FUTEBOL NACIONAL

Presidente do Vila Nova-GO: outros clubes sabiam de manipulações

Operação Penalidade Máxima, que investiga o provável maior esquema criminoso envolvendo o futebol brasileiro, teve início após denúncia de presidente do Vila Nova-GO
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Responsável por trazer à tona o escândalo de manipulações no futebol envolvendo apostas esportivas, o presidente do Vila Nova-GO, Hugo Jorge Bravo, revelou que dirigentes de outros clubes sabiam do esquema, mas tiveram receio de denunciar ou não sabiam como comprovar os crimes. 

Em entrevista ao No Ataque, nesta quarta-feira (10/05), Hugo Jorge Bravo, que também é major da Polícia Militar de Goiás, relembrou como descobriu a atuação da organização criminosa, que já resultou em duas fases da Operação Penalidade Máxima. O mandatário do Vila Nova-GO ainda deu detalhes sobre a conversa que teve com o empresário Bruno Lopez de Moura, apontado pelo Ministério Público como líder do esquema. Ele também contou como foi procurado por presidentes de outros times após a repercussão do caso. 

Ao ser questionado pela reportagem se acredita que esses dirigentes já sabiam do esquema, mas se omitiram, o presidente do Vila Nova-GO foi enfático: “Eu tenho certeza absoluta. Só que eu não posso atribuir a eles uma responsabilidade porque às vezes eles não tinham uma expertise de buscar [mais informações]. Às vezes eles não tiveram coragem para fazer. Não estou dizendo que sou mais corajoso que os outros, não tem nada a ver. Mas para mim, que estou acostumado a mexer com coisa muito pior do que essa por ser policial, isso daí não me assusta!”, afirmou.

“Mas eu tenho a convicção e sei de presidentes que, inclusive, me ligaram pedindo opiniões porque sabem que aconteceu e, às vezes, por não saber como operar isso, porque não são da área de segurança, ficam com receio. Mas eu tenho certeza que sabem”, reiterou.

Hugo Jorge Bravo denunciou o caso ao Ministério Público de Goiás em novembro do ano passado. Isso aconteceu poucos dias depois dele descobrir que um jogador do clube fora aliciado por um grupo criminoso. O volante Romário deveria cometer um pênalti na partida contra o Sport, na Série B do Campeonato Brasileiro, o que beneficiaria os apostadores envolvidos no esquema. Em troca, o jogador receberia R$ 150 mil, sendo R$ 10 mil antecipados. 

Entretanto, Romário não foi relacionado para aquela partida e tentou convencer, sem sucesso, outros jogadores da equipe. Ele foi pressionado pelos criminosos e a informação chegou até o presidente do Vila. 

Confira a entrevista completa com o presidente do Vila Nova-GO:

No Ataque: Como tudo começou? Sabemos que teve um jogador do Vila Nova-GO envolvido, mas como de fato chegou essa informação ao senhor?

“Logo após o jogo da última rodada da Série B do ano passado, contra o Sport-RE, uns três, quatro dias depois, algumas pessoas me alertaram. Disseram que o Romário sofreu uma pressão porque teria prometido algo relativo a aposta esportiva em um jogo e não concretizou. Agora ele está sofrendo ameaça, sofrendo pressão para pagar o criminoso que teria apostado”.

NA: Essa informação chegou por meio de outros jogadores, por algum empresário?

“Eu tenho que garantir o sigilo da fonte. Não posso expor a pessoa. Eu ouvi de uma pessoa e comecei a cutucar um e outro e a conversa foi ganhando autenticidade, verdade, e aí eu fui buscar desenvolver, fazer um trabalho para a gente busca o fio de meada e aí chegamos no contato do apostador e eu me coloquei à disposição dele para resolver estre aspas aquele problema, ou seja, cooperar. Foi quando ele [Bruno] abriu de forma voluntária como teria funcionado todo o esquema. E aí ele me explicou que eram apostas combinadas. Relatou como seria e, de posse dessas informações, que seriam provas, eu procurei o Ministério Público. A partir daí o promotor abraçou a ideia, deu confiança, acreditou e levou essas informações adiante o que culminou na primeira fase da operação”

NA: O senhor acredita que a sua experiência enquanto policial contribuiu para que você conseguisse apurar essas informações e levar ao Ministério Público?

“Primeiro, eu tenho o dever de não me omitir diante de uma situação dessa independentemente se fosse no futebol ou em qualquer outra coisa. Tenho a obrigação muito mais do que legal, mas obrigação moral, pela minha formação, de tocar adiante. Segundo ponto, com certeza a experiência, a forma como abordamos e buscamos as informações, como a gente induziu as pessoas a nos contarem a história, com certeza vem de uma experiência profissional. Sou acostumado a mexer com grandes organizações e facções criminosas, assaltantes de banco. Tenho um trabalho, um serviço prestado de longa data, não só no meu Estado, mas já fiz também grandes operações em outros Estados. Essa experiência proporciona uma habilidade diferente de quem não é do meio. Deus nos abençoou no sentido de buscarmos a sede pela Justiça como vem sendo feito”

“Eu não ganho um real com o futebol. A gente assumiu o clube aqui numa situação muito delicada. Tivemos que nos desdobrar. Meu horário de folga, que eu poderia estar curtindo com minha família, é o horário que eu tenho para me dedicar ao clube. Diretor de clube é o que mais sofre, porque quem ganha dinheiro com futebol é jogador e empresário. E os diretores são os principais prejudicados nisso aí. A gente não pode aceitar esse tipo de coisa. É um crime contra os diretores, além disso, as ações deles repercutem no sentimento de milhões de torcedores. A gente espera, porque a cada fase se chega a elementos novos, que permitem fazer novas fases, como aconteceu a segunda fase. Talvez os materiais apreendidos, celulares apreendidos principalmente, hoje o celular é a principal fonte de prova que o Ministério público tem, as vezes vai repercutir em uma terceira, quarta, quinta fase”

NA: O senhor continua na Rotam?

“Eu já trabalhei na Rotam, cheguei a ser subchefe de inteligência da Polícia Militar, e atualmente sou comandante de uma companhia de policiamento especializado, que é a Rotam, digamos assim, da região metropolitana, uma região muito delicada”.

NA: O que o senhor pode dizer do Bruno, empresário apontado como líder do esquema?

“Eu achei o Bruno um verdadeiro fanfarrão porque ele achava que aquela ação dele era algo natural, que ele estava fazendo certo e que tinha que cobrar, porque teria prejuízos. Eu achei ele um cara completamente alienado porque um cara que chega ao ponto de abrir ao presidente de um clube, eu acho que fizemos um trabalho para induzir isso nele, porém, ele chegar e pedir providências ao presidente de um clube e falar que ele tomou um prejuízo de um atleta que teria que ter feito um pênalti, esse cara é um lunático, um louco. Ele reclamou comigo: ‘vou ficar no prejuízo, como é que eu vou fazer?”

NA: Ele falou de quanto foi esse prejuízo?

“De meio milhão de reais. Era um combinado, a partir do momento que não deu certo em um jogo, caiu o acordo geral”. 

NA: O senhor imaginava, no momento em que fez a denúncia, que chegaria a uma proporção tão grandiosa como essa a ponto de mudar o futebol brasileiro como um todo? Algumas pessoas cogitam até que é preciso interromper o Campeonato Brasileiro…

“Não. Isso aí de interromper campeonato não existe não. Mesmo porque a gente tá falando de fatos preteritos. Não acredito de forma alguma nisso. Nós tinhamos certeza que isso iria deflagrar em algo. Por mais que ficasse tão somente na Série B naquele momento, com as informações que tinhamos no início, a gente sabia que ia chegar num ponto em que haveria repercussão. Chegar a Série A é mérito do promotor, mas não me surpreende ter chegado a esse ponto. A minha maior surpresa foi o empenho do Ministério Público. Esse promotor, doutor Fernando, foi diferenciado. Praticamente ele sozinho com um assessor conseguiu descobrir isso tudo”. 

NA: Acredita que esse seja o maior escândalo da história do futebol brasileiro?

“Não tenho dúvida disso porque é muita coisa. Na verdade é tanta coisa que eu não sei se vai ter braço para o promotor pegar tudo. Não estou participando da investigação, mas falo isso por estimativa nossa. Com certeza isso aí já superou a máfia do apito”.

“Acredito que isso vai gerar algumas mudanças. A principal delas é que deve ser banido das apostas esportivas as ações individuais. Isso tem que ser proibido. Tanto de cartões, penalidades e faltas. Sou favorável a ter apostas de gols, vitórias parciais, algo que tenha ali uma ação que dependa de mais uma pessoa, isso aí vai inibir bastante [as manipulações]. As casas de apostas são vítimas tanto como os clubes”. 

NA: Acredita que outros presidentes de outros clubes do Brasil sabiam dessa situação e se omitiram?

“Eu tenho certeza absoluta. Só que eu não posso atribuir a eles uma responsabilidade porque as vezes eles não tinham uma expertise de buscar [mais informações]. As vezes eles nao tiveram coragem para fazer. Não estou dizendo que sou mais corajoso que os outros, não tem nada a ver. Mas para mim que estou acostumado a mexer com coisa muita pior do que essa, isso daí não me assusta. Mas eu tenho a convicção e sei de presidentes que inclusive me ligam pedindo opiniões porque sabem que aconteceu e as vezes por não saber como operar isso, porque não são da área de segurança, ficam com receio. Mas eu tenho certeza que sabem”.

NA: Foram muitos presidentes que já te ligaram?

“Posso falar que pelo menos foram dois presidentes, mas aí a gente passou para eles… Porque eles tem a suspeita, não chegaram a ter provas”.

NA: Empresários de jogadores também sabiam?

“Os empresários sérios têm outras preocupações. Não se preocupam com ações isoladas de um atleta. Não acredito nisso não”. 

NA: Qual a opinião do senhor sobre os jogadores que participaram do esquema?

“Enquanto presidente fico estarrecido, algo completamente desnecessário. Agora como uma pessoa da área de segurança, eu não tenho surpresa nenhuma porque o caráter da pessoa não está atrelado ao salário da pessoa. A pessoa tem ou não tem caráter independentemente de ser pobre ou rica. De uma pessoa que não tem caráter você não espera nada. O cara que é sem caráter, que tem uma personalidade voltada para o crime, ela pode ganhar um milhão, dois ou três milhões, na primeira oportunidade que ela tiver de fazer algo errado, ela vai fazer”. 

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