ESPECIAL

Assista ao minidoc “Proibidas por lei: as mulheres que desafiaram a ditadura nos campos de Minas”

Produção especial do No Ataque rememora como o futebol feminino sobreviveu em Minas Gerais durante o sombrio período da Ditadura Militar (1964-1985)
Foto do autor
Foto do autor
Foto do autor
Compartilhe

Proibidas de jogar futebol durante parte da Ditadura Militar (1964-1985), as mulheres nunca deixaram de desafiar as regras. Em um período marcado por censura e repressão, elas fizeram história. No mês em que o golpe completa 60 anos, o No Ataque lança nesta terça-feira (16/4) o minidocumentário “Proibidas por lei: as mulheres que desafiaram a ditadura nos campos de Minas”, no nosso site e no YouTube do Portal Uai.

Você pode assistir à produção especial no vídeo abaixo:

Em 31 de março de 1964, o presidente João Goulart foi deposto por um golpe militar. O Brasil permaneceu sob domínio de líderes autoritários até 1985. O regime decidiu, em 1965,  especificar um decreto de Getúlio Vargas. Nele, ficou explícito que as mulheres estariam proibidas de praticar futebol – e vários outros esportes. 

A decisão dizia que “não é permitida a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, pólo aquático, pólo, rugby, halterofilismo e beisebol”. Isso significava que não era permitida a formação de times ou a criação de campeonatos femininos.

Resistência e repressão

Ainda que estivessem proibidas, as mulheres nunca deixaram de lado a paixão pelo futebol. Muitas continuaram a jogar nas ruas, escolas e ao lado de irmãos e amigos. Foi assim que surgiram os times Vespasiano e Oficina, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em 1968. A motivação das partidas era arrecadar dinheiro para construir o muro da escola do bairro.

Aos 79 anos, dona Iolanda Braga, professora e organizadora das partidas daquela época, relembra a emoção que era poder jogar futebol com as outras meninas da rua. Mesmo sem chuteiras ou uniformes dignos, elas tinham vontade e o espírito de se divertir em campo.

“Os próprios times começaram a chamar a gente para fazer as preliminares em jogos oficiais deles, em aniversários deles. Acabamos jogando não só em Vespasiano, como também em Lagoa Santa, no campo do Fluminense, em Pedro Leopoldo… Os convites foram aparecendo”, contou Iolanda.

A repressão, contudo, não demorou a chegar. De acordo com Iolanda, as meninas não se sentiam amedrontadas, mas o delegado da cidade sabia como minar a ideia das jovens em jogar futebol: os pais iriam ficar receosos. 

“O delegado na época que chamou. Chamou, inclusive, o Buião (ídolo do Atlético), que estava entusiasmando a gente. Chamou e falou que o futebol era proibido, que a gente não podia jogar. Então, vêm aquelas ameaças, que amedrontam, principalmente os pais. As jovens, na época, não estavam muito preocupadas com essas ameaças, não. Não parou de uma vez, foi parando (aos poucos), foi diminuindo”, relembrou.

O futebol de mulheres viveu às sombras. Sem perspectiva de mudanças ou de qualquer avanço, os grupos foram perdendo a força para continuar nos campos. Os registros dessa época são escassos. Ainda que os jornais noticiassem algumas práticas, o assunto foi bastante ‘renegado’ pela imprensa mineira, que pouco ia aos estádios para cobrir as partidas. 

Mesmo assim, a ideia semeou. O futebol voltou aos holofotes aos poucos e alguns anos depois. 

Na várzea e nos clubes

Após os jogos de Vespasiano, foram poucos os registros de tentativas femininas para praticar o esporte de maneira formal. Um dos raros casos públicos ocorreu em Montes Claros, em 1973, com partidas disputadas entre dois clubes da cidade do Norte de Minas, o Ateneu e o Casemiro. A iniciativa, contudo, também foi barrada pelo Conselho Nacional de Desportos (CND).

Foi no fim da década de 1970, no momento em que o Brasil passava por um processo lento de reabertura política rumo ao fim da ditadura, que as mulheres começaram a conquistar mais espaço no futebol – ainda com muito preconceito. Em contrapartida, o futebol masculino tinha a atenção da mídia e das federações. Com altos investimentos, as arenas eram colocadas de pé, e os times incentivados a mudar de patamar no cenário nacional. 

“No final dos anos 1970, eu acho que a gente tem um pouco de mudança, porque o futebol também começa a ser, de alguma forma, parte dos movimentos feministas que estavam formando. Formando não, estavam ganhando bastante força neste momento de abertura. Aí o futebol também é encampado, o futebol de mulheres é encampado como uma pauta desses movimentos”, analisa Ana Carolina Vimieiro, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Especialmente em Belo Horizonte, os times de várzea foram os primeiros a dar espaço para que elas pudessem jogar futebol. Justamente em um ambiente com maior diversidade de classe e raça do que nos clubes profissionais. Um dos pioneiros foi o Panterlouco, clube sediado no Bairro Concórdia. 

Foi também nesse período que nasceram os embriões dos times que futuramente se tornariam Atlético e Cruzeiro. O Galo surge, inicialmente, como uma equipe formada por mulheres associadas à Vila Olímpica, clube recreativo do alvinegro.

“Na Vila Olímpica, não foi diferente. A gente começou brincar, fazer umas peladinhas, aí o rapaz chegou e falou assim: ‘Eu estou montando um time de futebol feminino e acho que já encontrei metade de um time aqui’. O nome dele era José Maria Mendes, que acabou sendo o treinador também, né. O Zé Maria que deu início a isso tudo aí lá na Vila Olímpica”, conta Maria Helena, 66, que participou da formação desta equipe.

Do outro lado da lagoa, a torcida organizada Camisa 12 dava início ao que futuramente seria o time feminino do Cruzeiro. 

“Um belo dia eu fui convidada para jogar no Camisa 12, que é uma torcida organizada do Cruzeiro. Joguei bastante tempo no Camisa 12. A gente jogava, disputava vários torneios, mas não era nada profissional. O Cruzeiro, o clube, resolveu fazer o time feminino, profissionalizando as meninas, mais ou menos, né”, relembra Valéria Rosária de Oliveira, 62, ex-jogadora da Raposa.

Valéria Rosaria de Oliveira, ex-jogadora do Cruzeiro, concedeu entrevista ao No Ataque no Mineirão

Fim da proibição e os primeiros campeonatos

Em 1979, o CND deu os primeiros passos em direção à queda da proibição, ao permitir a prática feminina de qualquer esporte que fosse regulamentado pela entidade internacional. 

A primeira competição oficial de futebol feminino em Minas Gerais ocorreu em 1983. A Fifa enviou uma convocação às confederações, a fim de incentivar o futebol de mulheres, quando a prática enfim foi regulamentada . 

“Na época, eu era dirigente de futebol amador da capital e do interior do estado, então meu presidente falou: “Olha, vai ficar por sua conta a organização desse campeonato. Nós temos que criar aqui uma série de equipes para disputar o campeonato. Com isso, servia à CBF também, o campeonato pelo interior do país”, relembra Dirce Figueiredo, responsável por organizar o Campeonato Mineiro feminino.

A competição teve apenas duas edições, que foram vencidas pelo Atlético. Apesar de não ser mais proibido oficialmente, o futebol feminino ainda enfrentava o preconceito e a falta de incentivo. 

Jogadoras que foram campeãs com o Atlético em 1983 (Maria Helena, Beka, Jaqueline, Solange e Cássia, da esquerda à direita)

Em 1985, a Ditadura Militar chegou ao fim, assim como o time feminino do Cruzeiro. O do Atlético teve as atividades encerradas no ano seguinte. 

Atualmente, o futebol de mulheres está em um estágio um pouco mais avançado em relação aos tempos de proibição, mas ainda existe um longo caminho para diminuir o abismo que existe em relação ao dos homens – em termos de estrutura, investimento e oportunidades.

PROIBIDAS POR LEI: AS MULHERES QUE DESAFIARAM A DITADURA NOS CAMPOS DE MINAS

  • Gênero: minidocumentário
  • Duração: 20 minutos
  • Produção: No Ataque
  • Reportagem: Adriano Oliveira, Izabela Baeta e João Vítor Marques
  • Roteiro: Adriano Oliveira, Izabela Baeta e João Vítor Marques
  • Narração: Izabela Baeta, Mannu Meg e Giovanna de Souza
  • Edição: Denys Lacerda / Imagens: Larissa Kumpel, Denys Lacerda, Rafael Alves, Edésio Ferreira, Túlio Santos, Gladyston Rodrigues, Alexandre Guzanshe e Mannu Meg
  • Supervisão: Rafael Alves
  • Lançamento: 16 de abril de 2024
Compartilhe