma conversa com o brasileiro, o treinador sugeriu que ele jogasse como ala. Geovanni, contudo, preferiu seguir como atacante, conforme revelou à ESPN em novembro de 2020.

“Depois que o Van Gaal assumiu, um dia ele me chamou para conversar: ‘Geovanni, preciso que você jogue como ala. Se você jogar como ala, ficará aqui no Barcelona durante 10 anos sendo titular. Na sua posição no ataque, você tem muita gente para disputar, como Saviola, Rivaldo e Kluivert, e vai ficar difícil para você’. Ele ia colocar um sistema de três homens atrás e eu seria o ala”

Geovanni, ex-jogador do Barcelona

O jogador se arrependeu de não ter ouvido o conselho de Van Gaal. “Claro que eu ia ter trabalho no início, mas eu conseguia marcar, era aplicado, poderia aprender muito mais. Eu era veloz, chutava bem, cruzava bem… Era uma posição em que eu poderia ter me destacado muito! Tanto é que, anos depois, chegaram jogadores como Daniel Alves, que foi multicampeão nessa posição, e o Belletti, por exemplo. Eles fizeram muito sucesso”.

Sequência da carreira de Geovanni

Sem espaço no Barcelona, Geovanni foi para Portugal jogar no Benfica. A trajetória dele no clube de Lisboa foi bem-sucedida: conquistou um Campeonato Português, uma Taça de Portugal e uma Supertaça. Em 131 jogos, marcou 23 gols.

Entre 2006 e 2007, Geovanni retornou ao Cruzeiro, mas sem repetir o brilho dos anos de 2000 e 2001. Assim, a diretoria celeste liberou o jogador para retornar à Europa, onde atuou na Inglaterra por Manchester City e Hull City.

Geovanni teve bons momentos no futebol inglês. Pelo City, marcou três gols em 23 partidas. No Hull, ganhou os holofotes ao acertar belo chute de fora da área na surpreendente vitória em cima do Arsenal (2 a 1), em pleno Emirates Stadium, na Premier League 2008/09.

O meia-atacante ainda passou por San Jose Earthquakes (Estados Unidos), Vitória, América e Bragantino, onde encerrou a carreira em 2013, aos 33 anos.

Números de Geovanni

  • Cruzeiro: 190 jogos, 47 gols
  • Barcelona: 43 jogos, 3 gols
  • Benfica: 131 jogos, 23 gols
  • Manchester City: 23 jogos, 3 gols
  • Hull City: 65 jogos, 13 gols
  • San Jose Earthquakes: 15 jogos, 1 gol
  • Vitória: 72 jogos, 14 gols
  • América: 35 jogos, 2 gols
  • Bragantino: 11 jogos, 1 gol
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