FUTEBOL FEMININO

Cenário do futebol feminino em BH: realidade, dificuldades e sonhos

Fora os campeonatos profissionais, o futebol feminino em Belo Horizonte tem crescido, mas ainda apresenta camadas que precisam de melhoria
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Em clima de Copa do Mundo Feminina, se tornar jogadora de futebol é o sonho de muitas meninas. A vitrine em Belo Horizonte passa principalmente pelos três grandes clubes: Atlético, América e Cruzeiro. Na prática, o cenário tão vislumbrado, com boas oportunidades e investimentos, parece longe do ideal, embora já tenha evoluído em comparação à última década.

Atualmente, na capital, Galo, Raposa e Coelho estão no principal holofote do futebol feminino. Os três times disputarão a Série A1 do Campeonato Brasileiro Feminino em 2024, já que o alviverde conquistou a vaga inédita na elite este ano. As diferenças estão presentes até mesmo no profissional. Nem todas as três equipes desfrutam da mesma estrutura do masculino.

As Vingadoras treinam em campo alugado em Belo Horizonte e tem a Vila Olímpica como base, enquanto o masculino está concentrado na Cidade do Galo, em Vespasiano – que conta com sete campos de treinamento. As Cabulosas praticam as atividades em maioria na Toca da Raposa II, mesmo local do time masculino. O treinamento das Spartanas é realizado na Pontifícia Universidade Católica (PUC), no Coração Eucarístico, já os jogadores têm o CT Lanna Drumond à disposição.

Contudo, a disparidade para outros times mineiros menos expressivos é ainda mais evidente. No Campeonato Mineiro, no último ano, apenas três outras equipes disputaram o torneio – Araguari, Nacional e Uberlândia. A existência e a participação dos outros clubes se concentram no futebol amador. 

Na liga amadora, oito times disputaram o Campeonato Amador SFAC Feminino: Real Peñarol Clube, Santa Cruz FC, Prointer FC, Américo Futebol Clube, EC Santa Maria, Reunidos EC, Nacional FC e SO Ferroviário. Em 2023, o Prointer levantou a taça após se destacar em todas as fases da competição. 

Por mais que a liga exista e proporcione que mulheres se envolvam com futebol, a realidade é outra. As atletas, muitas vezes, têm o esporte em segundo plano, já que precisam conciliar outras obrigações com a responsabilidade de vestir a camisa da equipe. 

Ao No Ataque, a atacante Thatá Santos, do Prointer, contou sobre a vivência no futebol feminino amador de Belo Horizonte. Além do posto de artilheira do campeonato deste ano, com nove gols, ela trabalha em um salão de beleza. 

“Quando tem vários campeonatos, tem que se adaptar. Começa um atrás do outro e tem que ver qual dá pra ir, qual não dá. Eu treino por minha conta, muito pouco, mas faço o que consigo no dia a dia, porque tenho que conciliar com meu trabalho”

Thatá Santos
Thatá Santos, atacante do Prointer. Foto: Ta Santanna/Divulgação

Em relação às dificuldades, Thatá revelou que a maior delas é ter que arcar com os custos. Sem patrocínio de grandes corporativas, o próprio time se divide para conseguir viabilizar a ida para um campo em dia de jogos.

“Materiais para treino é muito difícil. A gente conseguiu um patrocinador que deu pra gente uniforme. Mas, financeiramente, a gente se vira, entre nós. Se tem que ter uma van pra ir jogar em um lugar que seja longe, dividimos entre nós. Porque não temos alguém que possa fazer isso. Somos nós por nós mesmas”, comentou a jogadora, de 29 anos. 

“A maior dificuldade é quando tem que ir jogar em lugar longe, ter que dividir entre nós. Como a gente não treina no dia a dia, é mais fácil conciliar com o trabalho. Mas algumas não conseguem por conta da faculdade, ou conseguem só jogar no fim de semana”, disse a atleta.

Base vem forte?

A falta de investimentos afeta também o desenvolvimento profissional das atletas. No Campeonato Mineiro Feminino Sub-20, apenas três times estão na disputa: Atlético, América e Minas Boca. 

As categorias de base das equipes são importantes para que as jogadoras possam se desenvolver e evoluir técnicas e fundamentos. Em BH, existem escolinhas voltadas apenas para meninas. Contudo, muitas vezes, elas são obrigadas a jogar em times mistos, por não terem número suficiente para formar uma equipe. 

A lateral-esquerda da Seleção Brasileira Tamires, que nasceu em Caeté, Região Metropolitana de Belo Horizonte, fez o início da carreira em São Paulo, e relatou ao No Ataque que, na época, o futebol feminino ainda estava a passos lentos no interior de Minas.

“Comecei a jogar futebol aos 11 anos em Caeté, onde nasci, e joguei em Sabará, João Monlevade, Barão de Cocais, onde foi a minha formação até os 15 anos. Depois, fui para São Paulo e via o futebol mineiro ainda muito devagar. [Na época], não tinha times de campo, só tinha equipes de futsal, que jogavam o Jogos do Interior de Minas (Jimi) e só depois que começaram a ter os jogos escolares”, contou a lateral.

Ela também ressaltou que outras mineiras acabaram construindo trajetória semelhante à dela nos últimos anos: deixar o estado em direção a oportunidades melhores. Por isso, a evolução do futebol feminino em Minas é essencial para, inclusive, realizar o sonho de algumas atletas.

“Fico muito feliz por Minas Gerais estar pensando o futebol feminino de forma contínua, com planejamento a longo prazo, porque tenho certeza que muitas meninas têm o sonho de jogar no seu estado. Sei disso porque vejo muitas mineiras em São Paulo pois não tinham oportunidade de jogar no seu estado” 

Tamires, lateral-esquerda da Seleção Brasileira
Tamires, lateral-esquerda da Seleção Brasileira. Foto: AFP

Projetos sociais

O crescimento do futebol feminino na capital passa também por projetos sociais, que impulsionam e incentivam meninas a se aproximarem do esporte. O projeto “Esporte na Cidade”, em parceria com a instituição “De peito aberto”, beneficia cerca de 400 meninas de 7 a 17 anos com aulas semanais no Independência. Elas podem se inscrever pelo site (clique aqui para acessar).

Mesmo que o projeto seja voltado para cunho social, também funcionou como porta de entrada para clubes profissionais. Segundo o diretor-executivo da “De peito aberto”, Wenceslau Teixeira, de 52, algumas crianças e adolescentes alimentam o sonho de seguir como jogadora profissional. 

No entanto, apesar do sucesso da iniciativa, o diretor revelou que a maior dificuldade enfrentada é a manutenção do projeto, que ainda luta contra o preconceito. 

Crianças que participam do projeto “Esporte na Cidade”, no Independência. Foto: Divulgação

“O maior desafio é a manutenção do próprio projeto. É conseguir com que empresas acreditem que o esporte seja um verdadeiro transformador social. As empresas têm conseguido visualizar, seja por estratégia de marketing ou de responsabilidade, sobre essa questão da participação do futebol feminino na sociedade. Porém a gente sabe que é um uma longa caminhada para que o futebol feminino se iguale ao masculino”, contou o diretor ao No Ataque

Para a professora Ana Clara Flaviano, que também dá aulas em escolinhas masculinas e comanda os treinos no Horto duas vezes na semana pelo “Esporte na Cidade”, a diferença para a prática feminina é evidente. 

“É uma rotina bem diferente do masculino, porque envolve outras questões de trabalho, estudo, às vezes a menina não consegue ir porque vai ter que ficar com o irmão, ou porque vai ter que arrumar a casa, e muita das vezes os meninos não passam por isso. A gente sente uma desvalorização muito grande, porém é um caminho muito mais aberto.”

“Então hoje eu tenho meninas de sete anos querendo jogar bola e querendo ser jogadora. O que é difícil ver principalmente aqui em Minas. Porque eu acredito que o sucesso no profissional passa pela base, isso no masculino ou em qualquer esporte. E no feminino a gente está conseguindo ter essa base”, falou Ana. 

Além disso, a estudante de Educação Física de 24 anos enxerga que o preconceito envolve o enfrentamento no dia a dia com os meninos, que às vezes jogam no mesmo time.

“Muitos pais que me procuram falam que eles ficam muito tempo procurando a escola só para meninas e tem uma dificuldade dentro das escolas mistas. Às vezes os meninos não tocam pra elas, não não tem essa interação tão grande. E muito é pelo preconceito. ‘Ah, não vou tocar pra menina não, porque ela é ruim’. Muito por esse preconceito dos meninos não incluírem as meninas dentro do âmbito esportivo deles”

Ana Clara Flaviano, professora do projeto

Aluna da iniciativa, Camila, de 17, conta que  tinha o costume de jogar futebol na escola, mas relatou que, com o passar do tempo, já não era mais bem-vinda pelos meninos. Para a jovem, a disparidade em relação ao interesse pelo futebol feminino pode ser vista até mesmo na quantidade de campeonatos disputados.

“As pessoas têm muito mais interesse pelo futebol masculino. Quando tem campeonato, por exemplo, o masculino é pago, o time recebe por isso e tudo mais. Tem muito mais campeonato masculino. E no feminino, ninguém recebe. Você ganha um parabéns, é isso e acabou”, destacou.

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