COLUNA TIRO LIVRE

Arena MRV: ir ao estádio será prêmio de Mega-Sena

Conseguir ingresso para jogo bom, decisão, na Arena MRV, vai ter quase a mesma possibilidade de acertar na Mega-Sena

Eu sempre fui a estádio. Desde criança. E um dos aspectos da experiência “jogo de futebol” que mais me fascinavam era ver famílias inteiras indo a campo. Típico programa de domingo. Mas vivíamos outros tempos, em que estádios não eram espaços restritos a sócios-torcedores, e você podia comprar ingresso na bilheteria horas antes de a bola rolar. A Arena MRV, que será oficialmente inaugurada no domingo, significará mais um capítulo dessa nova era.

É o preço que se paga para a tal modernização. Em muitos casos, associada a conforto, tecnologia, mas que não deixa de despertar certa nostalgia em quem viveu a outra realidade.

O fim da geral foi o ponto de partida de uma certa elitização, que começou a afastar dos estádios o torcedor comum, muitas vezes de baixa renda, que tinha como alívio para a semana pesada de trabalho o jogo do seu time.

A reboque, veio o aumento no preço dos ingressos e a restrição nos acessos para comprá-los.

A remodelação do Mineirão trouxe o primeiro impacto para essa cultura, com a redução da capacidade de público. Quem estava acostumado a ouvir o serviço de som do estádio anunciar 80 mil espectadores, 90 mil, passou a se surpreender quando, depois de enfrentar engarrafamentos para chegar e uma confusão nas catracas para entrar, o telão anunciar 40 mil.

Em 2013, quando os torcedores foram apresentados ao novo Gigante da Pampulha, a “ditadura” dos programas de fidelidade nos clubes ganhava força. Além de a oferta de lugares nos estádios ter caído, começava uma briga ferrenha para conseguir ingressos.

Cada vez mais, garantir um lugar nos grandes jogos virou loteria. Partidas decisivas, então… Claro que em um ou outro confronto do Campeonato Mineiro, ou naquelas fases iniciais de Copa do Brasil, a disputa era menos acirrada.

Com o time em baixa, vem a promoção: mulheres entrando de graça, um bilhete valendo outro, e por aí vai. Mas, na hora do filé, entra em campo a lei do mais forte (rico, no caso).

Isso ganhou outra dimensão com a “evolução” dos programas de associados, com o passar dos anos. Os clubes descobriram o filão. A categorização, com valores diferenciados, foi erguendo um muro invisível no entorno das arenas. Quem paga mais tem mais privilégios, incluindo a prioridade na compra de ingressos.

E não adianta dizer que sócio-torcedor não é feito para vender ingresso. Até então, era o principal incentivo de quem os adquiria. E a ironia do destino é que nem isso mais tem bastado para um associado ter certeza de que irá a campo ver seu time. Se ir sozinho está difícil, imagina levar um parente.

Chegamos então à Arena MRV. Serão 30 mil “sortudos” a presenciar o primeiro jogo oficial na nova casa do Galo. Desses, 7 mil asseguraram vaga ao custo de uma bolada: são os donos de cadeiras cativas e ocupantes de 112 camarotes.

Oficialmente, restaram 23 mil para a venda. Para um clube com 82 mil associados, não foi surpresa que todas as entradas estivessem esgotadas em 40 minutos. De novo, quem decidiu a parada foi o poder aquisitivo: quem paga o plano mais caro teve preferência de compra. E sem direito a acompanhante.

Isso sem contar as cortesias de patrocinadores e o agrado a integrantes de organizadas.

Fato é que, daqui pra frente, vai ser assim. Mesmo quando a capacidade total do estádio for liberada, atualmente de 44 mil torcedores. Conseguir ingresso para jogo bom, decisão, na Arena MRV, vai ter quase a mesma possibilidade de acertar na Mega-Sena. Aí fica a singela questão: onde é que você vai querer empregar a sua sorte?

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