A temporada de 2020 do Cruzeiro ficou marcada por polêmicas, desorganização e decepções. No primeiro ano depois do rebaixamento, o time se afundou na Série B do Campeonato Brasileiro e demorou para recalcular a rota. Nos bastidores, era possível sentir o clima pesado e a pressão constante. O ex-lateral-esquerdo Giovanni Palmieri relembrou afastamento no clube e desabafou sobre a situação que rondou a Toca da Raposa.
Em entrevista exclusiva ao No Ataque, o ex-jogador de 35 anos contou os bastidores até o momento do afastamento. Na época, Giovanni chegou ao Cruzeiro por indicação do técnico Enderson Moreira. Contudo, o começo da temporada já foi turbulenta: o Cruzeiro não avançou nem para a semifinal do Campeonato Mineiro.
“Eu tive uma lesão muito grave no final do ano no Bahia, rompi o tendão de Aquiles. Fiquei seis meses sem jogar. Quando estava voltando aos treinos, começou a pandemia. Parei de fazer aquela parte de transição no clube e comecei a fazer em casa. Quando o Enderson me ligou, expliquei isso a ele. E o que foi me falado foi: “A gente vai te trazer e, durante a evolução, vamos colocando para jogar”. Tanto que o meu contrato era de um ano”, começou Giovanni.
A pressão era quase palpável. Para o torcedor cruzeirense, o retorno à Série A era obrigação. Internamente, contudo, o clube ainda passava por reformulações e trocas – dentro de campo e nos bastidores, na diretoria. A paciência com Enderson Moreira foi a primeira a ir embora.
“Em um mês, fiz seis jogos. É uma demanda muito alta. E, fora isso, a pressão de estar num momento difícil do clube, o time encaixando ainda, uma ideia de jogo nova. Na primeira derrota, no dia seguinte já teve protesto da torcida na Toca. Aí eu senti que o clima realmente não estava legal para o Enderson, tinha uma pressão externa sobre a qual eu não tinha o entendimento. Eu era jogador do Enderson. Isso resvalou em mim. A torcida começou a pegar no meu pé, de alguns jogadores.”
O afastamento veio em seguida: “O Enderson foi mandado embora, eu fui afastado. Senti um tratamento muito esquisito, você se sente mal, eu não tinha coragem de sair para rua, porque em menos de dois meses minha carreira virou dos avesso. Era um jogador que chegava a um grande clube, expectativa enorme de conseguir o acesso, depois era um jogador que não tinha condições de estar vestindo a camisa do Cruzeiro. Acaba perdendo a confiança”.
Motivo para o afastamento
A decisão do afastamento partiu da diretoria, mas mal houve comunicado com o atletas. Na época, quatro jogadores foram avisados de que não estavam nos planos do clube: os laterais-esquerdos João Lucas e Giovanni e os atacantes Welinton e Judivan.
“Na verdade, fizeram um grupo no WhatsApp, com jogadores que estavam afastados e apenas comunicaram ‘vocês vão treinar num horário diferente do grupo, opção da diretoria com a comissão técnica’. Se o time treinasse de manhã, a gente treinava à tarde. A gente tinha uma hora de trabalho, nem o preparador físico, nem o treinador principal iam, às vezes era um auxiliar. Algo básico. Esse profissional também recebia ordens”, contou Giovanni.
Ele descreveu o sentimento com aquela situação: “Você começa se sentir realmente marginalizado. Parece que acabou com a vida de alguém. Chega ao clube num horário diferente dos outros e já é olhado diferente. É a tal da confiança que hoje a gente fala tanto no futebol. Faz total diferença”.
“Treinar separado é uma situação que nenhum jogador merece. Bons momentos e maus momentos fazem parte da carreira, mas treinar separado, acho que isso é uma das situações que eu não concordo no futebol. Não pode existir isso. É um destrato com com o ser humano. Acho que tem que chegar num num acordo. Depois tomei a decisão de realmente entrar em acordo e seguir em frente, rescindi o contrato. Sei que eu sofri com reflexo de tudo que vinha acontecendo dentro do clube”
Giovanni
“Como a gente tinha uma amizade com o pessoal, teve um dia que falaram que teve que mudar mais o horário, porque o pessoal não queria nem que a gente tivesse contato com o pessoal que tá no grupo principal. Parece que a gente tá com uma doença. A gente começava a tentar encontrar o problema. Será que a gente estava passando alguma coisa ruim para os meninos que estavam jogando?”.
A passagem de Giovanni pelo Cruzeiro
Por fim, Giovanni contou que a explicação burocrática nunca chegou. Ele então rescindiu com o Cruzeiro. Ao todo, a curta passagem resultou em oito jogos, um gol e uma assistência.
“Nunca teve nenhuma explicação, só o fato de falar ‘não gostamos do que você vinha apresentando e a gente optou pelo afastamento’. Eu não obriguei ninguém a me contratar. O time não estava jogando bem, mas isso faz parte do futebol. Não acho justo você escolher cinco jogadores para pagar o preço.”
Giovanni afirma ter vivido dias difíceis na Toca da Raposa e pontua que discorda do costume nos clubes de colocar atletas fora dos planos para trabalhar em horários diferentes dos demais jogadores.
“Treinar separado é uma situação que nenhum jogador merece. Bons momentos e maus momentos fazem parte da carreira, mas treinar separado, acho que isso é uma das situações com as quais não concordo no futebol. Não pode existir isso. É um destrato com com o ser humano. Acho que tem que chegar a um acordo. Depois tomei a decisão de realmente entrar em acordo e seguir em frente, rescindi o contrato. Sei que eu sofri com reflexo de tudo que vinha acontecendo dentro do clube”, destacou.