Camisas de futebol são uma das maiores tendências do universo da moda atualmente. Mas engana-se quem acredita que a relação entre moda e esportes, em especial o futebol, é uma novidade. Aliás, a estética, recentemente batizada de blockcore pela geração Z, esteve em alta em décadas passadas.
“Sempre falo que a moda é uma expressão daquilo que você é, não uma tendência. É utilizar a tendência da sua maneira e quando se é apaixonado por futebol, aquilo faz parte de você, você quer expressar saindo com a sua camisa”, afirma Kamila Padilha, fundadora do projeto Vá de Camisa, que incentiva pessoas, em especial mulheres, a usar peças de clubes de futebol em qualquer lugar e situação.
Numa tradução livre, a origem do nome vem da gíria inglesa “bloke“, algo semelhante ao termo “mano” no Brasil, e “core“, expressão usada por fashionistas na internet para indicar tendências específicas. Esse estilo consiste em criar um visual que misture camisas oficiais de times de futebol – de jogos, treinos ou mesmo de edições comemorativas – a elementos da moda de rua, conhecida como streetwear, como peças e tênis despojados.
No entanto, essa mistura do streetwear com o sportlife, denominação para o estilo que usa peças esportivas em contextos não esportivos, não determina precisamente a tendência do blockcore. Ela também pode se apresentar formal, quando misturada a elementos de alfaiataria, o que alimenta algumas teorias sobre o surgimento da estética.
“Essa cultura veio forte nos últimos anos para outros espaços da sociedade, mas é importante lembrar que a origem dela vem da periferia. Acabou ganhando mais espaço no mundo da moda, tanto no Brasil, quanto no mundo, e acho que veio para ficar. Tanto que as mais altas grifes hoje em dia fazem coleções com a camisa de futebol sendo utilizada como uma peça da moda”, destaca Fred, apresentador no canal Desimpedidos e influenciador digital que produz conteúdos sobre como usar camisas fora dos estádios.
O vaivém da moda
No Brasil, o uso de camisa de time de futebol já é algo comum. No entanto, visões preconceituosas, que definem a peça como brega e marginalizada, induzem a restrição de lugares onde ela deveria ou não ser usada. Advogada por formação, Kamila Padilha é testemunha deste movimento. Durante as pesquisas para instituir o projeto Vá de Camisa, a paranaense teve dificuldades para fundamentar a estratégia pela ausência de conteúdos relacionados.
“A gente começou a pesquisar em livros, blogs, sites, mas eram poucos conteúdos. Os poucos que tinha eram relacionados a camisas de basquete, beisebol, muito associados à cultura hip hop, mas de futebol não tinha. Ainda que hoje seja tendência, ainda é marginalizada. Na grande mídia é vista como uma coisa de gente sem estilo e até de pessoas pobres”, afirma a amante de esportes.
Blockore nas passarelas de moda
O estilo se popularizou na Europa, ganhando espaço até mesmo nas passarelas das semanas de moda, e tem conquistado cada vez mais adeptos e autonomia em todos os espaços.
No entanto, apesar de parecer uma novidade e ter se popularizado em 2022, a tendência blockcore traz um histórico de ocorrências que dificulta a certeza de sua origem, mas prova como tudo na moda é cíclico. Nos anos 2000, era o estilo queridinho das celebridades do pop, principalmente na cultura hip hop, com o conforto das silhuetas largas e criatividade.
Antes disso, nos anos 1990, a tendência era um pouco mais alinhada, ainda que mantivesse o conceito de comodidade. Nesse período, a estética foi impactada pelo pop britânico, em que os cantores da banda Oasis, Liam e Noel Gallagher, nascidos em Burnage, cidade com herança industrial em Manchester, foram personagens importantes na popularização do que hoje é conhecido como blockcore.
Com a popularização da estética, Kamila diz que aderir à tendência se torna mais fácil, o que também simplifica o trabalho com o Vá de Camisa. No entanto, lamenta que muitas pessoas não entendam a importância do que uma camisa de time representa.
“A gente viu celebridades e blogueiras usando a estética, que eu acho que nunca pisaram no estádio. E é legal, mas tem que reconhecer quem estava ali sempre, todas as mulheres que sempre usaram camisas de time e que foram discriminadas.”
Mais visibilidade para o futebol
A identificação e a relação com a temática esportiva dão conforto para que Fred use camisas de time em espaços além dos estádios de futebol. No entanto, antes de o influenciador conquistar 12 milhões de seguidores no Instagram e ser considerado uma referência nesse estilo, ele já se sentiu julgado por isso.
Nas redes sociais, o jornalista se aproveita da popularidade do blockcore para reverter rótulos, criando também conteúdos em que sugere para o público como incluir a peça no cotidiano. Ainda que a tendência tenha ultrapassado o grupo de entusiastas pelo futebol, ele vê o movimento como uma oportunidade de ampliar a cultura do futebol brasileiro.
“Defendo que a pessoa tem de se sentir bem. É óbvio que para nós, entendedores de futebol, é notável o peso que tem, por exemplo, uma camisa do Henry pelo Arsenal. Sabemos a história por trás. Mas se uma pessoa não entende, ela não está desvalorizando, pelo contrário, está contribuindo para que o futebol tenha cada vez mais visibilidade”, afirma Fred.
Assim, uma camisa vintage do Guarani, time do interior de São Paulo, tornou-se conhecida na Coreia do Sul. O modelo da década de 1990 foi usado pela cantora Gaeul, do grupo K-Pop IVE, e pouco depois pela japonesa Rio, do grupo Niziu. Isso foi o suficiente para que a peça se tornasse tendência entre fãs, expandindo a marca do clube brasileiro para a Ásia.
O Bugre, que atualmente compete pela série B do Campeonato Brasileiro, utilizou o viral a seu favor e deve lançar uma camisa com referências ao K-Pop ainda neste ano. No entanto, a nova peça não fará parte dos uniformes oficiais de jogo.
A relação entre moda e esporte
A relação entre a moda e os esportes é antiga. Isso porque movimentos culturais são capazes de influenciar no desejo de consumo e hábitos. A correlação entre esses dois universos se estabeleceu no início do século 20, quando algumas grandes grifes recriaram, em suas coleções casuais, vestimentas já usadas no meio esportivo e seus tecidos.
Uma das primeiras marcas a inovar nos modelos para suas criações foi a Coco Chanel, quando a estilista francesa usou o tecido tweed – comum na época em roupas para a prática de caça e cavalgada – nas criações de peças femininas da marca. Outro exemplo é René Lacoste com a clássica camisa pólo, retirada das quadras de tênis.
Atualmente, a presença do esporte, principalmente o futebol, está em crescimento contínuo, não somente como prática, mas como estilo de vida. As peças causam efeito de pertencimento a determinada massa.
Vestir a camisa de um time está além de torcer, é contar para a sociedade que aquela equipe e os ideais ligados a ela fazem parte da sua identidade. Além disso, os atletas são modelos que inspiram os torcedores dentro e fora de campo, com seus cortes de cabelo, estilos e, até mesmo, formas de usar os uniformes e acessórios.
Nesse caso, o ex-jogador David Beckham é considerado um caso de sucesso de grandes marcas. O ídolo do Manchester United, da Inglaterra, além de inspirar pelo estilo, já foi o rosto em campanhas da Armani, dos relógios Tudor, Biotherm Homme, Breitling, além da Adidas e outras.
Jordan, Nike e a revolução nos calçados
O tênis All Star, atualmente considerado casual e confortável, era o favorito dos jogadores de basquete. A Converse, marca responsável pelo modelo, dominou as quadras de 1917 a 1970, quando outras começaram a surgir.
No começo dos anos 1970, a Nike apostou na fabricação de calçados para corrida e logo quis ingressar no basquete. Foi a primeira a pensar em um modelo específico para a prática do esporte: um calçado que prometia otimizar o desempenho do jogador nas quadras.
Era comum as marcas se associarem ao time todo, mas a Nike queria um único jovem do basquete universitário. Sem certeza do sucesso futuro para o jogador, a gigante mirou em Michael Jordan.
A parceria teve início ainda em 1984, e, no ano seguinte, a Nike lançou o primeiro Air Jordan, tênis com a marca exclusiva do ainda jovem atleta, aos 22 anos.
O primeiro modelo tem as cores preto, vermelho e branco do Chicago Bulls, pelo qual o ex-atleta teve a primeira passagem entre 1984 e 1993.
No entanto, nas quadras só eram permitidos calçados brancos, e isso custou a Jordan uma multa de 5 mil dólares a cada vez que ele usava o tênis em quadra – uma tentativa de proibir o jogador de mudar o padrão.
De punição a tendência
A Nike usou a proibição a seu favor em campanha que dizia ao público: “Felizmente, a NBA não pode proibir você de usar (os tênis)”. O slogan conquistou o público e, assim, o tênis se popularizou. Desde então, Air Jordan não está presente só nas quadras, mas também no dia a dia das pessoas e até mesmo em grandes eventos, como os tapetes vermelhos de grandes prêmios do cinema, da música e do teatro.
Em seu relatório anual de 2023, a Nike informou uma receita total de 51,2 bilhões de dólares (em torno de R$ 256 bilhões). No mesmo período, apenas a linha Jordan arrecadou 12,8% do montante, o que equivale a aproximadamente a R$ 32,9 bilhões.
Marca de luxo no mercado esportivo
Giorgio Armani, estilista e dono da grife de luxo que carrega seu sobrenome, buscou inovar e se inserir no mercado dos esportes. Em 2004, ele criou a linha esportiva Empório Armani, também conhecida pela sigla EA7, e, desde 2012, é responsável pelos uniformes do Comitê Olímpico Italiano.
Em 2015, a Armani assinou toda a vestimenta de viagem do clube alemão Bayern de Munique. A coleção de alta-costura, feita sob medida para os jogadores, era formada por terno, colete, camisas, gravata, mochila e sapatos.
Para a temporada de 2021/22 do futebol italiano, a grife apostou na parceria com o Napoli e assumiu toda a logística de confecção e vendas de uniformes do clube. A Armani atuou como fornecedora de material esportivo e, pela primeira vez, produziu uniformes para a prática do esporte profissional.