FUTEBOL FEMININO

Estigma do OnlyFans implica machismo com Gaby Soares, do Cruzeiro

Notícia de que a meio-campista Gaby Soares, do Cruzeiro, iria compartilhar vídeos no OnlyFans reuniu dois estigmas de preconceito

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Que o machismo é algo intrínseco ao futebol feminino não é uma novidade. Com o crescimento da modalidade e o destaque pessoal das jogadoras, o preconceito está presente em diversos recortes, como em comentários, no imaginário popular e até camuflado no jornalismo. A notícia de que a meio-campista Gaby Soares, do Cruzeiro, iria compartilhar vídeos no OnlyFans reuniu dois estigmas: o de que a plataforma serve apenas para publicação de conteúdo adulto e o de que o corpo de uma atleta está sujeito à sexualização em qualquer oportunidade.

Criado em 2016, o OnlyFans – “Apenas Fãs”, em tradução livre – surgiu como uma plataforma para que influenciadores pudessem monetizar conteúdo por meio de uma assinatura mensal. Sem nenhum tipo de restrição, o site ganhou notoriedade pela publicação de pornografia e/ou conteúdo adulto – como fotos e vídeos sensuais ou explícitos.

O caminho pensado por Gaby nada tem a ver com publicações +18. Com o intuito de aproximar os torcedores, ela deixou claro que iria compartilhar conteúdos voltados para o treino e o dia a dia como futebolista. Mesmo assim, as redes sociais foram tomadas por comentários machistas sobre decisão da capitã das Cabulosas, motivados pelo estigma em relação à plataforma.

“Rotina profissional, treinos, jogos, fotos e stories… tudo isso poderia ser postado no Instagram. Nenhum homem vai querer pagar um OF para ver uma mulher treinando de roupa”, escreveu um perfil na rede social X.

“Tá de sacanagem, não é possível, torcida tem que ir lá na toca fazer protesto”, disse outro no Instagram.

“Abriu um only pra postar fotos da sua rotina profissional? Kkkkk Tá bom”, comentou outro perfil.

“Uma vergonha, desculpa ridícula. Quem vai entrar no Onlyfans pra ver rotina de jogadora? Abre o bagulho só tem bunda. Quer se vender tudo certo, faz o que quiser, só não inventa moda”, falou mais um.

Perfil de Gaby Soares no Onlyfans - (foto: Reprodução)
Assinatura do perfil de Gaby Soares no Onlyfans custa 10 dólares (R$ 53,00 na cotação atual(foto: Reprodução)

Machismo

A reação tem explicação, analisa a jornalista Rafaela Souza, pesquisadora na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela estuda culturas esportivas e desdobramentos do futebol de mulheres no Brasil e avalia que a repercussão sobre o caso também tem a ver com a forma como a notícia foi propagada.

“O machismo também está nessas expectativas das pessoas, duvidando que ela só vai compartilhar conteúdo da rotina, que é algo comum quando são homens, mas é como se houvesse uma expectativa, ou como se o corpo dela estivesse sempre disponível para ser sexualizado. Quando é um atleta só compartilhando o dia a dia a rotina, não é tão interessante assim para essas pessoas. E o machismo também está em como ela precisa se justificar o tempo todo, falando que não vai compartilhar conteúdo adulto”, disse.

O uso da plataforma por atletas não é uma ideia pioneira da meio-campista do Cruzeiro. A maior adesão surgiu na época da pandemia de COVID-19, em que muitos viram a oportunidade de financiar carreiras e treinamentos numa época em que o esporte sofreu com as pausas de calendário. Contudo, há uma diferença de tratamento entre os homens e as mulheres esportistas que decidem abrir uma conta no OnlyFans.

Gaby Soares, jogadora do Cruzeiro - (foto: Gustavo Martins/ Cruzeiro)
Gaby Soares, jogadora do Cruzeiro(foto: Gustavo Martins/ Cruzeiro)

No Brasil, o surfista Pedro Scooby e o atacante Douglas Costa são exemplos de atletas com contas ativas na plataforma. Ambos utilizam o site para compartilhar bastidores do esporte, como rotina de treinos e lifestyle. Os casos, contudo, não tiveram a mesma repercussão. Fora do país, os atletas britânicos do salto ornamental, Jack Laugher e Daniel Goodfellow, além do jogador Jonathan dos Santos, ex-Seleção mexicana, são outros exemplos.

Jogadora de vôlei, Key Alves foi um dos nomes do esporte feminino a ganhar notoriedade na plataforma. Ela saiu em defesa de Gaby Soares e explicou o motivo de também ter aberto uma conta no OnlyFans.

“Lá tem vários conteúdos, não somente pornografia! Eu fui a primeira jogadora de vôlei profissional a ter e tenho até hoje, depois disso muitas jogadoras se aventuraram também. Precisei ter porque ganhava R$ 600 reais jogando vôlei, infelizmente. Hoje tenho carro, casa, uma vida que todo mundo deveria ter, mas nosso esporte não é valorizado. Então eu fiz e nunca me arrependo. Boa sorte e que ela arrase lá”, opinou a atleta.

O papel do jornalismo

Para Rafaela, o jornalismo é um agente importante para o crescimento do futebol feminino, mas por vezes ainda age como um limitador desse avanço. O problema é histórico, já que o esporte praticado por homens sempre teve os holofotes da mídia, enquanto o futebol de mulheres esteve escanteado nos tabloides por algum tempo.

“O jornalismo esportivo tem um papel importante nisso e como ele precisa ter certo cuidado ao noticiar questões como essa, porque as modalidades esportivas praticadas por mulheres são historicamente invisibilizadas pela mídia. Tem toda a questão da proibição (do futebol feminino a partir de 1965) e de como que isso ainda reflete até hoje na forma como a modalidade é vista pelas pessoas. Quando o jornalismo esportivo prefere dar um grande foco para essa questão da Gaby Soares e quando são homens atletas, por exemplo, fazendo a mesma coisa não tem uma grande repercussão”, explicou a pesquisadora.

O cerne da questão não é somente a respeito do que é notícia, mas sim como elas são construídas, muitas vezes, para gerar curiosidade e cliques. No entanto, esse movimento gera uma corrente machista e alimenta as percepções de que o futebol feminino é sexualizado.

“Como isso aparece nos títulos das matérias ou no foco da postagem e como o uso da plataforma por ela vai ser explicado só no final da notícia, é uma escolha do jornalismo esportivo e desses portais. E fazem, muitas vezes, justamente para causar essa repercussão e que contribui com a forma que a imagem de uma mulher atleta é representada na nossa sociedade”, analisou.

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