
O protagonismo da ponteira Gabi Guimarães na Seleção Brasileira Feminina de Vôlei foi evidente no ciclo até a Olimpíada de Paris 2024. Porém, principalmente após a queda na semifinal, uma parte da torcida afirmou que as jogadas decisivas não devem passar apenas pela ponteira, até porque facilitou para a marcação adversária. Só que o técnico Zé Roberto Guimarães explicou, em entrevista exclusiva ao No Ataque, a dificuldade para dividir essa concentração das tramas na capitã.
Camisa 10 da Seleção, Gabi Guimarães é uma das melhores jogadoras do mundo e brilhou na primeira temporada na Itália. Ela foi campeã de todos os torneios disputados pelo Conegliano: Copa, Supercopa e Campeonato Italianos, além de Champions League e Mundial de Clubes. Pelo desgaste da temporada de clubes, a atleta ficará fora da primeira semana da Liga das Nações de Vôlei (VNL), que será disputada no Rio de Janeiro, a partir de quarta-feira (4/6).
Logo, nessa etapa no Maracanãzinho, a Seleção Brasileira terá que contar com outras protagonistas. Porém, depois do retorno da ponteira de 31 anos (que deve ocorrer a partir da terceira semana da VNL), como o time de José Roberto Guimarães se comportará? As jogadas, principalmente as decisivas, ainda se concentrarão em Gabi?
Perguntado pelo No Ataque sobre o assunto, o técnico tricampeão olímpico – Barcelona 1992 com time masculino e Pequim 2008 e Londres 2012 com a equipe feminina – admitiu a dificuldade de dividir esse protagonismo e explicou o porquê usando Marcelo Negrão como exemplo. Zé Roberto Guimarães comandou o histórico oposto da Seleção Masculina na conquista do primeiro ouro do voleibol brasileiro.
“Isso [dividir o protagonismo] não é simples. É uma coisa de muita credibilidade, de confiabilidade. Uma vez jogando, depois da Olimpíada de 92, logo em 93, a gente estava jogando contra a Alemanha, e o Marcelo Negrão errou a última bola. Ele falou assim: ‘Pô, eu tinha que errar a última bola? Eu tinha que bater lá para fora?’. Eu perguntei para ele: ‘Mas, Marcelo, por que que a bola foi para você?’ Aí ele parou para pensar e falou: ‘É, eu acho que o pessoal confia em mim’. Eu falei: ‘Porque a última bola foi para você, porque todo mundo confia em você’”
Zé Roberto Guimarães, lenda do vôlei
A divisão de protagonismo na Seleção Brasileira Feminina de Vôlei
O principal termo usado por Zé Roberto para explicar o que falta para a Seleção usar outras atletas em vez de Gabi Guimarães foi “confiabilidade”, ou seja, a qualidade de ser “confiável”. Até por isso, o técnico ressaltou que, durante esse processo rumo a Los Angeles 2028, deseja que as outras atacantes passem essa segurança às colegas, ainda mais em momentos decisivos e tensos das competições.
“A Gabi tem essa confiabilidade de todo mundo. Todas as jogadoras precisam ter essa confiabilidade. Isso faz parte do jogo. E uma coisa que não é simples é: não pense que uma jogadora numa semifinal de de Olimpíada – não é do campeonato da Superliga ou do campeonato do colégio, é uma semifinal olímpica – entra achando que é tranquilo, que vai lá e que vai jogar. Não é assim. Não funciona assim. Seria muito bom se fosse a [fácil] a substituição: ‘Vai lá no lugar da Gabi e vai decidir agora, tá?’ Será que você daria bola naquele momento para a jogadora que entrou?”
José Roberto Guimarães, técnico da Seleção Brasileira Feminina de Vôlei
“Esses detalhes do jogo que, se essas jogadoras não funcionam, não tem outra jogadora assim pronta no nível dessa jogadora para segurar. Eu vejo as pessoas falando assim: ‘Podia ter tirado a Gabi e botado outra jogadora’. A pessoa não tem ideia que quando você pega na mão da jogadora, muitas vezes, o quão fria a mão dela está de nervosa, de suada, transpirando. Tem muita construção a ser feita. Não é da noite para o dia, são anos e anos para decidir jogos, para poder estar absoluta. Uma construção de uma Gabriela Guimarães são no mínimo 10, 15 anos”, completou.
Na sequência, o treinador de 70 anos voltou a citar que a divisão de protagonismo não é simples, mas citou algumas atletas que podem evoluir para ser tão importante quanto Gabi Guimarães. Zé Roberto mencionou as ponteiras Ana Cristina, de 20 anos, e Júlia Bergmann, de 24, e as opostas Tainara, de 25, e Jheovana, de 24.
“Não é simples assim. O que é que a gente precisa fazer? Que essas jogadoras todas cresçam, evoluam para serem opções, para terem a confiabilidade de todo mundo, mas isso é um processo de crescimento que você vai construindo. Nessa geração, a Ana Cristina tem continuar construindo e já está construindo. A Júlia Bergmann tem que construir. Tainara, Jheovana têm que construir. E a Gabi tem que continuar construindo”, frisou Zé Roberto.
Outras falas de Zé Roberto Guimarães sobre a divisão do protagonismo da Seleção
“Assim, eu vou jogar contra algumas seleções do mundo. Quais são as jogadoras que mais recebem bola dessas seleções? Como é que a gente vai conseguir parar essas seleções? A gente só vai parar essas seleções se a gente conseguir parar essas jogadoras. Como é que a gente ganhou a disputa do bronze [em Paris 2024] da Turquia? Porque a Vargas não funcionou tão bem”
“Hoje a Gabi é a melhor jogadora do mundo na posição dela por uma série de circunstâncias que ela construiu. Então, ela vai ser mais marcada? Vai. E eles pensam assim: ‘Vamos no duplo para ela e vamos deixar no simples para outra’. Mas se você deixar no simples para outra, a outra no simples não virar, o que que você faz? Você vai jogar com a Gabi na próxima bola no triplo. Não vai ser nem no duplo. É assim que funciona”
“A gente tem que, na realidade, tentar construir mais jogadoras e melhores, mais confiantes, cada vez mais produtivas, que deem mais opções, que tenham consistência. Nós ainda oscilamos um pouco na nossa realização de números, falando de estatística. Eu acho que a gente precisa, cada vez mais, levar isso de baixo para cima”