Quando Rebeca Andrade saltou para a última chance da Seleção Brasileira nessa terça-feira (30/7), tinha a perfeita noção de que a medalha dependia dela na Arena Bercy. Talvez, porém, ainda não soubesse o peso histórico do bronze por equipes nos Jogos de Paris 2024. A conquista apoteótica, que caprichosamente contou com falhas das rivais britânicas na trave, é um marco que coloca o Brasil no “mapa” da ginástica artística olímpica.
O país já tinha subido ao pódio anteriormente, com a própria Rebeca Andrade. A paulista de 25 anos foi ouro no salto e prata no individual geral em Tóquio 2020, mas a medalha na capital francesa é diferente. A conquista é coletiva e contou com as participações diretas de Flávia Saraiva, Lorrane Oliveira, Jade Barbosa e Júlia Soares. Mas, para além do quinteto que competiu, valoriza e consolida o que pode ser chamada de “escola brasileira de ginástica artística”.
“As pessoas tiveram a oportunidade de ver duas horas do Brasil competindo. Nós sabemos que essas duas horas foram trabalhadas em mais de 40 anos. Aos poucos, fomos conquistando, passo a passo, para que a gente tivesse esse resultado por equipe, que vale muito para a gente”, vibra Jade Barbosa, 33, a mais experiente do grupo de atletas, consciente da simbologia da conquista.
O Brasil é o primeiro país do hemisfério Sul a subir ao pódio olímpico na competição por equipes da ginástica artística feminina. Levantamento do No Ataque mostra que as outras 65 medalhas distribuídas desde Amsterdã 1928 pararam no Norte global, com destaque para Rússia (11 ouros, quatro pratas e um bronze), EUA (quatro ouros, quatro pratas e três bronzes) e Romênia (três ouros, quatro pratas e cinco bronzes).
De 22 edições de Jogos Olímpicos com a prova feminina por equipes, apenas cinco contaram com a presença da equipe brasileira. Em Paris 2024, foi a terceira vez que as brasileiras foram à final – nas outras duas (Pequim 2008 e Rio 2016), o time ficou na última posição das oito seleções.
“O Brasil não era nada dentro desse esporte. A gente começou com alguns talentos individuais e muito ‘paitrocínio’ no início. Hoje, somos uma potência em diversos fatores. Hoje, a gente pode dizer que a gente tem uma escola brasileira de ginástica. Não foi a melhor competição, mas hoje a gente consegue ganhar uma medalha na nossa não melhor competição. Quando a gente imaginou isso!?”.
Jade Barbosa
Altos e baixos
A medalha inédita veio com sofrimento desde o início da prova. Ou melhor, antes do início. Durante o aquecimento, Flávia Saraiva caiu das paralelas e rasgou o supercílio direito. Recuperou-se parcialmente – disse que não estava enxergando direito – e foi para a disputa mesmo assim.
“Eu nem sei muito bem o que aconteceu. Quando eu vi, eu estava no chão. Aí só olhei se estava inteira, achei até que tinha perdido os dentes. Fui para aquecer, mas o Chico (técnico viu que eu estava sangrando e pediu para que eu fizesse o curativo. A Jade perguntou se precisava aquecer, mas eu disse que estava bem, aquecida, acordei na hora que caí. Não estava enxergando direito. Dei o meu 100%, lutei até o final. Dei o sangue, literalmente”, riu Flavinha.
Ao longo da prova, o Brasil teve muitas dificuldades e não conseguiu repetir o desempenho das classificatórias, em que havia terminado na quarta posição. Ao todo, o equipe somou 164.497 pontos – nota inferior aos 166.499, mas suficiente para uma reviravolta na última de quatro rotações.
Em dado momento, a disputa passou a ser contra as britânicas e as chinesas, pelo bronze – EUA (embalados pelo brilho de Simone Biles) e Itália já haviam aberto vantagem nas duas primeiras colocações. No salto, o último aparelho, existia a expectativa de reviravolta, por ser o melhor de Rebeca Andrade. E foi justamente o que aconteceu. Com um impactante 15.100, a estrela brasileira liderou o time na busca pelo bronze.
Adeus?
Os Jogos de Paris podem ser uma passagem de bastão para a nova geração da ginástica – mais nova do time, Júlia tem apenas 18 anos. Aos 33, Jade Barbosa não sabe se vai seguir em Los Angeles 2028. A grande surpresa, porém, foi Rebeca Andrade anunciar que a aposentadoria pode estar próxima.
Rebeca dizia que se sente honrada por competir com Simone Biles quando veio o ‘choque’: “Eu não tenho como responder como vai ser quando ela não estiver mais porque eu também não sei se estarei”. Por causa das reações principalmente dos jornalistas, a brasileira brincou com o momento: “Assustou, né?! Mas é isso. Uma hora o esporte encerra. Faz parte da vida. É um ciclo, e eu aceito isso super bem. Vamos ver o que o futuro vai preparar para a gente. Espero que a gente continue sendo referência mesmo depois que não fizer mais ginástica”.
Em resposta ao No Ataque, Rebeca Andrade detalhou o pensamento. Ela não tem uma data para dizer adeus. Pretende dar atenção aos sinais do corpo, que já sofreu com lesões várias vezes.
“Eu falo isso porque, realmente, para mim, é muito difícil fazer o individual geral várias vezes. Tem a parte dos inferiores, depois de tantas lesões. Porque não tenho só as lesões do joelho direito, tenho do joelho esquerdo, uma em cada pé. Então é complicado. Enquanto meu corpo aguentar, eu estou aqui. Pode ser que eu não faça todos os aparelhos, a gente não sabe. É importante preparar os fãs, as pessoas que torcem, porque é muito difícil quando a gente se despede, mas eu acredito que todas nós temos futuro brilhante e temos que aproveitar todos os momentos”, pontuou.