NELINHO NO CRUZEIRO

Nelinho ‘mudou’ jeito do Cruzeiro jogar: ‘Piazza parou de fazer gols’

Lateral-direito marcou mais de 100 gols com a camisa do Cruzeiro e se tornou o 13º maior artilheiro do clube

Foto do autor
Compartilhe
google-news-logo

Nelinho é o 13º maior artilheiro da história do Cruzeiro. Foram 105 gols em 411 jogos de 1973 a 1982 (algumas fontes apontam 106 gols), números impressionantes para um lateral-direito.

Dedicado aos treinos de finalização, o camisa 4 se especializou em cobranças de falta, pênalti e chutes de longa distância. Quando ia à linha de fundo, em vez de cruzar, preferia surpreender o goleiro adversário com uma bola de efeito na direção da baliza.

A chegada de Nelinho ao Cruzeiro, em 1973, mudou a maneira do time jogar. Isso porque o lateral-direito Pedro Paulo, campeão da Taça Brasil de 1966, tinha a marcação como ponto forte. Ele fez apenas cinco gols em 405 jogos de 1963 a 1974.

Com a troca de Pedro Paulo por Nelinho, Wilson Piazza, volante que disputou a Copa do Mundo de 1970 como zagueiro, reforçou a proteção à defesa. Os treinadores percebiam que era mais interessante contar com os arremates do lateral.

Nelinho e Piazza - (foto: Revista Placar)
Nelinho, Piazza e Zé Carlos(foto: Revista Placar)

“Fiquei muito amigo do Piazza logo quando cheguei. Ele falava que, antes de eu chegar, ia muito para frente, fazia gols. Depois que eu cheguei, ele parou de fazer gols porque precisava me cobrir”, disse Nelinho, em entrevista ao No Ataque.

Antes da “era” Nelinho, Piazza somava 40 gols em 376 partidas pelo Cruzeiro. A partir da entrada do lateral-direito, balançou a rede apenas duas vezes em 190 jogos. Ao todo, o camisa 5 contabilizou 42 gols em 566 jogos com a camisa estrelada.

“Os treinadores me davam razão. O Piazza reclamava, mas o técnico falava: ‘ele apoia bem, você que tem que ficar para marcar. Quer que eu deixe ele preso e você vai apoiar, sendo que ele apoia melhor do que você?”.

Nelinho

Vídeo da entrevista de Nelinho

A ida de Nelinho para o Cruzeiro

Nelinho jogava pelo Remo quando impressionou Carmine Furletti, diretor de futebol do Cruzeiro. As equipes se enfrentaram pelo Campeonato Brasileiro, no dia 3 de dezembro de 1972. O jogo no Estádio Baenão, em Belém, terminou empatado por 2 a 2.

O Cruzeiro apostou na habilidade do ponta-esquerda Rinaldo para complicar a vida de Nelinho. Mas o lateral-direito diz ter se saído muito bem na retaguarda, além de aplicar dribles nos jogadores celestes na saída de bola do Remo.

“Quando eu chego no Cruzeiro, o Roberto Batata me contou a história. Naquele dia, na preleção, o treinador fez o seguinte. O ponta-esquerda era o Lima, um jogador mais de articulação, voltava para compor o meio-campo, não era muito ofensivo. E tinha o Rinaldo, que era driblador. O técnico falou assim: ‘o lateral-direito que vai jogar não é o titular e não é da posição, ele é do meio-campo, então vou colocar um ponta ofensivo em cima dele que vamos ganhar o jogo’.”

“Começa o jogo, a bola sobrava para mim, os caras vinham me marcar, eu ameaçava dar um chutão e rolava devagar debaixo das pernas. Dentro da área, o cruzamento sobrava para mim, Dirceu Lopes vinha, eu dava um lençol nele e saía jogando. No intervalo, o comentário entre eles – isso o Roberto Batata me contando – era que ninguém queria me marcar quando eu estava com a bola. Eu arrebentei, foi por isso que o Cruzeiro quis me contratar”.

Nelinho
Nelinho em ação pelo Cruzeiro - (foto: Arquivo EM/D.A Press - 14/09/1974 )
Nelinho em ação pelo Cruzeiro(foto: Arquivo EM/D.A Press – 14/09/1974 )

Dinheiro no bolso

Ao fechar contrato com o Cruzeiro, Nelinho impôs uma condição: receber 100 mil cruzeiros (equivalente a R$ 576 mil em valores atuais) ao fim da temporada.

Logo no primeiro ano, o lateral jogou 70 partidas (67 como titular) e marcou 10 gols. No quadrangular final do Brasileirão, a Raposa ficou em terceiro, acima do Internacional e abaixo de Palmeiras (campeão) e São Paulo (vice).

“Quando cheguei, quem veio falar comigo foi o Edmundo Lambertucci. Era um cara duro para fazer negócio. Ele quis me enrolar. Eu falei: ‘então não vou ficar, vou embora.’ Ele falou: ‘faz o seguinte, espera o Furletti chegar que aí você acerta com ele’”

“Ligaram para o Furletti e ele veio. Fizemos uma reunião. Sei que na época eu assinei o contrato de um ano e falei que no final do ano queria 100 mil cruzeiros. No campeonato nacional eu já estava arrebentando, o Internacional já queria me contratar. Chegou a data, e nada de dinheiro. Aí eles chegaram e falaram, no fim do dia: ‘Nelinho, vem cá’. Em um posto de gasolina, me deram um embrulho com o dinheiro vivo.”

Nelinho
Nelinho, ex-lateral-direito do Cruzeiro
Nelinho, ex-lateral-direito do Cruzeiro

Gol no Santos de Pelé

A dobradinha de Nelinho e Piazza funcionou muito bem no jogo contra o Santos pelo Campeonato Brasileiro de 1974. O Cruzeiro venceu por 3 a 1, em 28 de julho, no Estádio do Morumbi, em São Paulo.

“Nós fizemos o gol (com Palhinha), eles foram dar a saída. Quando deram a saída, o Pelé pegou a bola e foi para cima do Piazza. O Piazza tomou a bola e deu em mim. Aí o Pelé veio em cima de mim. Eu dividi, ganhei dele, continuei com a bola e ele parou. Fui driblando e bati de canhota, no ângulo. Ganhamos de 3 a 1. Foi na volta da Copa do Mundo. Depois disso, ele fez o jogo de despedida e foi para o Cosmos (Estados Unidos)”.

Nelinho

Ao superar o Santos, o Cruzeiro concluiu o quadrangular final do Brasileirão com o mesmo número de pontos do Vasco. Assim, as equipes se enfrentaram na partida de desempate, no Maracanã, em 1º de agosto de 1974.

A Raposa perdeu para o Cruz-maltino por 2 a 1. Nelinho marcou o gol cruzeirense em chute forte no ângulo de Andrada. O árbitro Armando Marques ainda anulou um tento legítimo de Zé Carlos, volante celeste, aos 44 minutos do segundo tempo.

Vídeo de Santos 1 x 3 Cruzeiro no Brasileirão de 1974

Os gols na Libertadores

Dos 105 gols de Nelinho pelo Cruzeiro, 11 foram na Copa Libertadores. O clube se sagrou campeão em 1976, além de ser vice em 1977 e semifinalista em 1975.

A foto abaixo mostra o pênalti convertido pelo lateral-direito na vitória da Raposa sobre o Internacional por 5 a 4. O duelo pela fase de grupos da competição continental contou com mais de 65 mil torcedores no Mineirão.

Gol de pênalti de Nelinho em Cruzeiro 5 x 4 Internacional pela Libertadores de 1976

O ponta-esquerda Joãozinho deu um show ao marcar dois gols e participar de outros lances. “O Inter começou o jogo com um lateral. Depois, trocou mais um. E no fim do jogo, mais outro. O último foi o que fez o pênalti no Joãozinho, em que eu faço o 5 a 4. O Joãozinho pedalou em cima do Figueroa (zagueiro do Colorado), jogou demais”, relembrou Nelinho.

No primeiro jogo da final da Libertadores de 1976, contra o River Plate, no Mineirão, o lateral bateu falta aos 21 minutos do primeiro tempo e superou Ubaldo Fillol, abrindo caminho para a goleada do Cruzeiro por 4 a 1. O segundo encontro, em Buenos Aires, terminou com triunfo argentino: 2 a 1. No terceiro embate, em Santiago, no Chile, os mineiros levaram a melhor: 3 a 2.

O ‘beijo’ de Yustrich

Conhecido pelo perfil truculento e brigador, Yustrich foi o técnico do Cruzeiro na Copa Libertadores de 1977. Por ter sido campeão no ano anterior, o time entrou diretamente no quadrangular semifinal, ficando à frente de Internacional e Portuguesa (Venezuela). Na decisão, o rival era o Boca Juniors.

Derrotado na Bombonera por 1 a 0, o Cruzeiro precisava ganhar no Mineirão para forçar o terceiro jogo. Antes de fazer o gol de falta, aos 38 minutos do segundo tempo, Nelinho, que não concordava com os métodos de Yustrich, recebeu um beijo do treinador.

“Ele tinha uma mania de intimidar jogador, e tinha torcedor que gostava. Quando um jogador caía machucado, ele pegava e jogava para dentro do campo. Quando ele entrou, achou que eu fosse correr dele. E eu estava longe, parado esperando ele, porque não iria correr. Podia até apanhar, porque ele era muito forte. Ele começou a raciocinar: ‘o que vou fazer? Bater nele?’ Deve ter pensado nisso. Aí ele me abraçou, me beijou e disse: ‘faz um gol para mim’. Tomei distância e fiz o gol lá na gaveta: 1 a 0. Termina o jogo, ele já está na porta do vestiário dando entrevista para um monte de jornalistas. Quando passei, ele falou: ‘muito obrigado por fazer o gol para mim’. ‘Fiz gol para você o ca*, fiz gol para o Cruzeiro’. Falei sério e larguei ele lá. Todo mundo escutou”.

Nelinho

O terceiro jogo entre Cruzeiro e Boca ocorreu no Estádio Centenário, em Montevidéu, no Uruguai. Nelinho sentiu uma fisgada na coxa e precisou ser substituído por Mariano – para descontentamento de Yustrich. O empate por 0 a 0 levou a decisão para os pênaltis, e os argentinos ganharam por 5 a 4, garantindo o primeiro dos seis troféus da Libertadores da América.

Curiosidades de Nelinho no Cruzeiro

  • Dos 105 gols de Nelinho pelo Cruzeiro, 35 foram no Campeonato Brasileiro, 39 no Mineiro, 11 na Libertadores, cinco na Taça Minas Gerais e 15 em amistosos e competições não oficiais;
  • Segundo o Almanaque do Cruzeiro, Nelinho fez 40 gols de falta e 38 de pênalti vestindo a camisa celeste;
  • Por duas vezes, Nelinho anotou três gols no mesmo jogo: vitórias sobre Stoke City, da Inglaterra (3 a 0), em torneio na Espanha em 1975; e Caldense (4 a 1), no Campeonato Mineiro de 1976;
  • Nos clássicos pelo Cruzeiro, Nelinho marcou três gols no Atlético, sete no América e quatro no Villa Nova.

Entrevista de Nelinho ao No Ataque

Em entrevista ao No Ataque, Nelinho também falou sobre o início da trajetória no futebol, a mudança do Cruzeiro para o Atlético em 1982, as Copas do Mundo que jogou pela Seleção Brasileira e a vida como empresário à frente de uma academia em BH.

Compartilhe
google-news-logo