A maior venda da história do Cruzeiro é a de Geovanni para o Barcelona. Em junho de 2001, o clube mineiro recebeu 18 milhões de dólares (R$ 43 milhões) pelos direitos econômicos do jogador. Corrigido pelo IPCA, índice que calcula a inflação no Brasil, o montante equivale a R$ 182 milhões em 2025.
Geovanni era a sensação do futebol brasileiro. Veloz, habilidoso e bom cobrador de faltas, ele vinha de excelentes temporadas na Raposa. Em 2000, marcou 20 gols em 63 partidas, sendo decisivo na final da Copa do Brasil, contra o São Paulo, em que anotou o tento da vitória de virada por 2 a 1. Em 2001, disputou 31 jogos, balançou a rede 15 vezes e conquistou a Copa Sul-Minas.
O que chamou a atenção do Barcelona foi a performance do então jovem de 21 anos na Copa Libertadores. Geovanni terminou a competição como vice-artilheiro, com sete gols. O atacante Lopes, do Palmeiras, liderou o ranking de goleadores, com nove.
O Cruzeiro somou 16 pontos na fase de grupos (5 vitórias e 1 empate), deixando para trás Emelec, do Equador (9); Olimpia, do Paraguai (5) – que viria a ser campeão continental em 2002; e Sporting Cristal, do Peru (3).
Nas oitavas de final, o time celeste ganhou os dois jogos do El Nacional (2 a 1, no Equador, e 4 a 1, no Mineirão). Nas quartas, empatou duas vezes com o Palmeiras (2 a 2, em São Paulo, e 3 a 3, em BH) e perdeu nos pênaltis.
Transferência para o Barcelona
A transferência de Geovanni para o Barcelona tem uma história curiosa. O empresário Jorge Machado, que intermediou a venda do volante Fábio Rochemback, do Internacional, para o time espanhol, também participou da negociação do camisa 11 cruzeirense.
Zezé Perrella, presidente do Cruzeiro, queria US$ 12 milhões por Geovanni. Contudo, Machado “jogou verde” e conseguiu aumentar as cifras. Ele disse aos dirigentes do Barcelona que o clube mineiro havia pedido US$ 22 milhões. Os catalães toparam pagar “apenas” US$ 18 milhões.
Em entrevista ao Cruzeiro Cast, Geovanni afirmou que não tomou conhecimento dessa manobra na época. Ele e o seu agente, Roberto Assunção (também sogro do atleta), não tiveram nenhum contato com o Barcelona antes do acordo com o Cruzeiro.
“Eu vi um empresário falando isso outro dia. Na negociação, meu sogro, que era empresário, e eu ficamos aqui. Nós só viajamos para o Rio de Janeiro e ficamos sabendo de tudo somente na hora. Antes, não sabíamos de nada. Até vi que ele falou sobre isso, mas não posso confirmar, porque meu sogro e eu não estávamos nesse dia”.
Geovanni
Segundo o ex-jogador, o Cruzeiro usou parte do dinheiro de sua transferência para construir a Toca da Raposa 2, centro de treinamento que na época era exclusivo do futebol profissional e um dos mais modernos do Brasil.
“Muito dinheiro na época. Tanto que eles empregaram na construção da Toca 2. Muito legal, né?! Depois disso, tantos outros títulos foram conquistados. Foi uma venda que ajudou muito o Cruzeiro, que é gigante, sempre vendeu e vai continuar vendendo. É gigante, tem nome, os jogadores que passam por aqui têm que ter nível alto, personalidade e muito futebol”.
‘Acho que fiz o caminho inverso’
Na chegada ao Barcelona, Geovanni lidou com forte concorrência. O elenco blaugrana tinha Patrick Kluivert, Javier Saviola, Rivaldo, Marc Overmars e Luis Enrique, que eram as principais opções para o setor ofensivo.
Na primeira temporada, o brasileiro foi bastante utilizado pelo técnico espanhol Carles Rexach – entrou em campo 32 vezes (14 como titular) e fez um gol. Na segunda época, perdeu espaço sob o comando do holandês Louis van Gaal (dois gols em 11 jogos).
Geovanni acredita ter feito o “caminho inverso” na carreira. Segundo ele, o ideal seria, primeiramente, entrar no futebol europeu por Portugal e somente depois ir para a Espanha. O ex-cruzeirense ressaltou que o Barcelona não tem tanta paciência quanto o Real Madrid na adaptação de jovens atletas da América do Sul.
“O sonho de todo jogador é ir para o Barcelona. Hoje, pela minha experiência, acho que fiz o caminho inverso. Deveria ir primeiramente para Portugal. E depois Espanha”, iniciou.
“O Real Madrid tem mais paciência com os jogadores. Tanto que o Vinícius Júnior jogou no time B e hoje está no alto nível. Eles tiveram paciência. O Barcelona tem menos paciência. Você vê o Vitor Roque agora. Não destacou no primeiro ano, emprestaram (ao Betis) e agora não está mais (o Barça vendeu o atacante ao Palmeiras por 25 milhões de euros)”.
Geovanni, em entrevista ao Cruzeiro Cast
Apesar de não ter desempenhado como esperava no Barcelona, Geovanni garantiu ter aprendido muito com vários companheiros e carregou ensinamentos para representar outros clubes europeus. Ao falar sobre Luis Enrique, ex-colega de clube e atual técnico do Paris Saint-Germain, não poupou elogios.
“Foi uma pessoa que me ajudou muito, depois perdi o contato. É um guerreiro. Dentro de campo cobra, incentiva os jogadores. Fez algo inédito no PSG (vencer a final da Liga dos Campeões por 5 a 0, contra a Inter de Milão). Acho que vai ganhar (o Mundial). A mentalidade do Luis Enrique como jogador eu já imaginava que seria a mesma como técnico. No time dele há um trabalho muito especial por trás, a forma de jogar. Parabéns ao Luis Enrique. Desejo sorte na final”.
Mudança para o Benfica
Geovanni trocou o Barcelona pelo Benfica em janeiro de 2003. Ele também recebeu propostas do Bordeaux, da França, e do Galatasaray, da Turquia, porém optou pelo clube português devido ao idioma e à cultura mais próxima à do Brasil.
O contrato com o Benfica seria por empréstimo de seis meses. Ao término do vínculo, o brasileiro permaneceu em Lisboa por mais três épocas e ajudou os Encarnados a encerrarem o jejum de títulos no país.
“O Benfica estava há 11 anos sem títulos. Quando cheguei, disse que seria campeão. Me perguntaram: ‘Geovanni, você sabe o que está falando?’. Eu disse: ‘sei’. No meu terceiro ano lá, fomos campeões. O Benfica estava na fila, fomos campeões no Porto, fizemos festa, chegamos a Lisboa, 70 mil pessoas no estádio às 4h da manhã. Aquele grupo mudou o patamar do Benfica”.
Geovanni
Com Geovanni em campo, o Benfica venceu a Taça de Portugal em 2003/04 (havia ganhado pela última vez em 1995/96), o Campeonato Português em 2004/05 (o título anterior foi em 1993/94) e a Supertaça em 2005/06 (antes, vencera em 1989/90).
Em três temporadas e meia, o brasileiro jogou 131 partidas e marcou 23 gols, tornando-se muito querido pelos adeptos benfiquistas.
Breve retorno ao Cruzeiro e ida para a Inglaterra
Com saudades do Brasil e em decorrência do falecimento dos pais, Geovanni acertou o retorno ao Cruzeiro no segundo semestre de 2006. No entanto, o rendimento não ocorreu conforme o esperado, e o jogador pediu para sair um ano depois.
Um empresário soube que Geovanni estava livre no mercado e o convidou para um período de testes no Portsmouth, da Inglaterra. Como estava em vias de conseguir o passaporte europeu, o meia-atacante topou.
Em amistoso de pré-temporada contra o Yeovil, Geovanni marcou um gol e deu uma assistência na vitória por 2 a 1. Em meio à demora do Portsmouth para contratá-lo, o Manchester City, que ainda não era a potência de hoje, fechou com o brasileiro a pedido do treinador sueco Sven-Göran Eriksson.
Curiosamente, Eriksson não deu muitas chances ao meia-atacante. Dos 23 jogos com a camisa do Manchester City, apenas quatro foram entre os titulares. Em um deles, o camisa 8 marcou um gol de fora da área na vitória por 1 a 0 sobre o Manchester United.
“Se não me engano, eu tinha cinco jogos e três gols pelo City, inclusive um no clássico contra o United, do qual não ganhávamos há 18 anos. Eu era o artilheiro do time e depois não joguei mais. O treinador era o Sven-Göran Eriksson. Até me ajudou, me levou para lá, sou grato a ele. Mas futebol às vezes têm algumas coisas que você não entende”.
Geovanni
Por outro lado, o ex-cruzeirense guarda memórias do gol diante do Manchester United. Ao entrar em um restaurante na cidade juntamente com o brasileiro Elano, ex-Santos, foi aplaudido pelos clientes do estabelecimento.
“Quando entramos num restaurante na Inglaterra, quando passei pela porta, todo mundo de pé nos aplaudindo. Parece que eles sabiam que iríamos para lá. Quando chegamos, 200 pessoas nos aplaudindo de pé. Esse dia foi uma festa em Manchester, pois eram 18 anos sem ganhar do rival. Dali pra cá, o time só cresceu e hoje é uma grande potência”.
Ídolo do Hull City
Após sair do Manchester City, Geovanni acertou com o Hull City, recém-promovido à Premier League. Um dos lances mais emblemáticos do meia foi um gol de fora da área em cima do Arsenal (2 a 1), em pleno Emirates Stadium, no Campeonato Inglês 2008/09.
Geovanni ganhou os holofotes ao balançar a rede de outros gigantes do país, casos de Liverpool, Tottenham e Manchester United. Uma passagem que não sai de sua memória é a ocasião em que usou a braçadeira de capitão da equipe, em substituição ao ídolo Nick Barmby. O Hull venceu o Wigan por 2 a 1, diante de quase 23 mil torcedores na casa do clube, o MKM Stadium.
“Nesse dia, o Nick Barmby me deu a faixa de capitão. Lá fora, é por tempo de clube. Nesse dia, ele saiu do jogo e me passou a faixa. Me disse: ‘você tem que ser o capitão’. Eu tenho um pôster pintado que um amigo fez com essa faixa de capitão. Pra você ser o capitão do clube, é porque eles têm um carinho muito especial. Foi um clube que me marcou. Para mim, foram dois anos muito especiais no Hull City”.
Geovanni
Na primeira época na elite inglesa, o Hull City evitou o rebaixamento ao encerrar em 17º lugar, com 35 pontos (Newcastle, Middlesbrough e West Bromwich caíram). Em 2009/10, o time não resistiu à força dos adversários e ficou em penúltimo, com 30 pontos.
Hoje, o Hull City compete na EFL Championship, segundo nível do Campeonato Inglês.
Reta final da carreira
Geovanni ainda passou por San Jose Earthquakes (Estados Unidos), Vitória, América e Bragantino, onde encerrou a carreira em 2013, aos 33 anos. Desde então, dedica-se ao investimento em construção civil e ao agenciamento de jogadores.
Uma curiosidade sobre Geovanni é que ele é tio do ex-volante Wendel, titular do Cruzeiro campeão mineiro, da Copa do Brasil e do Campeonato Brasileiro de 2003.
Números de Geovanni
- Cruzeiro: 190 jogos, 47 gols
- Barcelona: 43 jogos, 3 gols
- Benfica: 131 jogos, 23 gols
- Manchester City: 23 jogos, 3 gols
- Hull City: 65 jogos, 13 gols
- San Jose Earthquakes: 15 jogos, 1 gol
- Vitória: 72 jogos, 14 gols
- América: 35 jogos, 2 gols
- Bragantino: 11 jogos, 1 gol